O
LICENCIAMENTO AMBIENTAL NO BRASIL: DESAFIOS NA GESTÃO DE RISCOS AMBIENTAIS
OMAR MARX
WEILLER ALBUQUERQUE – ERASMUS -
Sumário: 1. Introdução; 2. Desenvolvimento sustentável e sociedade
de risco; 3. Sobre o procedimento do licenciamento ambiental brasileiro; 4.
Breves considerações sobre a Lei Complementar 140/2011; 5. Conclusão; 6.
Referências.
INTRODUÇÃO
O meio ambiente adquiriu, com a
constituição cidadã de 1988, um papel até então desconhecido na política
brasileira. Em razão da efervescência no cenário internacional das discussões em
busca de uma saída para a crise ambiental, o bem ambiental assumiu um papel de
protagonismo no cenário de desenvolvimento social, econômico e político no
país.
A gestão ambiental brasileira é atualmente
normatizada pela Política Nacional de Meio Ambiente (Lei n. 9.6938/1981 –
PNMA).
Deste modo, o objetivo do
presente trabalho é demonstrar as principais ferramentas de controle e promoção
a um meio ambiente ecologicamente equilibrado na legislação brasileira
DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL E SOCIEDADE DE RISCO
A partir da segunda metade do
século XX, as questões ambientais passaram a ocupar um grande espaço na pauta
de debate internacional. Diversas foram as conferências realizadas visando
debater a sociedade de riscos. Riscos estes que aumentaram devido o crescente
processo de industrialização. A questão da geração de riscos tornou-se mais complexa,
na medida em que se reconheceu que a industrialização não poderia ocorrer
dissociada de um desenvolvimento capaz de aglutinar tanto os aspectos
econômicos quanto ambientais.
Em meio a este debate, surge o
conceito de desenvolvimento sustentável, que possui suas diretrizes traçadas no
Relatório Brundtland divulgado em 1987 pela Comissão Mundial sobre o Meio
Ambiente e Desenvolvimento, segundo o qual é sustentável o “desenvolvimento que
satisfaz as necessidades do presente, sem comprometer a capacidade das gerações
vindouras satisfazerem as suas próprias necessidades”.
A sustentabilidade, deste modo,
implica no aperfeiçoamento e na utilização de instrumentos que atendam aos
requisitos da complexidade social e que se mantenham em constante
aperfeiçoamento para serem efetivamente úteis à preservação do meio ambiente. A
sociedade moderna encontra na existência dos riscos um pressuposto de
interpretação e aplicação dos preceitos do ordenamento jurídico.
Os instrumentos de gerenciamento
de riscos, no caso de um estado democrático como o brasileiro, compõem a base
da gestão ambiental pública. O cenário de crise ambiental atual requer que
ferramentas como a Avaliação de Impacto e o consequente Licenciamento Ambiental
sejam utilizadas de forma agressiva, demonstrando realmente que servem ao
desenvolvimento sustentável e não somente ao capital.
A gestão ambiental brasileira
está posta pela Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938, de 31 de
agosto de 1981 –PNMA), plenamente recepcionada pelo Texto Constitucional de
1988, que determina princípios, instrumentos, objetivos, políticas publicas
ambientais, regras de competência, consolidando ainda o Sistema Nacional do
Meio Ambiente (SISNAMA) e o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA).
Essa política surgiu como
consequência dos mais diversos debates internacionais e, como consequência,
fortaleceu diversas ferramentas de proteção, dentre elas, o licenciamento
ambiental. Assim, consolidou-se no Brasil, um sistema normativo que tem na
lógica da preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à
vida o seu escopo, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento
socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade
da vida humana.
O Brasil deve atender a
necessidade de ser um Estado atuante e garantidor desses direitos, em que o
gerenciamento de riscos ambientais seja uma de suas metas de atuação. O
aperfeiçoamento encontra-se no rol das obrigações estatais, uma vez que a
própria Constituição Federal delineia seu papel enquanto promotor e
incentivador do desenvolvimento científico, da pesquisa e da educação
tecnológicas, voltados ao bem público e ao progresso das ciências, e,
preponderantemente, à solução dos problemas da sociedade brasileira e ao
desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional, indo ao encontro do
objetivo da própria PNMA ao visar “ao desenvolvimento de pesquisas e de
tecnologias nacionais orientadas para o uso racional de recursos ambientais”.
Ademais, “novas vulnerabilidades
requerem políticas públicas inovadoras para enfrentar os riscos e as
desigualdades sem deixar de dominar as forças dinâmicas dos mercados para
benefício de todos” (PNUD, 2010, p.1). Para que os países em desenvolvimento
envolvam-se num processo viável, social, ambiental e economicamente, é
fundamental que a disponibilidade de tecnologias profundas e consentâneas com
as demandas internas sejam exploradas (SACHS)
O Supremo Tribunal Federal, em
diversos julgados, respeitando o Texto Constitucional e suas características
pioneiras no que tange à proteção do bem ambiental, tem reconhecido o caráter
fundamental do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, tendo essa
postura sido adotada em votos como o do relator Ministro Celso de Melo:
O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado
– típico direito de terceira geração – constitui prerrogativa jurídica de titularidade coletiva,
refletindo dentro do processo de afirmação dos direitos humanos, a expressão
significativa de um poder atribuído não ao indivíduo identificado em sua
singularidade, mas num sentido verdadeiramente mais abrangente, a própria
coletividade social. [...] Os direitos de terceira geração, que materializam
poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações
sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento
importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos
direitos humanos, caracterizados enquanto valores fundamentais indisponíveis,
pela nota de uma essencial inexauribilidade.
Nesse sentido, todo estudo
voltado ao aperfeiçoamento dos instrumentos de gestão ambiental, volta-se à
concretização do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, inovação advinda com a Constituição Federal de 1988.
SOBRE O
PROCEDIMENTO DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL BRASILEIRO.
O licenciamento ambiental é uma
obrigação legal prévia à instalação de qualquer empreendimento ou atividade
potencialmente poluidora ou que degrade o meio ambiente, e possui como uma de
suas mais expressivas características a participação social na tomada de
decisão, que se dá através de audiências públicas. Por meio dele, a
Administração Pública deve desempenhar o controle ambiental sobre determinadas
atividades humanas e, assim, restringir o exercício de direitos individuais,
como o de propriedade e a livre iniciativa. No âmbito da avaliação dos pedidos
de licença, encontra-se o momento administrativo mais favorável para aplicar as
escolhas constitucionais de proteção ambiental e defesa da vida para as futuras
gerações.
As principais diretrizes para a execução do licenciamento
ambiental estão expressas na Lei 6.938/81 e nas Resoluções CONAMA nº 001/86 e
nº 237/97. Além dessas, recentemente foi publicado a Lei Complementar nº
140/2011, que discorre sobre a competência estadual e federal para o
licenciamento, e sobre a qual discorreremos em breve.
A ferramenta do licenciamento encontra-se no rol dos
instrumentos básicos da gestão ambiental pública brasileira (art. 9º, IV,
PNMA). É “o procedimento administrativo destinado a licenciar atividades ou
empreendimentos utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente
poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental”
(art. 2º, I, da Lei Complementar n.140/2011).
Assim dispõe a PNMA
Art. 10. A construção,
instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades
utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidoras ou
capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental dependerão de
prévio licenciamento ambiental (redação dada pela LC. n 140/2011)
Ao órgão ambiental cabe estabelecer quais serão as exigências
ambientais específicas da atividade ou do empreendimento, podendo substituir o
EIA/RIMA (Estudo de impacto ambiental/relatório de impacto ambiental) por
estudo mais pertinentes e adequados quando não houve significativa ameaça de
degradação do meio ambiente (art. 3º, parágrafo único, Resolução do CONAMA
n.237/1997).
A natureza, as características e as peculiaridades da
atividade ou empreendimento vinculam as exigências do órgão, devendo este
proceder à compatibilização do processo de licenciamento com as etapas de
planejamento, implantação e operação (art. 9º, Resolução do CONAMA n.237/1997).
Ademais, o anexo I da Resolução supracitada traz o rol de atividades sujeitas
ao licenciamento ambiental.
Majoritariamente, a jurisprudência brasileira definiu que a
competência para a emissão de licenças ambientais caberia ao ente federativo
que fosse diretamente atingido pelos impactos ambientais da atividade ou
empreendimento. Com as modificações trazidas pela Lei Complementar n. 140/2011,
os empreendimentos e atividades devem ser licenciados em um único nível de
competência - exceto quando houver incapacidade técnica - quando dar-se-á
atuação supletiva (arts. 7º e 15), em consonância com a competência comum
aludida no caput do art. 23 da Constituição Federal. Essa lei modificou a
cumulatividade no licenciamento ambiental que prevalecia no Brasil até então,
segundo o qual poderia haver a superposição de competência licenciatória por
parte de mais de um ente federativo.
A Resolução 237/1997 estabelece
as etapas básicas do procedimento.
Inicia-se através da definição
por parte do órgão ambiental, ouvido o empreendedor, dos documentos, projetos e
estudos ambientais necessários ao início do licenciamento. Após reuni-los, o
empreendedor dá entrada ao processo de licenciamento. Para elaborar o estudo
ambiental, o profissional ou a equipe deve se pautar pelo Termo de Referência,
documento emitido pelo órgão ambiental ou, em algumas hipóteses, pelo
empreendedor – antes da implantação da atividade – a partir de informações
previamente fornecidas pelo empreendedor, contendo as diretrizes, o conteúdo e
a abrangência para a realização do EIA.
O licenciamento ambiental
aplicado atualmente no Brasil começa com o Estudo Prévio de Impacto Ambiental,
que viabiliza todo o processo e que, em casos mais simples, pode ser um estudo
realizado por um só técnico, seguido da licença prévia, que fixa a localização
e as condicionantes para as próximas fases, da licença de instalação, com a
qual inicia a construção, e da licença de operação, que, finalmente, permite o
funcionamento do estabelecimento.
Breves
considerações sobre a Lei Complementar 140/2011
A Lei Complementar 140/2011 foi
aprovada após vinte e três anos da promulgação da constituição e trouxe, nos
termos de seu art. 1º, normas de cooperação entre a União, os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do
exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais
notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de
suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora, regulamentando,
portanto, os incisos III, VI e VII do art. 23 da Constituição de 1998. Além
disso, trouxe algumas alterações à Lei 6.938/1981 (Política Nacional do Meio
Ambiente).
Aprovada no contexto político do
Programa de Aceleração do Crescimento – PAC, do Governo Federal, a intenção da
LC 140/2011 é simplificar e conferir celeridade aos procedimentos de
licenciamento ambiental.
Essa lei teve como objetivo enfrentar
um dos principais celeumas concernentes à matéria, visto que, antes da
promulgação da LC 140/2011, a interpretação equivocada levava os órgãos
ambientais a exigirem múltiplas licenças dos empreendedores, deixando-os em
situação de insegurança jurídica. Não raro uma obra licenciada por um órgão
poderia ser embargada por outro, que entendesse como sua a atribuição para o
licenciamento.
Conforme observa Paulo Affonso
Leme Machado, esta legislação não tem por finalidade transformar competências
comuns em competências privativas ou especializadas. Segundo o autor, “a
competência comum é aglutinadora e inclusiva, somando os intervenientes e não
diminuindo ou tornando privativa a participação. A competência comum não é
excludente”.
Portanto, a atuação dos entes
federativos continua sendo conjunta. Para que isto se concretize, a referida
Lei Complementar previu, em seu art. 4º como instrumentos possíveis de
cooperação: a) os consórcios nos termos da legislação que os regulamenta (Lei
11.107/2005); b) os convênios, acordos de cooperação técnica e outros
instrumentos similares com órgãos de
entidades do Poder Público; c) as Comissões Nacionais, Estaduais e do
Distrito Federal, criadas com o objetivo de fomentar a gestão ambiental
compartilhada e descentralizada entre os entes federativos que as compõem e
organizadas por regimento interno; d) os fundos públicos e privados e outros
instrumentos econômicos; e) a delegação de atribuições de um ente federativo a
outro, nestes casos, respeitados os requisitos estipulados no art. 5º, ou seja,
que o ente destinatário da delegação haja instituído conselho próprio de meio
ambiente e que “disponha de órgão ambiental capacitado a executar as ações
administrativas a serem delegadas”.
CONCLUSÃO
A sociedade de risco, tão
amplamente discutida, trouxe ao Estado brasileiro desafios quanto sua real
proteção. O gerenciamento de risco ambiental impõem-se, nesse sentido, como uma
necessidade à criação de instrumentos revestidos de eficácia, da mesma forma
que delega a atores sua efetivação.
As questões aqui levantadas
requerem não só previsão legal e institucional, mas, sobretudo, empenho
individual e coletivo. A participação
concreta da sociedade civil e de grupos de interesse é uma tendência
insuperável na busca pela concretização do direito fundamental ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado.
Os preceitos fundantes de tal
sociedade de riscos acarretam ainda o direcionamento da solidariedade na busca
de soluções aos principais problemas ambientais.
Portanto, conforme afirma
Canotilho, a solução deve se pautar pela ação conjunta, vez que a própria
sustentabilidade não conhece limites geográficos.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei n. 6.938, de 31 de
agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e
mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do
Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 02 set. 1981. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6938.htm>.
_____Lei complementar n. 140, de
8 de dezembro de 2011. Fixa normas, nos termos dos incisos III, VI e VII do
caput e do parágrafo único do art. 23 da Constituição Federal, para a
cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas
ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à
proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao
combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da
fauna e da flora; e altera a Lei no 6.938, de 31 de agosto de 1981. Diário Oficial [da] República Federativa do
Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 09 dez. 2011. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/Lcp140.htm.
KRELL, Andreas J. Problemas no licenciamento ambiental no Sistema
Nacional do Meio Ambiente. Revista de direitos difusos: licenciamento
ambiental.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estado constitucional ecológico e
democracia sustentada. Revista do Centro de Estudos de Direito do Ordenamento,
do Urbanismo e do Ambiente – CEDOUA. n. 2. Ano IV. 2001. Disponível em:
<http://ucdigdspace.fccn.pt/jspui/bitstream/10316.2/5732/1/revcedoua8%20art.%201%20JJGC.pdf>
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. São
Paulo: Malheiros, 2007.