sexta-feira, 23 de maio de 2014

Intimação para a protecção de Direitos, Liberdades e Garantias

Âmbito de aplicação

Este meio processual, previsto a nível “fundamental” no nº5 do artigo 20º da Constituição Portuguesa, tem origem aí mesmo, mas também do direito internacional a que o nosso Estado se encontra vinculado.

Consubstanciado no artigo 109º do CPTA, é aplicável ao conteúdo da Constituição no seu título II assim como a direitos de estrutura análoga, por imposição do artigo 17º, que prevê que o regime de direitos, liberdades e garantias seja aplicado aos direitos enunciados no Titulo II e aos direitos fundamentais de natureza análoga, pelo que não se vislumbra qualquer fundamento válido para excluir estes direitos de natureza análoga do âmbito do artigo 109º do CPTA.
Como tal, e tendo em conta a natureza análoga do direito ao ambiente, justifica-se plenamente que este seja abrangido pela intimação para protecção dos direitos fundamentais de natureza análoga aos direitos fundamentais.


Dos pressupostos
Passando agora para a questão dos pressupostos podemos afirmar que este meio processual pode ser utilizado quando a emissão de uma decisão de fundo do processo seja indispensável para assegurar o exercício de um direito, liberdade ou garantia, conjugando-se esta indispensabilidade com a impossibilidade ou insuficiência do decretamento de uma providência cautelar no âmbito de uma acção administrativa normal, comum ou especial.

Da legitimidade
No que se refere à legitimidade esta pertencerá naturalmente aos titulares dos direitos, liberdades e garantias.

Do pedido
Já no que consta ao pedido será a condenação à adopção de uma conduta positiva ou negativa por parte da Administração, que pode consistir mesmo na prática de um acto administrativo, ou na abstenção de uma conduta, respectivamente.
O pedido de intimação também pode ser dirigido contra concessionários ou quaisquer particulares, mesmo que não disponham de poderes públicos, não podendo faltar, no entanto, a relação jurídica administrativa, visto estarmos sobre a sua jurisdição.

Da tramitação
A tramitação vem prevista no artigo 110º CPTA, onde este processo é configurado segundo um “modelo polivalente ou de geometria variável", que permite que ele comporte quatro formas processuais distintas, como referido pelo Professor Aroso de Almeida.
Diga-se ainda que a utilização deste meio é tem ainda outra vantagem que se encontra na perspectiva económica, uma vez que não há lugar nestes processos ao pagamento de custas.



Da subsidiariedade da figura

Após lermos o artigo 109º CPTA é clara a natureza subsidiária da intimação, desde logo porque se retira essa subsidiariedade do facto de estar previsto uma intimação urgentíssima provisória, regulada no artigo 131º CPTA, sob a forma de decisão cautelar.

Nesta medida, a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias não é a via normal de reacção a utilizar em situações de lesão ou ameaça de lesão de direitos, liberdades e garantias, até porque será raro o caso concreto em que se necessite de uma decisão de carácter definitivo, decidida de forma tão rápida.
O meio normal de defesa dos direitos fundamentais são precisamente as acções administrativas comuns ou especiais, eventualmente associadas à dedução de um pedido de decretamento de providências cautelares, por se tratar de uma questão que deve ser acautelada de imediato, esperando-se então pela decisão definitiva do tribunal.

Da urgência
O CPTA, nos artigos já referidos, exige desde logo, como pressuposto do recurso à intimação, a urgência da decisão para evitar a lesão ou inutilização do direito e sem a qual apenas haveria lugar às acções administrativas comuns ou especiais. Mais se exige, que no caso concreto, não seja de facto possível ou suficiente para assegurar o exercício desses direitos recorrer ao decretamento provisório de providência cautelar, segundo o disposto no artigo 131º. Contudo, sempre que seja indispensável, para evitar a lesão de direitos fundamentais, uma decisão de mérito urgente, fica automaticamente excluída a hipótese de recurso à figura prevista no artigo 131º do Código, uma vez que esta norma permite apenas uma “protecção” provisória

No que se refere, ainda, à subsidiariedade inerente a esta figura, questiona-se se a intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, é apenas subsidiária relativamente às providências cautelares de carácter genérico, segundo o disposto no artigo 131º ou se será ela também subsidiária relativamente a toda e qualquer providência cautelar que vise um direito, liberdade ou garantia? A doutrina assim o tem entendido, justificando que o nexo de subsidiariedade estabelecido entre a intimação e o decretamento provisório de qualquer providência cautelar de natureza genérica abrange também as providências cautelares específicas de protecção de direitos, liberdades e garantias.
A subsidiariedade então prevista no nº1 do artigo 109º trata-se, então de uma subsidiariedade mais ampla, do que a estipulada na própria norma, visto que faz todo o sentido que o recurso à intimação tenha também como pressuposto a inexistência de qualquer outro meio processual para a defesa de direitos, liberdades e garantias.



Concluindo, este meio processual que é a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias pressupõe que esteja efectivamente em causa a lesão de um direito fundamental, pessoal ou patrimonial, análogo ou não, nos termos do artigo 17º CRP. Como tal, temos que verificar se o direito ao ambiente se enquadra nestas exigências, ou seja, se estamos ou não perante um direito fundamental.
Por exemplo, a Professora Carla Amado Gomes,  não autonomiza o direito ao ambiente, referindo, no seu manual que ao se intentar com sucesso este mecanismo processual do art 109º do CPTA, o autor fica com o direito de exigir da parte contrária, certa conduta, ou a abstenção da mesma, com base no que reclamou. Conclui a professora que, no caso de bens colectivos, como é o ambiente, não há direito a pretensões individuais, mas sim apenas a “interesses de facto de conteúdo subjectivamente indeterminável (em razão da inapropriabilidade de tais bens)”.

Como ponto final podemos afirmar que esta figura processual é de muito rara aplicação, pelo o que a caracteriza e foi anteriormente referido, mas também pelo facto de se tratar de uma mecanismo de excepção, prevendo o CPTA, mais do que figuras processuais para que todos possamos reivindicar os nossos direitos na jurisdição Administrativa. No entanto, é da extrema importância, afirmar também que pode haver tutela do direito ao ambiente, por via desta figura, estando os seus pressupostos preenchidos e sendo a sua subsidiariedade respeitada.

Bibliografia:
Carla Amado Gomes, Introdução ao Direito do Ambiente, AAFDL, 2014
Carla Amado Gomes, Artigo “Pretexto, contexto e texto da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias”, Lisboa, Março de 2003
Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo, 2012



Trabalho realizado por António Belair, aluno nº 18021

Contencioso Ambiental, uma dualidade de jurisdições ou nem por isso?


Olhando para o regime em vigor no que se refere ao Direito do Ambiente, que é importante frisar se trata de Direito Administrativo especial, podemos rapidamente verificar que o acesso à justiça e a informações dos vários procedimentos relacionados com o Ambiente por parte dos interessados/particulares são pedras basilares deste ramo do Direito.
Como tal, seria fácil afirmar que a jurisdição Administrativa, vulgo Tribunais Administrativos, seriam a jurisdição indicada para o fazer. No entanto, há que fazer aqui uma revisão do sistema para podermos chegar a essa conclusão.

Começando pelo mais importante, é necessário desde já referir o Direito fundamental ao Ambiente concretizado no artigo 9º alíneas d) e e) da constituição da República portuguesa, assim como o artigo 66º, que se apoiam no artigo 52ª para permitir a todos os cidadãos a defesa dos seus direitos, individuais ou colectivos. Neste campo, referir ainda a Lei nº 46/2007, que transpõe a Directiva n.º 2003/98/CE  que regula o acesso aos documentos administrativos. Breve referência à referência feita (passo o pleonasmo) pelo Professor Vasco Pereira da Silva a GIANNINI que nos diz “no direito positivo contemporâneo o procedimento formalizado tornou-se um modo geral de desenvolvimento das actividades públicas”.
Estando a Administração a actuar numa lógica de proibição sob reserva de permissão, devido aos valores em causa (ambiente, saúde pública e sustentabilidade) antes de se iniciarem um certo tipo de actividades, é normal a intervenção da Administração. Intervenção essa que está consagrada em vários diplomas legais, onde se baseiam vários actos autorizativos, trâmites de actuação dos operadores, etc.

O artigo 212º, nº3 CRP, atribui competência aos tribunais administrativos para resolver os litígios emergentes de relações jurídicas administrativas, uma vez que muitos dos litígios em matéria ambiental são litígios de natureza jurídico-administrativa, quer por serem de direito administrativo as normas que protegem o ambiente, quer por serem em grande medida, imputáveis a entidades administrativas importantes agressões ao ambiente.
Ora o ETAF, no seu artigo 4º nº1 alínea b), parece consumir quase a totalidade do que aqui referimos, no nosso caso específico, em matéria ambiental. Para além deste, temos também a alínea l) do mesmo artigo, claramente dirigida às acções propostas por autores populares, não deixando aqui de se fazer referência ao artigo 9º nº2 do CPTA. Mais uma vez, para o Professor Vasco Pereira da Silva há "uma tendencial unidade jurisdicional em matéria de responsabilidade ambiental", referindo-se o Professor de Lisboa ao citado Art. 4º nº1 alínea l) do ETAF.

Olhando para o conteúdo normativo referido, parece não haver dúvidas que o contencioso ambiental pertence à jurisdição Administrativa, pelo menos na grande maioria dos casos. Em primeiro lugar dizer que, havendo dano ambiental, trata-se de um dano público e como tal justifica acção judicial por via administrativa, quer sejam os intervenientes de cariz público ou privado, por via da acção administrativa comum (art. 37 do CPTA)

Não se afirma legalmente a competência total aos Tribunais Administrativos e Fiscais, nem se fixou definitivamente uma única jurisdição competente na matéria ambiental.
No entanto, o que resta para o foro civil é muito pouco. Tratam-se apenas das "relações puramente privadas, relativamente às quais não se coloque qualquer possibilidade de controlo, fiscalização ou polícia, por parte das autoridades administrativas - o que será uma hipótese muito rara", afirma o nosso regente num artigo da sua autoria.

Já a Professora Carla Amado Gomes considera que ficam fora do foro administrativo as situações, também escassas, em que o dano ambiental provocado por um privado ao lesado consome o dano ecológico sofrido pelo ambiente. Ou seja, quando um particular pretende o ressarcimento de um dano que "para si, é primordialmente um dano patrimonial.

Por fim, breve nota para o Professor Aroso de Almeida, que refere ainda que a competência da jurisdição administrativa depende apenas da circunstância de a agressão ao ambiente ser directamente levada a cabo por uma entidade pública. O Professor refere ainda o art. 1º nº1 do ETAF, como tendo características residuais em relação às situações não previstas no art. 4 do mesmo diploma.

Bibliografia
Carla Amado Gomes, introdução ao Direito do Ambiente, AAFDL, 2014  
Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo, 2012
Mário Aroso de Almeida, Tutela Jurisdicional em Matéria Ambiental, in Textos do Direito do Ambiente, 2003
Vasco Pereira da Silva , Verde Cor de Direito. Lições de Direito do Ambiente, Almedina 2002
Vasco Pereira da Silva, versão escrita da intervenção realizada no Colóquio sobre  “As Novidades Legislativas no Direito do Ambiente, organizado pelo Instituto de Ciências Jurídico-Políticas, que teve lugar na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, no dia 14 de Novembro de 2008.


Trabalho realizado por António Belair, aluno nº 18021

quinta-feira, 22 de maio de 2014

A EMISSÃO DA DECLARAÇÃO DE IMPACTE AMBIENTAL PELO MEMBRO DO GOVERNO: O SENTIDO DEÔNTICO DA DECISÃO

           § 0. Enunciado

            A centralidade da avaliação de impacte ambiental (AIA) no seio dos mecanismos de tutela e defesa do meio ambiente é indiscutível. Por inerência não haverá, portanto, dúvidas acerca da importância do estudo do regime da avaliação de impacte ambiental (RAIA) [1]/[2] no seio da ciência jurídico-ambiental.[3]
            No presente texto debruçar-nos-emos, em específico, no procedimento de AIA, em concreto na parte decisória do procedimento: a declaração de impacte ambiental (DIA). Focando-se, ainda mais, o objecto do presente texto, o que se pretende aqui é perceber, face à definição da competência para a emissão da DIA operada pelo artigo 19.º/1 RAIA com a remissão para o artigo 16.º/6 e 7 do mesmo diploma, se poderá o membro do Governo responsável pela área do Ambiente, emitir uma DIA favorável.[4]

            § 1. A declaração de impacte ambiental como acção deôntica

            Cumpre começar-se por uma breve análise e caracterização da DIA. Da análise do procedimento de AIA estabelecido no RAIA é fácil perceber que a DIA é a decisão desse mesmo procedimento. Contudo deve ter-se em conta a norma de determinação semântica que consta do artigo 2.º/g) que define como DIA «a decisão, expressa ou tácita, sobre a viabilidade ambiental de um projeto, em fase de estudo prévio ou anteprojeto ou projeto de execução» (itálico nosso).[5] Percebe-se, portanto, que a DIA é uma decisão, sendo uma decisão do procedimento de AIA.
            Atendendo a esta natureza decisória pode caracterizar-se a DIA como acção deôntica da administração ambiental, pois esta consubstancia um dever ser, que sendo individual e concreto se reconduz a um acto administrativo.
            Um dever ser é um efeito deôntico que pode ter um de três sentidos deônticos: (i) permissivo, (ii) impositivo ou (iii) proibitivo.[6] Neste sentido a DIA, sendo um efeito deôntico, pode conter um dos efeitos deônticos referidos e resulta do artigo 18.º/1 pode ser: (i) favorável, (ii) favorável condicionada ou (iii) desfavorável. A articulação da classificação legal das DIAs com a classificação feita dos efeitos deônticos pode fazer-se da seguinte forma: (i) as DIAs favoráveis correspondem a permissões [sentidos deônticos permissivos], (ii) as DIAs desfavoráveis correspondem a proibições [sentidos deônticos proibitivos] e, por último, (iii) as DIAs favoráveis condicionadas a permissões com condicionantes[7].

            § 2. A competência do membro do Governo para a emissão da declaração de impacte ambiental

            i. A determinação da competência para a emissão da declaração de impacte ambiental

            A determinação da competência para a emissão da DIA é feita pela norma do artigo 19.º/1 que pode ser descrita da seguinte forma: a DIA [previsão] deve ser [operador deôntico] proferida pela Autoridade de AIA ou pelo membro do Governo responsável pela área do ambiente, nos termos previstos nos nº 6 e 7 do artigo 16.º [estatuição].
            Da análise da norma competencial resulta que a prescrição da competência foi feita com recurso a uma disjunção excludente: são competentes para a emissão da DIA a autoridade de AIA ou o membro do Governo responsável pela área do ambiente. Face a esta disjunção, foi estabelecido na norma em análise o critério que determina em que situações é competente um ou outro: «nos termos previstos nos nº 6 e 7 do artigo 16.º»[8] (itálico nosso), ou seja, o critério trata-se de uma remissão só-se podendo apurar quando cada um é competente analisando as normas para as quais o artigo 19.º/1 remete.[9]

            ii. O âmbito prescritivo da remissão operada pelo artigo 19.º/1 RAIA

            Como vimos a definição dos termos em que cada uma das entidades é competente é feita, por remissão do artigo 19.º/1, pelas normas dos nº 6 e 7 do artigo 16.º. Tenha-se em conta o seguinte:

            (i) A norma do artigo 16.º/6 pode ser descrita da seguinte forma: A DIA [previsão] deve ser [operador deôntico] emitida pela autoridade de AIA [estatuição];
(ii) A norma do artigo 16.º/7 pode ser descrita da seguinte forma: Caso a autoridade de AIA considere existirem fundamentos que justifiquem a emissão de uma DIA desfavorável [previsão] deve [operador deôntico] remeter ao membro do Governo responsável pela área do ambiente a respectiva proposta de DIA [estatuição].[10]

Desde já deve ter-se em conta que estas normas estão integradas num artigo que contém mais normas e que, por isso, a determinação do âmbito prescritivo destas não pode dispensar a análise das restantes: necessidade evidente é a análise da norma do nº 8 deste artigo que obriga o membro do Governo a emitir a DIA no caso de a autoridade de AIA lhe remeter a proposta de DIA desfavorável. Esta norma é aliás fulcral para se identificar qual o critério ou quais os termos em que cada entidade é competente.[11]
            A primeira norma trata-se de uma regra geral que prescreve que a autoridade de AIA é quem tem competência para emitir a DIA. A segunda norma, que não pode ser vista em separado da norma do nº 8, estatui que em caso de autoridade de AIA entender que há motivos para a emissão de uma DIA desfavorável que deve remeter a proposta de DIA para o membro do Governo responsável e que este, segundo a norma do nº 8, fica obrigado a emitir a DIA.
            Posto isto percebe-se que a autoridade de AIA só tem competência para emitir DIAs favoráveis ou favoráveis condicionadas e que em caso de proposta, por parte da autoridade de AIA de DIA desfavorável passa a ser competente o membro do Governo responsável pela emissão da DIA. Assim, os termos da determinação da competência são estabelecidos consoante o sentido deôntico da proposta de DIA não podendo a autoridade de AIA emitir DIAs desfavoráveis e sendo competente o membro de Governo sempre que a autoridade de AIA tiver uma proposta com sentido deôntico proibitivo.

            § 3. O sentido deôntico da declaração de impacte ambiental emitida pelo membro do Governo

            Neste ponto a análise é feita no pressuposto de que a entidade competente para a emissão da DIA é o membro do Governo responsável pela área do ambiente, ou seja, existia, por parte da autoridade de AIA, uma proposta de DIA desfavorável que foi remetida para o membro do Governo e cabe agora a este emitir a DIA, isto é praticar a decisão do procedimento de AIA.
            Posto isto tem-se perguntado se fica o membro do Governo obrigado à emissão de uma DIA desfavorável, já que a proposta que lhe chega às mão é de uma DIA desfavorável. Tem-se ensaiado, na realidade, uma resposta com vários argumentos e ao mesmo tempo com críticas, contudo parece-nos que as normas do artigo 16.º e o Código de Procedimento Administrativo (CPA) dão uma solução clara e coerente com o princípio da prevenção que está na genética da AIA.
            A norma do nº 7 do artigo 16.º vem limitar a competência da autoridade de AIA para a emissão da DIA e o seu efeito deôntico é o de exclusivamente obrigar a autoridade de AIA a remeter a proposta ao membro do Governo responsável pela áera do ambiente: só isto. A norma do nº 8 do mesmo artigo somente impõe ao membro do Governo que emita a DIA num prazo específico: mais nada.
Posto isto a única forma de o membro do Governo estar vinculado a algum sentido de decisão seria o mesmo estar vinculado ao parecer técnico da Comissão de Avaliação (CA): o que não acontece. Face à inexistência de consagração expressa da vinculatividade do parecer técnico opera a norma do artigo 98.º/2 CPA, que presecreve que os pareceres previstos na lei se consideram obrigatórios e não vinculativos, e assim se conclui pela sua não vinculatividade.[12] Desta forma o membro do Governo pode emitir a DIA com um de três sentidos deônticos: (i) permissivo, (ii) proibitivo e  (iii) permissivo condicionado.[13]
Contudo existem outras formas de ver a questão. Tiago Antunes, embora contra a ideia de que um ministro passe praticar um «ato de tipo notarial, que se limita a certificar a informação (negativa) prestada pelos técnicos»[14], ensaia uma resposta no sentido de o membro do Governo não estar obrigado a praticar uma DIA desfavorável, não obstante, o fazer com um argumento que nos parece criticável:[15] Tiago Antunes extrai do artigo 25.º/3 que tratando-se de um preceito de alteração de DIA que só faz sentido em casos de alteração de DIAs favoráveis ou condicionalmente favoráveis e que sendo competentes a autoridade de AIA e o membro de Governo nos mesmos termos em que o são para a emissão da DIA originária, então retirar-se-ia daqui que sendo «o ministro competente para alterar uma DIA (favorável), também o será para, logo no momento inicial, emitir uma DIA em sentido favorável».[16]
Segundo a nossa compreensão, e com o devido respeito, este argumento não pode proceder. O que temos, na realidade, na alteração à DIA (artigo 25.º) é a abertura de um novo procedimento (cfr. 25.º/ 8) e em termos decisórios temos uma decisão de um pedido (cfr. 25.º/3). Face a este pedido a decisão pode ser (i) favorável e (ii) desfavorável[17] e a competência para a decisão é definida pelos nº 6 e 8 do artigo 16.º, ou seja, se havia um problema na definição de qual o sentido decisório que o membro do Governo poderia adoptar, o que o nº 3 do artigo 25.º faria era manter o problema, isto é, a dúvida continuaria a existir, mas agora, enxertada num outro procedimento: o procedimento de alteração da DIA.[18]

            § 4. Considerações críticas

            Deixamos, propositadamente, para o final a referência a algumas críticas feitas pela Doutrina acerca da temática da competência do membro de Governo no procedimento de AIA.
            Em primeiro lugar é importante perceber-se se o parecer da CA deveria ou não ser vinculativo. Carla Amado Gomes é clara quando diz: «em nosso entender, o Ministro responsável pela pasta do ambiente deveria estar vinculado a um parecer negativo da Comissão de Avaliação quanto à emissão de uma DIA favorável», contudo «seria admissível que recusasse a emissão de DIA perante um parecer favorável, caso entendesse inoportuna a viabilização deste projecto»[19]. Com o devido respeito não concordamos.[20]
Em primeiro lugar temos de ter presente que, tal como dissemos supra (nota de rodapé 13), não se pode considerar que o parecer da CA seja totalmente desprovido de carácter vinculativo, pois, pese embora não seja expressamente vinculativo, acaba por ser indirectamente mas também, pensamos, efectivamente vinculativo. Além disto temos de ver que a intervenção do Ministro traz uma nova variável à colação – variável política de ponderação mais alargada de interesses – que a vinculatividade do parecer suprimiria.[21]
Em segundo lugar a ideia da não vinculatividade em caso de parecer positivo não parece, salvo o devido respeito, fazer sentido no plano prático da AIA, isto porque primeiro dificilmente chegará às mãos do Ministro a possibilidade de emitir a DIA com um parecer positivo, pois dificilmente a autoridade de AIA terá uma proposta de DIA desfavorável face a um parecer positivo da CA[22] e, a juntar a isto, a possibilidade de se emitir uma DIA desfavorável em caso de parecer da CA positivo só poderá ser originada por prevalência de interesses não ambientais e para os quais a autoridade AIA não terá sensibilidade, ou  seja, dificilmente a autoridade de AIA não emitirá uma DIA favorável. Em qualquer caso, isso acontecendo, não se vê motivo plausível para que o Ministro possa emitir DIA desfavorável quando existe parecer positivo, pois a discricionariedade é, também aqui reduzida, nos termos do artigo 124.º/1, c) CPA e 18.º/1 RAIA.
            Também existem críticas a este sistema de dualidade competencial[23] e ainda críticas quanto à intervenção de membros do Governo no procedimento de AIA[24]. Do ponto de vista do direito a constituir, a intervenção ministerial pode ser criticada ou apreciada. De facto existem vantagens e desvantagens na intervenção ministerial[25]. Na realidade parece-nos que esta dualidade está bem pensada, pois visa um propósito de ponderação de interesses quando de facto esta ponderação é necessária, ou seja, quando existe inclinação para a emissão de uma DIA desfavorável e que será feita no plano mais apropriado para isso: o plano político.[26] De facto quando há uma intenção da autoridade AIA de emitir uma DIA favorável não tem de haver uma ponderação ainda mais rigorosa, o que já não será verdade quando a mesma entidade tiver em mãos uma proposta de DIA desfavorável, ou seja, aqui existirá uma necessidade de ponderação mais rigorosa que só poderá ser feita ao nível ministerial.[27]

            § 5. A proposição conclusiva

            Concluindo o membro do Governo tem competência para a emissão da DIA sempre que a autoridade de AIA tenha uma proposta de DIA desfavorável, sendo que o membro do Governo tem liberdade para emitir uma DIA em qualquer sentido deôntico.

            § 6. Bibliografia

         Antunes, Tiago, A decisão do procedimento de avaliação de impacte ambiental, in Revisitando a Avaliação do Impacte Ambiental, Lisboa: Instituto de Ciências Jurídico Políticas, 2014 – e-book disponível em http://icjp.pt/sites/default/files/publicacoes/files/ebook_aia.pdf;
Antunes, Tiago, Pelos caminhos jurídicos do Ambiente. Verdes Textos I, Lisboa: Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 2014;
       Gomes, Carla Amado, Introdução ao Direito do Ambiente, Lisboa: Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 2012;
            Silva, Vasco Pereira da, Verde Cor de Direito, Lições de Direito do Ambiente, Coimbra, 2002.



Por Tiago Rolo Martins




[1] O RAIA consta do Decreto-Lei nº 151-B/2013, de 31 de Outubro.
[2] Doravante os artigos mencionados sem referência ao diploma do qual são provenientes devem considerar-se provenientes do RAIA.
[3] Neste sentido ver Tiago Antunes, Pelos caminhos…, pg. 557-558.
[4] A pertinência do objecto do presente texto tem que ver com as dúvidas que se têm levantado na Doutrina, a seu tempo referida, acerca do verdadeiro papel da intervenção do ministro responsável pela área do Ambiente. Pela investigação que se fez parece-nos que estas dúvidas têm mais que ver com preconceitos e modelos pensados como ideias para a decisão de AIA do que propriamente com dificuldades em se perceber o que está consagrado normativamente.
[5] Citação do artigo 2.º/g) do RAIA.
[6] Os sentidos deônticos classificam-se atendendo-se ao modo deôntico que o origina: (i) o modo deôntico de permissão gera um sentido deôntico permissivo, (ii) o modo deôntico de imposição gera um efeito deôntico impositivo e (iii) o modo deôntico de proibição gera um efeito deôntico proibitivo. Nos procedimentos administrativos de carácter autorizativo, como o é o procedimento de AIA, acaba por ser relevante o efeito deôntico permissivo e o efeito deôntico proibitivo.
[7] Uma permissão condicionada terá um discurso deste tipo: a pode b se c ou a se c pode b. Na permissão condicionada a verificação do efeito deôntico está dependente da verificação de uma condição que pode estar estabelecida na previsão ou na estatuição do dever ser.
[8] Citação do artigo 19.º/1 do RAIA.
[9] Em rigor esta norma apenas define expressamente quais as entidades competentes não determinando, expressamente quais os termos em que cada uma entidade é competente.
[10] Para a descrição destas normas importou somente o aspecto da competência. Deixamos, por isso, de fora o aspecto dos prazos por não ser, em rigor, relevante nem por alterar o sentido prescritivo.
[11] É importante fazer-se a seguinte nota: as normas dos nº 3 a 8 estão formuladas em articulação com a norma do nº 2, ou seja, estão articuladas por dependência com esta. A norma do nº 2 obriga a autoridade de AIA a proceder a uma ponderação, tendo em conta o parecer técnico da Comissão de Avaliação (CA), da necessidade de modificação do projecto. A partir desta norma as restantes estão formuladas assentes no pressuposto de ter havido necessidade de reformulação do projecto: suspensão do procedimento enquanto o proponente reformula elementos do projecto, possibilidade de novos pareceres e de nova pronúncia da CA, por exemplo. A própria norma do nº 6 é formulada no pressuposto de ter ocorrido suspensão do procedimento, enquanto a norma do nº 7 é formulada em articulação com a norma do nº 6 e, mais uma vez, a norma do nº 8 está articulada com a norma precedente (nº 7).
Não obstante este esquema de articulação dependente entre normas é congruente: só faz sentido haver propostas de DIAs desfavoráveis quando haja, de facto, motivos para tal. Esses motivos resultam, em rigor, do parecer técnico da CA, que precede a ponderação que a autoridade de AIA  está obrigada a realizar; esta ponderação precede, obrigatoriamente, a DIA, por isso não faria sentido que a regulação da emissão de uma DIA desfavorável, face à obrigatoriedade de ponderação, não fosse feita com o pressuposto de que antes não tivesse havido a tentativa de reformulação do projecto que leva à suspensão do procedimento.   
[12] Ver neste sentido Carla Amado Gomes, Introdução ao Direito do Ambiente, pg. 122.
[13] Contudo não se pode dizer que não existam limites à liberdade do membro de Governo em decidir no sentido que considerar melhor. Em primeiro lugar devemos ter em conta que o membro do Governo deve fundamentar a sua decisão por contrariar a proposta da autoridade de AIA, como resulta do artigo 124.º/1, c) CPA (ver neste sentido Vasco Pereira da Silva, Verde Cor do Direito…, pg. 161). Em segundo lugar, e como mais importância, a discricionariedade é limitada: o artigo 18.º/1 impõe que a DIA se fundamenta num índice de avaliação ponderada de impactes de impactes ambientais. Ora parece-nos que este índice tem por base o parecer técnico final da CA, ou seja, a decisão do membro de Governo fica, assim, parametrizada pelo parecer da CA, que não sendo vinculativo, é sem dúvida preponderante e reduz significativamente a margem de livre apreciação do membro do Governo, pois quando este decide tratar-se-á sem dúvida de uma decisão que terá na base um parecer com bastantes reservas a viabilidade ambiental do projecto.
[14] Citação de Tiago Antunes, Pelos caminhos…, pg. 573.
[15] Ver este argumento descrito na nota de rodapé 54 de Tiago Antunes, Pelos caminhos…, pg. 575.
[16] Citação de Tiago Antunes, Pelos caminhos…, pg. 575, nota de rodapé.
[17] Não nos parece poder haver uma decisão de alteração de DIA favorável condicionada.
[18] O argumento de Tiago Antunes só seria irrebatível se estivesse em causa um acto de alteração de uma decisão anterior (a DIA) por iniciativa do membro do Governo sem lugar a outro procedimento, do qual se poderia depreender que se tem competência para dispor sobre o acto também teria competência para praticar originariamente o acto. Assim o esquema de decisão deste pedido baseia-se na regra geral de que é a autoridade AIA a decidir a menos que tenha um proposta de decisão desfavorável que deverá remeter ao membro do Governo responsável e que deverá, então, ser este a decidir.
[19] Citações de Carla Amado Gomes, Introdução ao Direito do Ambiente, pg. 122.
[20] Também discordando ver, com argumentos diferentes, Tiago Antunes, A decisão de procedimento…, pg. 227.
[21] Ver quanto a esta vantagem da intervenção do Ministro ver Tiago Antunes, A decisão de procedimento…, pg. 226.
[22] Até porque a decisão da autoridade de AIA está parametrizada pelo artigo 18.º/1.
[23] Assumindo esta posição crítica ver Tiago Antunes, A decisão de procedimento…, pg. 231 dizendo o Autor que «estamos perante uma verdadeira aberração jurídica».
[24] Assumindo esta posição crítica ver Vasco Pereira da Silva, Verde Cor do Direito, pg. 162.
[25] Ver quanto às vantagens e desvantagens Tiago Antunes, A decisão de procedimento…, pg. 226.
[26] Cfr. quanto à decisão de AIA como uma ponderação de interesses Tiago Antunes, A decisão de procedimento…, pg. 251 e ss..
[27] Ver quanto às vantagens da intervenção ministerial Tiago Antunes, A decisão de procedimento…, pg. 226.

segunda-feira, 19 de maio de 2014

O LICENCIAMENTO AMBIENTAL NO BRASIL: DESAFIOS NA GESTÃO DE RISCOS AMBIENTAIS

OMAR MARX WEILLER ALBUQUERQUE – ERASMUS -

Sumário: 1. Introdução; 2. Desenvolvimento sustentável e sociedade de risco; 3. Sobre o procedimento do licenciamento ambiental brasileiro; 4. Breves considerações sobre a Lei Complementar 140/2011; 5. Conclusão; 6. Referências.

INTRODUÇÃO

O meio ambiente adquiriu, com a constituição cidadã de 1988, um papel até então desconhecido na política brasileira. Em razão da efervescência no cenário internacional das discussões em busca de uma saída para a crise ambiental, o bem ambiental assumiu um papel de protagonismo no cenário de desenvolvimento social, econômico e político no país.
A gestão ambiental brasileira é atualmente normatizada pela Política Nacional de Meio Ambiente (Lei n. 9.6938/1981 – PNMA).
Deste modo, o objetivo do presente trabalho é demonstrar as principais ferramentas de controle e promoção a um meio ambiente ecologicamente equilibrado na legislação brasileira

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E SOCIEDADE DE RISCO
A partir da segunda metade do século XX, as questões ambientais passaram a ocupar um grande espaço na pauta de debate internacional. Diversas foram as conferências realizadas visando debater a sociedade de riscos. Riscos estes que aumentaram devido o crescente processo de industrialização. A questão da geração de riscos tornou-se mais complexa, na medida em que se reconheceu que a industrialização não poderia ocorrer dissociada de um desenvolvimento capaz de aglutinar tanto os aspectos econômicos quanto ambientais.
Em meio a este debate, surge o conceito de desenvolvimento sustentável, que possui suas diretrizes traçadas no Relatório Brundtland divulgado em 1987 pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, segundo o qual é sustentável o “desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente, sem comprometer a capacidade das gerações vindouras satisfazerem as suas próprias necessidades”.
A sustentabilidade, deste modo, implica no aperfeiçoamento e na utilização de instrumentos que atendam aos requisitos da complexidade social e que se mantenham em constante aperfeiçoamento para serem efetivamente úteis à preservação do meio ambiente. A sociedade moderna encontra na existência dos riscos um pressuposto de interpretação e aplicação dos preceitos do ordenamento jurídico.
Os instrumentos de gerenciamento de riscos, no caso de um estado democrático como o brasileiro, compõem a base da gestão ambiental pública. O cenário de crise ambiental atual requer que ferramentas como a Avaliação de Impacto e o consequente Licenciamento Ambiental sejam utilizadas de forma agressiva, demonstrando realmente que servem ao desenvolvimento sustentável e não somente ao capital.
A gestão ambiental brasileira está posta pela Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981 –PNMA), plenamente recepcionada pelo Texto Constitucional de 1988, que determina princípios, instrumentos, objetivos, políticas publicas ambientais, regras de competência, consolidando ainda o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA) e o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA).
Essa política surgiu como consequência dos mais diversos debates internacionais e, como consequência, fortaleceu diversas ferramentas de proteção, dentre elas, o licenciamento ambiental. Assim, consolidou-se no Brasil, um sistema normativo que tem na lógica da preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida o seu escopo, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana.
O Brasil deve atender a necessidade de ser um Estado atuante e garantidor desses direitos, em que o gerenciamento de riscos ambientais seja uma de suas metas de atuação. O aperfeiçoamento encontra-se no rol das obrigações estatais, uma vez que a própria Constituição Federal delineia seu papel enquanto promotor e incentivador do desenvolvimento científico, da pesquisa e da educação tecnológicas, voltados ao bem público e ao progresso das ciências, e, preponderantemente, à solução dos problemas da sociedade brasileira e ao desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional, indo ao encontro do objetivo da própria PNMA ao visar “ao desenvolvimento de pesquisas e de tecnologias nacionais orientadas para o uso racional de recursos ambientais”.
Ademais, “novas vulnerabilidades requerem políticas públicas inovadoras para enfrentar os riscos e as desigualdades sem deixar de dominar as forças dinâmicas dos mercados para benefício de todos” (PNUD, 2010, p.1). Para que os países em desenvolvimento envolvam-se num processo viável, social, ambiental e economicamente, é fundamental que a disponibilidade de tecnologias profundas e consentâneas com as demandas internas sejam exploradas (SACHS)
O Supremo Tribunal Federal, em diversos julgados, respeitando o Texto Constitucional e suas características pioneiras no que tange à proteção do bem ambiental, tem reconhecido o caráter fundamental do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, tendo essa postura sido adotada em votos como o do relator Ministro Celso de Melo:
O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado – típico direito de terceira geração – constitui  prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletindo dentro do processo de afirmação dos direitos humanos, a expressão significativa de um poder atribuído não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas num sentido verdadeiramente mais abrangente, a própria coletividade social. [...] Os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade.

Nesse sentido, todo estudo voltado ao aperfeiçoamento dos instrumentos de gestão ambiental, volta-se à concretização do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, inovação advinda com a Constituição Federal de 1988.

SOBRE O PROCEDIMENTO DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL BRASILEIRO.
O licenciamento ambiental é uma obrigação legal prévia à instalação de qualquer empreendimento ou atividade potencialmente poluidora ou que degrade o meio ambiente, e possui como uma de suas mais expressivas características a participação social na tomada de decisão, que se dá através de audiências públicas. Por meio dele, a Administração Pública deve desempenhar o controle ambiental sobre determinadas atividades humanas e, assim, restringir o exercício de direitos individuais, como o de propriedade e a livre iniciativa. No âmbito da avaliação dos pedidos de licença, encontra-se o momento administrativo mais favorável para aplicar as escolhas constitucionais de proteção ambiental e defesa da vida para as futuras gerações.
As principais diretrizes para a execução do licenciamento ambiental estão expressas na Lei 6.938/81 e nas Resoluções CONAMA nº 001/86 e nº 237/97. Além dessas, recentemente foi publicado a Lei Complementar nº 140/2011, que discorre sobre a competência estadual e federal para o licenciamento, e sobre a qual discorreremos em breve.
A ferramenta do licenciamento encontra-se no rol dos instrumentos básicos da gestão ambiental pública brasileira (art. 9º, IV, PNMA). É “o procedimento administrativo destinado a licenciar atividades ou empreendimentos utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental” (art. 2º, I, da Lei Complementar n.140/2011).
Assim dispõe a PNMA
Art. 10. A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidoras ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental dependerão de prévio licenciamento ambiental (redação dada pela LC. n 140/2011)

Ao órgão ambiental cabe estabelecer quais serão as exigências ambientais específicas da atividade ou do empreendimento, podendo substituir o EIA/RIMA (Estudo de impacto ambiental/relatório de impacto ambiental) por estudo mais pertinentes e adequados quando não houve significativa ameaça de degradação do meio ambiente (art. 3º, parágrafo único, Resolução do CONAMA n.237/1997).
A natureza, as características e as peculiaridades da atividade ou empreendimento vinculam as exigências do órgão, devendo este proceder à compatibilização do processo de licenciamento com as etapas de planejamento, implantação e operação (art. 9º, Resolução do CONAMA n.237/1997). Ademais, o anexo I da Resolução supracitada traz o rol de atividades sujeitas ao licenciamento ambiental.
Majoritariamente, a jurisprudência brasileira definiu que a competência para a emissão de licenças ambientais caberia ao ente federativo que fosse diretamente atingido pelos impactos ambientais da atividade ou empreendimento. Com as modificações trazidas pela Lei Complementar n. 140/2011, os empreendimentos e atividades devem ser licenciados em um único nível de competência - exceto quando houver incapacidade técnica - quando dar-se-á atuação supletiva (arts. 7º e 15), em consonância com a competência comum aludida no caput do art. 23 da Constituição Federal. Essa lei modificou a cumulatividade no licenciamento ambiental que prevalecia no Brasil até então, segundo o qual poderia haver a superposição de competência licenciatória por parte de mais de um ente federativo.
A Resolução 237/1997 estabelece as etapas básicas do procedimento.
Inicia-se através da definição por parte do órgão ambiental, ouvido o empreendedor, dos documentos, projetos e estudos ambientais necessários ao início do licenciamento. Após reuni-los, o empreendedor dá entrada ao processo de licenciamento. Para elaborar o estudo ambiental, o profissional ou a equipe deve se pautar pelo Termo de Referência, documento emitido pelo órgão ambiental ou, em algumas hipóteses, pelo empreendedor – antes da implantação da atividade – a partir de informações previamente fornecidas pelo empreendedor, contendo as diretrizes, o conteúdo e a abrangência para a realização do EIA.
O licenciamento ambiental aplicado atualmente no Brasil começa com o Estudo Prévio de Impacto Ambiental, que viabiliza todo o processo e que, em casos mais simples, pode ser um estudo realizado por um só técnico, seguido da licença prévia, que fixa a localização e as condicionantes para as próximas fases, da licença de instalação, com a qual inicia a construção, e da licença de operação, que, finalmente, permite o funcionamento do estabelecimento.

Breves considerações sobre a Lei Complementar 140/2011
A Lei Complementar 140/2011 foi aprovada após vinte e três anos da promulgação da constituição e trouxe, nos termos de seu art. 1º, normas de cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora, regulamentando, portanto, os incisos III, VI e VII do art. 23 da Constituição de 1998. Além disso, trouxe algumas alterações à Lei 6.938/1981 (Política Nacional do Meio Ambiente).
Aprovada no contexto político do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC, do Governo Federal, a intenção da LC 140/2011 é simplificar e conferir celeridade aos procedimentos de licenciamento ambiental.
Essa lei teve como objetivo enfrentar um dos principais celeumas concernentes à matéria, visto que, antes da promulgação da LC 140/2011, a interpretação equivocada levava os órgãos ambientais a exigirem múltiplas licenças dos empreendedores, deixando-os em situação de insegurança jurídica. Não raro uma obra licenciada por um órgão poderia ser embargada por outro, que entendesse como sua a atribuição para o licenciamento.
Conforme observa Paulo Affonso Leme Machado, esta legislação não tem por finalidade transformar competências comuns em competências privativas ou especializadas. Segundo o autor, “a competência comum é aglutinadora e inclusiva, somando os intervenientes e não diminuindo ou tornando privativa a participação. A competência comum não é excludente”.
Portanto, a atuação dos entes federativos continua sendo conjunta. Para que isto se concretize, a referida Lei Complementar previu, em seu art. 4º como instrumentos possíveis de cooperação: a) os consórcios nos termos da legislação que os regulamenta (Lei 11.107/2005); b) os convênios, acordos de cooperação técnica e outros instrumentos similares com órgãos de  entidades do Poder Público; c) as Comissões Nacionais, Estaduais e do Distrito Federal, criadas com o objetivo de fomentar a gestão ambiental compartilhada e descentralizada entre os entes federativos que as compõem e organizadas por regimento interno; d) os fundos públicos e privados e outros instrumentos econômicos; e) a delegação de atribuições de um ente federativo a outro, nestes casos, respeitados os requisitos estipulados no art. 5º, ou seja, que o ente destinatário da delegação haja instituído conselho próprio de meio ambiente e que “disponha de órgão ambiental capacitado a executar as ações administrativas a serem delegadas”.

CONCLUSÃO
A sociedade de risco, tão amplamente discutida, trouxe ao Estado brasileiro desafios quanto sua real proteção. O gerenciamento de risco ambiental impõem-se, nesse sentido, como uma necessidade à criação de instrumentos revestidos de eficácia, da mesma forma que delega a atores sua efetivação.
As questões aqui levantadas requerem não só previsão legal e institucional, mas, sobretudo, empenho individual e coletivo.  A participação concreta da sociedade civil e de grupos de interesse é uma tendência insuperável na busca pela concretização do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Os preceitos fundantes de tal sociedade de riscos acarretam ainda o direcionamento da solidariedade na busca de soluções aos principais problemas ambientais.
Portanto, conforme afirma Canotilho, a solução deve se pautar pela ação conjunta, vez que a própria sustentabilidade não conhece limites geográficos.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 02 set. 1981. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6938.htm>.
_____Lei complementar n. 140, de 8 de dezembro de 2011. Fixa normas, nos termos dos incisos III, VI e VII do caput e do parágrafo único do art. 23 da Constituição Federal, para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora; e altera a Lei no 6.938, de 31 de agosto de 1981. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 09 dez. 2011. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/Lcp140.htm.
KRELL, Andreas J. Problemas no licenciamento ambiental no Sistema Nacional do Meio Ambiente. Revista de direitos difusos: licenciamento ambiental.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estado constitucional ecológico e democracia sustentada. Revista do Centro de Estudos de Direito do Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente – CEDOUA. n. 2. Ano IV. 2001. Disponível em: <http://ucdigdspace.fccn.pt/jspui/bitstream/10316.2/5732/1/revcedoua8%20art.%201%20JJGC.pdf>
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2007.