Tema
O Direito do Ambiente, tal como muitas outras disciplinas jurídicas pode
ser abordado e construído de diferentes formas, consoante a pré-compreensão
feita acerca do quid que se pretende
tutelar. a pré-compreensão da questão ambiental, do que se vai tutelar e como
se vai tutelar, influencia e condiciona a definição dos contornos do bem jurídico
‘ambiente’ e reflectir-se-á na construção da própria disciplina.
As temáticas que se pretendem abordar são
I. Antropocêntrismo versus Ecocêntrismo
II. Conceito de ambiente acolhido pelo direito - Concepção ampla e
concepção restrita
IV. Ambiente como bem jurídico
V. Direito Subjectivo ou Direito Objectivo; Direito Fundamental ao Ambiente
VI. Autonomia do Direito Ambiental
Objectivos e Metodologia
Parecendo, numa primeira análise que, este é tão só um problema político ou
filosófico, a problemática ambiental tem, desde logo, este ponto de partida, reflectindo-se
em todas as matérias específicas que este domínio do direito hoje abarca. Perceber
de que forma a Ordem Juridica acolhe a questão é quase um passaporte para
entrar no mundo do direito do ambiente Propõe-se, com esta análise recuar
justamente ao início, ao ponto de partida e, tomar partido. Recorrendo ao
‘olhar’ de vários autores sobre cada uma das problemáticas enunciadas.
Estrutura adoptada
1§ - Nota Histórica
2§ - Desenvolvimento [das temáticas acima enunciadas]
3§ - Qual a opção do legislador Constitucional? Qual a perspectiva adoptada
na lei de bases?
4§ - Conclusão
1§ - Nota Histórica
O despertar ecológico é reconduzido a momentos distintos, sem uniformidade
Doutrinária.
Segundo o Professor Jorge Miranda, é no âmbito do mar que se encontra a
pré-historia das preocupações ambientais e, se assiste a uma crescente
preocupação ambiental e consequentes exigências politicas. Marcos decisivos:
Em 1902, ocorre a Convenção de Paris, relativa à protecção de aves úteis à
agricultura é exemplo de que as preocupações ambientais haviam franqueado o
direito;
Em 1930, a Conferência de Haia;
Em 1945 é proclamada a Declaração de Truman (plataforma continental);
Anos depois, 1958, a Conferência das Nações Unidas sobre o direito do mar;
Em 1966, o Pacto Internacional dos direitos ecológicos, sociais e
culturais;
Em 1972, ocorre a Conferência de Estocolmo - resultado da 1ª Coferencia
Mundial sobre a questão ambiental, convocada pela Assembleia Geral das
Organizações das Nações Unidas, a qual se afigurou fundamental para o
cruzamento entre ciências naturais, ecologia em particular, política, economia
e direito;
Entre 1972/1976 surge o primeiro programa de acção das comunidades
europeias em matéria de ambiente, traduzindo o arranque das politicas europeias
de protecção ambiental;
Em 1976 a afirmação do direito ao ambiente, na nossa Constituição, teve uma
enorme importância.
Mais tarde, na década de 90, Declaração de Limoges - adoptada por
representantes de associações ambientalistas de todo o mundo.
Segundo outros, a consciêncialização ecológica remonta aos anos 70, os
movimentos ecologistas, num tom revolucionário e radical. Porquê? Desastres
ecológicos. Perante a falência das ideologias, propondo uma alternativa de política
global levada ao extremo, pretendiam com tais movimentos a difusão de uma
utopia. Despertava-se para ‘finitude do mundo’.[i]
Independentemente de cronologias históricas, a par e passo, é reconhecido o
ambiente como um valor transgeracional, repercutindo-se num dever Estatal de
uso racional dos recursos naturais, com vista à preservação para uso das
gerações futuras.
Assim, a par das normas que regulam
as relações de vizinhança do foro jurídico-privado deparamo-nos com disposições
que sancionam penalmente condutas que atentem contra a natureza e, o número de
diplomas que regulam a questão ambiental cresce progressivamente, procurando
regular a intervenção humana sobre determinados recursos naturais, submetendo-a
sob controlo da Administração Pública.
''O Direito do Ambiente surge
como um resultado do incremento da consciência ambiental e, como motor da reconscialização
entre a sede do progresso e a contenção necessária perante um planeta de
recursos escassos ''. [ii]
2§ - Desenvolvimento
Pré-Compreensão da questão
ambiental
I. Antropocêntrismo versus Ecocêntrismo
A abordagem ambiental que se adopte [embora possa não ser linear], tenderá
certamente para uma visão mais antropológica ou para uma concepção mais ecocêntrica.
Assim acontece com os próprios autores e Professores que estudam e/ou que
ensinam a respectiva disciplina.
Adoptar uma Concepção Antropocêntrica, traduz-se em partir da
consideração dos bens naturais como fontes de utilidade para a vida humana,
como veículos de satisfação de necessdades vitais e de incremento de bem-estar.
Trata-se de tutelar o ambiente consoante a sua capacidade de aproveitamento e,
o seu valor, é calculado à medida do homem que dele se aproveita. Segunda CUNHAL
SENDIM uma visão 'unidimensional e puramente instrumental da Natureza que tem
vindo a fundamentar dogmaticamente o Estado de Direito Ambiental e que serve de
suporte à generalidade das decisões jurídicas e económicas susceptieais de ter
incidência ambiental’.
Em suma numa perspectiva essencialmente antropocêntrica, a defesa do
ambiente é feita com o objectivo principal quiçá objectivo único, de defender a
vida humana. É apenas à vida humana que se pretende assegurar condições dignas
de existência.
Por seu turno, a Concepção Ecocêntrica, tende a acentuar a
necessidade de consideração da Natureza como uma realidade só por si merecedora
de tutela, independentemente da sua capacidade de satisfazer exigências
humanas. Os bens naturais teriam uma 'dignidade autónoma' - HANS JONAS - a qual
o homem deveria respeitar e promover, porque dela faz parte enquanto Ser
integrado na comunidade biótica ou tão só porque constituem valores em si ou
enquanto parte da biosfera. Segundo CUNHAL SEDIM, ''A opção por uma ética ecocêntrica, corresponde à consideração
valorativa do Homem enquanto parte integrante da Natureza. O Princípio antropocêntrico é substituído
por um princípio biocêntrico, não no sentido em que o valor Natureza se
substitui ao valor do Homem, mas sim no sentido em que o valor radica na existência
de uma comunidade biótica em cujo vértice nos encontramos''.
Em síntese, da perspectiva ecocêntrica, o ambiente é tutelado em si mesmo,
procurando-se a defesa e promoção da natureza como um valor novo, o valor que o
ambiente tem em si e em face dos direitos de que a comunidade biótica deverá
gosar.[iii]
Duas ressalvas, neste contexto que, servem somente de clarificação:
Primeiramente, a concepção antropocêntrica não adopta necessariamente uma
concepção ampla de 'ambiente', a questão não acompanha necessariamente a
primeira.
Em segundo lugar, a concepção ecocêntrica não vê necessáriamente o ambiente
como um dever, embora muitas vezes as duas questões 'andem de mãos dadas'.
São questões diferentes a pré-compreensão do objecto ambiental e a
amplitude do objecto ambiental carecido de tutela, não é conveniente
confundi-las.
Cada uma das concepções tem ecos diferentes no entendimento do objecto do
Direito do Ambiente e reflexos nas opções do legislador.
Claro está que, como em todas as questões jurídicas, existem visões intermédias
ou mistas, mais moderadas ou mitigadas.
Assim o é, a do Prof. Vasco Pereira da Silva que
postula uma concepção ‘antropocêntrica moderada’.
O posicionamento dos juristas perante questões ambientais pode resumir-se a
três posições fundamentais:
a) total inconsciência ecológica
b) abertura à problemática juridica ambiental
c) totalitarismo ambiental, 'ecofundamentalismo' ou 'ecoxiismo'
Para o Professor, a primeira (negacionista) é de rejeitar. Também o fundamentalismo
jurídico e ecológico que, tudo reduz à logica ambiental sacrificando os demais
valores e interesses em jogo, é igualmente inadequado. Umas porque ignoram a
tutela dos direitos e dos bens ambientais, outras porque conduzem à
personificação das realidades da natureza, falando em direitos subjectivos das
flores, da água, da floresta, do mar, dos animais...
O antropocêntrismo - em conformidade com a perspectiva subjectivista que
adopta como será visto adiante - rejeita uma visão meramente
instrumentalizadora, economicista ou utilitária da natureza, considerando não
apenas que o ambiente deve ser tutelado pelo Direito como também que tal
preservação é uma condição da realização da dignidade da pessoa humana [defendendo
a superação da clássica dicotomia antropocentrismo-ecocentrismo]. Porém, o
antropocêntrismo que defende rejeita os escassos fundamentalistas, concordante em
certa medida, com Freitas do Amaral,
a Natureza tem que ser protegida também em função dela mesma, como um valor em
si. Tal não deve contudo significar a 'personificação
jurídica das realidades naturais nem a pseudo-atribuição de direitos
subjectivos à Natureza, tal seria atribuir direitos subjectivos sem sujeito’.
Assume, portanto, a existência duma dimensão ecológica intergeracional.
O que significa então adoptar uma concepção ‘antropocêntrica ecológica’ do
direito do Ambiente? Significa que o ponto de partida são os direitos das
pessoas sem esquecer a dimensão objectiva da tutela ambiental já que o futuro
do Homem não pode deixar de estar indissociavelmente ligado ao futuro da terra.
Concepção que permite superar os termos tradiconais da contraposição em nome de
uma realização integrada e integral dos valores ambientais no domínio jurídico.
Rejeitar orientações
eco-fundamentalistas significa ainda assim valorizar fenómenos ambientais sem
cair em tentações totalitárias. [iv]
A Professora Carla Amado Gomes entende
que a visão ecocêntrica levada ao extremo é tão inoperativa como a perspectiva
antropocêntrica, além de irrealista é técnicamente impossível visto que, os
recursos naturais não tem personalidade jurídica, não são sujeitos de direito.
Segundo a Professora é necessário um 'passo firme' na direcção de um ‘ecocêntrismo
moderado’, sem pôr em causa o valor do Homem em face da Natureza. Tal caminho, ajuda
a dignificar o Direito do Ambiente e a banir, de vez, uma visão utilitarista.
Diversamente, o Professor Freitas do
Amaral defende a concepção Ecocêntrica, criticando a visão antropocêntrica
do mundo e da vida, uma concepção em que o Homem é o centro de tudo e que tudo
gira em torno dos interesses, das preocupações, das aspirações e das
necessidades do Homem.[v]
Noutra óptica, o ‘Antropocentrismo alargado’ é defendida por Cunhal Sendim.[vi]
II. Conceito de Ambiente
A conceptualização do 'Ambiente' pode seguir duas vias:
Adoptando um conceito amplo de ambiente são integrados quer os bens naturais
quer os bens culturais. Advinda da visão Gianniana, são incluídos não só os
componentes ambientais naturais, mas também os componentes ambientais humanos,
o ambiente é tanto o 'ambiente natural' como o 'ambiente construído'.
Segundo uma acepção mais restrita, o conceito apenas abrange os componentes
ambientais naturais.
O Professor Gomes Canotilho (que
ainda assim aponta algumas virtualidades desta concepção ampla, por exemplo por
revelarem um progresso das concepções antropocêntricas tradicionais, na medida
em que oferece uma perspectiva global de interpenetração completa do mundo e da
vida), defende que a heterogenidade do conceito torna pouco operativa a noção
pelo que, a necessidade de a restringir é sentida pelos juristas.
O Professor indica as vantagens deste conceito pois que, as bases da
protecção juridica do ambiente tiveram (quando começaram a surgir) foco na
preservação e manutenção dos elementos ambientais naturais. Não se podem
esquecer de todo os elementos ambientais humanos mas, segundo Gomes Canotilho, neste
domínio estes surgem em segunda linha.
Entendendo que estes ficam a cargo de outros ramos do direito, Direito do
Urbanismo e do Ordenamento do Território.
E, acrescenta ainda que, quer se parta de uma pré-compreensão antropocêntrica
quer se parta da ecocêntrica do Direito do Ambiente, a conclusão é a mesma,
pois a primeira alternativa implica comprometer aqueles elementos ambientais naturais
a por em causa a existência do homem; por seu turno, adoptando a perspectiva
ecocêntrica, ao querer-se proteger a natureza per si, fica comprometida a 'comunidade biótica'.
Na mesma linha, Carla Amado Gomes
defende (mais acérrimamente) uma noção restrita do conceito.
Defender um Direito do Ambiente restrito aos recursos naturais não se
traduz em reconhecer direitos dos animais e plantas mas sim, em incumbir o
Homem do dever de zelar pelo equilíbrio do sistema ecológico que também ele
integra. Em suma, significa reduzir o objecto protegido em função de uma noção
restrita e operativa de ambiente.[vii]
Propondo assim uma noção de Direito do Ambiente ‘’conjunto de normas que regulam as intervenções humanas, sobre os bens
ecológicos, de forma a promover a sua preservação, a impedir destruições
irreversíveis para a subsistência equilibrada dos ecossistemas, e a sancionar
as condutas que os lesem na sua integridade e capacidade regenerativa.’’[viii]
A redução do objecto (e, consequente propugnar de uma concepção restrita)
demonstra importância a níveis distintos:
a) ao nível da politica ambiental, as oscilações entre a protecção do ambiente
como valor em si mesmo considerado ou enquanto instrumento de satisfação de
necessidades humanas acabam por reflectir-se na formulação de escolhas ao nível
da política ambiental, a qual deve ter por fim (veja-se o 2º/ 2 LBA) optimizar
e garantir a continuidade da utilização dos recursos naturais.
b) ao nivel da educação ambiental, a concepção utilitarista dificulta a
formação de uma consciência ambiental, de responsabilidade cívica e jurídica
relativamente ao património natural base da vida humana. O ambiente deve ser
visto como objecto de preservação e não como um bem de consumo.
c) sustenta e reforça a autonomia (supra,
ponto IV).
No mesmo sentido, Vasco Pereira da
Silva, diz ser possível, no que respeita ao objecto da disciplina, uma
interpretação maximalista (reconduzindo o ambiente tanto a realidades naturais
como culturais que levada às ultimas consequencias levaria a incluir no Direito
do Ambiente, realidades tao díspares como o Direito do Consumo ou da Saúde Pública)
sem que daí resulte qualquer vantagem. Entendendo que o Ambiente diz respeito a
realidades da Natureza ou das componentes ambientais naturais, na terminologia
da LBA. Tal, não se traduz em adoptar uma visão fechada, pois estarmos perante uma
disciplina omnicompreensiva é inegável. Porém, Pluridisciplinaridade não deve
ser confundida com ecletismo, não se devendo entender que integram a mesma
realidade questões que estão, apenas, em inter-acção.
III. Ambiente como bem jurídico
A transmutação do ambiente de mero interesse socialmente revelante em
autêntico bem jurídico, aconteceu. Hoje, 'um meio de vida são' constitui um bem
jurídico em sentido próprio (e autónomo, como será explorado no tópico
seguinte).
A referência 'interesse socialmente relevante' é relevante, na perspectiva
de Gomes Canotilho, atenta a conexão
estreita com os interesses gerais da sociedade, tomados enquanto tal e, não
enquanto valores estritamente individuais.
Carla Amado Gomes refere-se ao ‘ambiente’ de modo
ligeiramente diferente. A Professora refere o bem ambiente enquanto bem imaterial
individualmente inapropriável e, de fruição colectiva. Mas, sem margem para
dúvidas, enquanto bem jurídico.
IV. Autonomia
A interrogação feita em tempos, quanto à autonomia do direito do ambiente é
questão ultrapassada e, o ponto de interrogação é hoje, maioritariamente uma
exclamação.
No entanto, algumas dificuldades face à transversalidade, horizontalidade
ou interdependência do ramo, impendem para algumas [sintéticas] clarificações.
Trata-se de um novo ramo ou um simples pretexto de revisão para os ramos
tradicionais, uma refracção destes nesta 'temática jurídica'?
Para Gomes Canotilho, o bem
jurídico ambiente é tutelado em si e por si mesmo, está em causa uma protecção
imediata de valores ambientais, não confundível com a protecção de bens
jurídicos como a vida, a saúde, ou a propriedade. É esta visão, referida por
Gomes Canotilho, que dá e deu força ao tratamento jurídico do ambiente sem o
reduzir ou reconduzir à tutela da saúde ou do património ou, do ordenamento do
território, da paisagem, desenvolvimento económico e tecnológico...
Assim, está em causa um bem jurídico, um bem jurídico autónomo por um lado.
Por outro, confirma-se a existência de um ramo do direito autónomo. Muito
embora, recorra a instrumentos clássicos de outros ramos do direito, é
inequívoca a sua substantividade própria. A interpenetração assiste a todo o
direito.
O Professor defende a sua autonomia dogmática-sistemática, considerando, no
entanto, tratar-se de uma autonomia relativa pois que não esta em causa uma
afirmação radical de independência do Direito do Ambiente mas, a ideia de que
este Direito implica uma revisão dos institutos, técnicas e instrumentos dogmáticos
clássicos de outros ramos.
Numa perspectiva mais radical, Freitas
do Amaral, entende que este ramo do direito pressupõe toda uma nova
filosofia que enforma a maneira de encarar o direito, uma vez que ‘’é o primeiro ramo do direito que nasce não
para regular as relações dos homens entre si mas, para tentar disciplinar as
relações do Homem com a natureza''. Daqui se retira não apenas o
entendimento propugnado pelo autor o afirmar da sua autonomia e a (já referida)
sufragada visão ecocêntrica do direito do ambiente.
No que respeita à caracterização da autonomia, Carla Amado Gomes seguindo uma concreta 'metedologia' concluia
infirmando a ideia, aliás commumente associada ao Direito do Ambiente, de que este
não é mais do que'um corte diagonal nos
tecidos de vários ramos do Direito, uma mera manta de retalhos '',
parafraseando a autora.
Carla Amado Gomes aferia a questão da autonomia remetendo para a abordagem
de Sousa Franco, estabelendo por um lado, critérios substanciais por outro,
indicadores.
Quanto aos primeiros, um determinado ramo do direito deve:
i) constituir uma forma especifica de regulação social;
ii) consubstanciar um regime juridico diferenciado e
coerente;
iii) ser dotado de instituições jurídicas próprias;
Quanto a indicadores de autonomia, são referidos quatro:
a) tradição histórica
b) autonomia prática
c) autonomia pedagógica e didáctica
d) autonomia cientifica
Verificando a par e passo os critérios substantivos e indicadores a
resposta aos vários 'testes ou graus de autonomia' era positiva. Assim,
concluí-a pela autonomia, ultrapassando a mera transversalidade do ramo. Conclusão
que é consequência da evolução do modelo de Estado Liberal para Social.
Frisando, por último a ideia de interdisciplinaridade sem haver mera
transversabilidade mas sim especialidade: o Direito do Ambiente tem objecto próprio.
Na obra mais recente da autora, a justificação da autonomia é em razão do
objecto para o qual reclama tutela: os bens ambientais naturais. Num ponto
designado 'características dos bens ambientais' é vincada a autonomia que o
direito do ambiente merece ou deve merecer.
O sentido útil dos artigos 66º/2 e 9º e), reside exclusivamente na autonomizção
do bem cuja protecção aí ganhe relevo particular.
Autonomizando-o de outros bens, aí referidos que têm, porém, base
constitucional específica designadamente, a Saúde Pública - art. 64º; Ordenamento
do Território e Urbanismo - art. 65º; Património Cultural - 78º.
Os bens naturais podem ser vistos de duas perspectivas: enquanto coisas e
enquanto valores de equilíbrio do ecossistema. Os segundos ganham uma dimensão
imaterial, não são individualmente apropriáveis e proporcionam utilidades
indivisíveis.
Por força desta caracterização, não faz sentido, na perspectiva propugnada
por Carla Amado Gomes 'misturá-los' com outros. (Acresce, por força desta
leitura que, para Carla Amado Gomes, os bens ambientais são tidos como bens
colectivos).
A autonomia Científica do Direito do Ambiente, volta a ser firmada, nesta
recente obra, sendo-o a vários níveis:
i) estrutura orgânica
ii) leque de princípios específicos
iii) instrumentos próprios (ainda que extraídos de
figuras clássicas do Direito Administrativo, com o qual tem uma relação de ‘’paternidade funcional’’, não obstaculariza
a sua independência, pois que a autonomia se afere em razão do objecto e pelas
especificidades que o caracterizam).
Assim, apesar da inegável transversalidade, a protecção do ambiente está
subjacente a várias políticas do Estado - Fiscal, Ordenamento do Território,
Turismo, etc – porém, tal não culmina numa diluição do direito do ambiente
noutros ramos.
O 'produto final' é a própria definição do direito do ambiente, passo a
citar ''conjunto de normas e princípios
que disciplinam as intervenções humanas sobre os bens ambientais naturais, de
forma a impedir destruições irreversíveis para a subsistência equilibrada dos
ecssistemas, a fomentar a sensibilização para a promoção da qualidade do
ambiente a sancionar as condutas que lesem a integridade e capacidade
regenerativa daqueles bens e a repara e/ou compensar os danos ecológicos.’’
A confluência de vários domínios científicos - Direito Internacional Público
do Ambiente, Direito Comunitário do Ambiente, Direito Consitucional do
Ambiente, Direito Administrativo do Ambiente, Direito Processual do Ambiente,
Direito Económico Financeiro e Fiscal, Direito Penal, Direito Civil do Ambiente
- faz do Direito do Ambiente uma
realidade multidisciplinar que convida à 'humildade' o 'jurista do ambiente',
de modo a poder abarcar todas as multidimensionalidades dos problemas
Ambientais. Vasco Pereira da Silva, a par da perspectiva tomada por Gomes Canotilho, sendo que este último
autor acrescenta que, por mais que o Direito do Ambiente adquira contornos
teóricos, dogmáticos, conceituais cientificamente rigorosos é indispensável
continuar o ‘diálogo jurídico interdisciplinar e redescobrir um novo juscomune que permita enfrentar com as
leis dos homens as ameaças fracturantes da comunidade Biótica’. [ix]
Às perguntas ‘’O ambiente é apenas um conjunto, horizontal e materialmente
determinado de tópicos, princípios, regras e situações jurídicas pertencentes a
diversos ramos do Direito (posição de SOUSA FRANCO) ou, é algo mais, uma
disciplina jurídica autónoma, unificada em razão de uma finalidade comum que é
a protecção ambiental?’’ Vasco Pereira
da Silva, embora não construa a resposta com base na ideia de autonomia sustentada
num elemento teleológico (sedimentada numa dogmática própria, um conjunto de
princípios juridícos específicos, dotado de procedimentos administrativos
específicos) responde afirmamente. Entende que, a autonomia é, de certo,
pedagógica. Autonomia Pedagógica, justamente pela sua multidisciplinaridade. Ressalva,
todavia que, o entendimento enquanto disciplina horizontal, no sentido de procurar
dar uma perspectiva de conjunto das questões jus-ambientais não deve ser confundido como uma visão imperialista
do direito ambiental. Assim o Professor conclui pela autonomia pedagógica mas,
não científica do Direito do Ambiente.
IV. Direito Subjectivo ou Direito
Objectivo? Direito Fundamental?
A resposta às perguntas não é pacífica na doutrina. Desde logo porque,
podendo ser um direito fundamental pode não ser um direito subjectivo (direito
individualmente protegido) e judicialmente exigível (recorrendo a meios
coercivos, do lado passivo pode estar o Estado e outros Particulares, por isso dotado
de eficácia horizontal).
Numa leitura apressada, podemos considerar tratar-se de um direito
subjectivo. Todavia, num olhar mais atento não é assim, na óptica de Carla Amado Gomes.
O interesse de facto da função de bens colectivos é o ‘núcleo duro’ da tarefa
de protecção do ambiente.
O art. 66º/2 assenta numa concepção ampla (versus restrita, supra
referida) e, predominantemente antropocêntrica (versus Ecocêntrica, vide I.). Estas duas opções contribuem para
acentuar a perspectiva personalista que pontifica na 1ª parte do nº1.
A 'válvula de escape’, reside na articulação com o art. 52º/3 a) pois que,
a dimensão imaterial e a fruição colectiva são as chaves para a [correcta]
compreensão da norma.
O ambiente é de todos, não podemos arrogar-nos do direito ou do seu goso;
não é individualmente apropriável; trata-se de um interesse difuso de que
beneficiamos enquanto membros da comunidade; por via da acção popular pode ser
tutelado.
Recorrendo à tríptica - Direito à informação; Direito à Participação;
Direito de Acesso à Justiça - Carla
Amado Gomes, sustentou a seguinte ideia: 'não há direito do ambiente mas
outros direitos’ (os três direitos referidos acima).
Actualmente, esta tríade de direitos já não configurados como somatório de
direitos, pertencentes ao titular da posição juridica activa (à qual se
contrapunha o 'dever fundamental ao ambiente', pertencente à posição juridica
passiva) mas sim, como configurados enquanto integrantes das dimensões
pretensivas da norma do 66º/1 (a par das dimensão impositiva da norma: ‘dever
fundamental de protecção do ambiente’, contida na 2ª parte do art. 66º/1, dever
esse pluriforme e heterogéneo).
Dessa dimensão pretensiva, retiram-se então,
i) Direito de participação, direito nuclear, associado a uma ideia de
'cidadania ambiental';
ii) Acesso à Justiça Ambiental (que decorre do (i));
iii) Um especial direito de acesso à informação.
Constata-se assim uma ligeira alteração na configuração da matéria.
Está em causa um verdadeiro direito subjectivo, individualmente tutelavel.
Adoptando esta perspectiva, Vasco
Pereira da Silva entende que o ambiente será melhor protegido pois compatibilizam-se
diferentes valores e facilita a resolução em caso de colisão ou conflito de
direitos.
A defesa do ambiente enquanto problema jurídico, obriga à consideração das
suas dimensões axiológica e juridica:
a) Direito ao ambiente como direito do homem, integrando
a denominada 3ª geração dos direitos fundamentais.
[Embora seja feita a ressalva da eventual noção equívoca que pode surgir a
propósito de ‘gerações de direitos humanos’, se utilizada num sentido
determinista de evolução de estádios inferiores para outros mais desenvoltos,
substituindo-se. Ressalvando não se pode encarar enquanto 'luta de gerações', o
conceito só é útil se utilizado no intuito de situar realidades no tempo ou
seja, tomando como pressuposto não uma 'luta' mas um 'convívio de gerações de
direitos'. ]
O ambiente e a qualidade de vida surgem a par da 'terceira geração de
direitos humanos', estando em causa a ideia de protecçao do indivíduo contra o
poder.
b) Protecção do ambiente como problema do Estado, levando
alguns autores a caracterizar o Estado Pós-Social como 'Estado de ambiente'. A
'questão ecológica' veio implicar o assumir de novas tarefas estaduais. Assim,
contempla, simultaneamente, uma dimensão objectiva.
Sendo o Direito uma realidade humana, reguladora de relações entre pessoas,
nao devem ser confundidos os domínios dos direitos individuais com os da tutela
juridica objectiva.
Para além de ser a via mais adequada para proteger a natureza é a que
decorre da lógica da protecção juridica individual. É a subjectivização da
defesa do ambiente (o que para muitos é considerado 'egoísmo') que faz com que
cada um se interesse pelos interesses do estado como se fossem seus, lembrando
TOCQUEVILLE. Só um direito fundamental ao ambiente consagrado pode garantir a
adequada defesa do mesmo.
Acrescenta ainda, como vantagem, a correcta ponderação de valores em
presença, fazendo radicar a dignidade da pessoa a protecção da ecologia. Tal
visão, simultaneamente, afasta-se das visões totalitárias, viradas para a
protecção do ambiente ‘maximalisticamente’ à custa do sacrifício de outros
direitos fundamentais, se preciso.
Num sentido claramente divergente, Freitas
do Amaral fala no ''primeiro ramo do
direito que nasce, nao para regular as relaçoes dos homens entre si ...''.
Na mesma linha de Vasco Pereira da Silva o Professor Gomes Canotilho considera os direitos fundamentais como
direitos subjectivos.
O autor refere 'o direito fundamental ao ambiente', considerando que o
nosso ordenamento jurídico consagra um direito dos cidadãos ao ambiente. Propugnando, igualmente, uma dupla posição:
por um lado a existência de um valor com uma dimensão pública ou colectiva, o
que não obsta à circunstância do ambiente dever ser também, considerado um
direito subjectivo de todo e qualquer cidadão individualmente considerado.
Entendendo que ainda que seja um bem social unitário é, dotado de uma dimensão
pessoal.
Assim, é do entendimento do autor que, a qualificação do ambiente como bem
público ou colectivo, não poderá ultrapassar a dimensao subjectiva. De
sublinhar as palavras do autor: '' a
existência de um direito subjectivo ao ambiente não deve fazer esquecer o seu
caractér de bem jurídico unitário de toda a comunidade, ou seja, a titularidade
individual de um direito subjectivo ao ambiente não trás consigo a subversão do
ambiente como bem juridico colectivo''.
Segundo o Professor está em
causa um direito fundamental pertencente a todos, valor de protecção supra-individual
e, simultaneamente um direito fundamental pertence a cada um de nós, afirmando a
sua dupla fisionomia.
Distintamente dos autores acima referidos, Jorge Miranda, adopta uma concepção restrita de direito subjectivo
público.[x]
O reconhecimento constitucional do direito a um ambiente sadio e
ecologicamete equilibrado é fruto de uma concepção de fundo antropocentrico
mitigado, não utilitarista e, a sua consagração no quadro dos direitos económicos,
sociais e culturais torna-o beneficiário de uma protecção vasta e com
implicações noutras normas constituionais.
3§ - Qual a opção do legislador
Contitucional?
Direito Comparado
Em termos de Direito Comparado, encontramos dois modelos fundamentais de
protecção do ambiente:
A) a configuração como tarefa do estado (Constituições alemã, holandesa,
grega (1975) e, a sueca)
B) a sua elevação ao patamar de direito fundamental. (Constituições
espanhola (1978) e polaca (1952). Também na Ordem Jurídica Brasileira
(Constituição de 1988, assim o dispõe no art. 225º), o ambiente é expressamente
reconhecido e protegido enquanto direito fundamental individual, com suficiente
dignidade para ser tutelado pela própria constituição.
Pese embora, segundo Gomes Canotilho, em Espanha, face ao artigo 45º, parte
da doutrina manifeste dúvidas quanto à configuração de tal direito enquanto
direito fundamental.
Peculiar é caso Alemão, ao aperceber-se do cariz estritamente simbólico da
fórmula 'direito ao ambiente', ignorou-a e reconverteu-a, a partir da vertente
impositiva (dever de protecção do ambiente), introduzindo, em 1994, um artigo
ambiental numa lógica puramente objectiva.[xi]
C) A CRP portuguesa apresenta a originalidade ao assumir os dois modelos.
Constituição da Republica
Portuguesa
O Professor Jorge Miranda, caracteriza-a de pioneira, no tratamento do
ambiente como direito fundamental - nº1. Inspirando outras leis fundamentais,
Europeias (caso espanhol) e Americanas (caso do brasil) bem como constituições
de países de lingua oficial portuguesa (caso da moçambicana).
Em 1976 a afirmação do direito ao ambiente foi de enorme importância.
O reconhecimento constitucional do direito a um ambiente sadio e
ecologicamete equilibrado é fruto de uma concepção de fundo antropocêntrico
mitigado não utilitarista e, a sua consagração no quadro dos direitos economicos,
sociais e culturais torna-o beneficiário de uma protecção vasta e com
implicações em outras normas constituionais.
A CRP assume, como foi dito, os dois modelos:
a) art. 9º - tarefa
que deve ser conjugada com o disposto no art. 66º/2 e com o 81º/ a), l), m), n)
b) art. 66º - dimensão subjectiva de um direito fundamental ao ambiente de
vida humano saudável e ecologicamente equilibrada, assegurado como direito
social.[xii]
O Professor Figueiredo Dias vai
mais longe, alude mesmo a uma
verdadeira 'Constituição Ambiental'. Na mesma linha que a restante doutrina,
fala das duas diferentes formas que Constituição acolhe o ambiente: enquanto
fim e, enquanto direito fundamental de todos os cidadãos. Enquanto fim, é
exigido ao Estado não só que se abstenha de provocar danos ao ambiente como se
lhe impõe uma atitude 'positiva' no sentido da sua promoção. Neste ponto adopta
uma concepção ampla de ambiente, apelando à promoção nomeadamente através de
protecção e valorização do património cultural, da defesa da natureza e do
ambiente e da preservação dos recursos naturais. No que respeita à segunda
dimensão, entende que deve ser necessariamente articulada com o direito de
acesso ao direito e aos tribunais para a sua tutela pois que, enquanto direito
fundamental, deve ser relacionado com o direito à tutela jurisdicional efectiva
(direito esse análogo aos 'direitos, liberdades e garantias', no que
especificamente respeita ao contencioso administrativo, permitindo a todos os
cidadãos lesados, nesse especifico contexto, o recurso aos tribunais).
Entendido como direito subjectivo fundamental, é configurado de forma
autónoma, sobretudo na vertente de direito ecológico, devendo condicionar as
opções do legislador e aplicadores do direito. Esta posição jurídica individual
de cada cidadão, isto é este direito fundamental, não pode 'ficar para segundo
plano' em virtude da sua outra dimensão, o valor objectivo que tem para toda a
comunidade.
Em suma e, na mesma linha que Gomes Canotilho, o direito ao ambiente,
aparece, logo ao nível constitucional como bem juridico da comunidade e, como
direito fundamental de todos os cidadãos.
Rematando com uma apreciação positiva, no papel constitucional de tutela
juridica-ambiental, divergindo claramente da opinião menos positiva sobre o
complexo normativo constitucional, nesta sede.
Gomes Canotilho, elogiando a riqueza e
profundidade do normativo constitucional em análise, que irradia para múltiplos
dispositivos constitucionais, considera a (complexa) opção constitucional, paradigmática.
Atenta, desde logo, a inserção sistemática, na 'Parte I, relativa aos Direitos
e Deveres Fundamentais, prevendo-se, no art. 66º, o ambiente como um direito
fundamental, autónomo relativamente a outros direitos. [xiii]
Enquanto Direito fundamental ao ambiente, do Estado exige prestações positivas
(direito positivo) como impõe limites ou travões à acçao estadual, se posto em
causa (direito negativo).
Caracterizado por não ser um direito fundamental puro perante o estado ou
dirigido ao Estado. O direito co-envolve um dever de todos contribuirem para o
que do Estado solicitam, a defesa do ambiente sadio e ecologicamente
equilibrado abre espaço para a dimensao auto-reflexiva do direito.
O dever de todos defenderem o ambiente aproxima o cidadão do estado, na
tarefa de protecção ambiental a que este está contida, ao mesmo tempo que se torna
contraponto do direito de todos exigirem do Estadoa defesa do ambiente, de tudo
resultando a criação de uma teia de empenhamentos, confianças e solidariedades para
o envolvimento e a participação na definição e acompanhamento das diferentes
politicas publicas ambientais, consagradas no corpo do nº 2 do referido art.
66º. [xiv]
Embora com dúvidas (maiores do que nos artigos que o precedem) não parece
que o direito do ambiente possa forçosamente considerar-se, um direito
fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias segundo o
Professor, Marcelo Rebelo de Sousa.
Coerentemente não lhe deve por isso ser aplicado o regime decorrente do art.
17º.
Configura assim uma posição divergente da maioria da doutrina [Gomes
Canotilho e Vital Moreira; Jorge Miranda; Vasco Pereira da Silva; José
Figueiredo Dias].
Não há dúvidas de que é um direito positivo. Por outro lado, o dever de
defender o ambiente nao parece decorrer da [alegada] estrutura de direito
negativo, pois nesse caso nao se justificaria a parte final do nº1.
Numa interpretação actualista da CRP, a evolução em curso poderá conduzir
(a não muito longo prazo) a que se conjuguem neste direito a vertente
social-prestacional e a vertente negativa ou de direito liberdade e garantia,
permitindo a aplicação do respectivo regime àquele do conteúdo que se revestir
dessa dimensao deafirmação da esfera de liberdade (e só a ele).[xv]
Desde de 1976, a novidade da matéria 'ambiental' provocou uma indefinição
do objecto de protecção, desde então tal indefinição foi-se agravando, segundo Carla Amado Gomes
Na Revisão de 1997 o art. 66º/2 viu alargado o seu âmbito, constituíndo
hoje um caso, parafraseando a Professora, de 'obesidade normativa', visto que
agrega numa noção amplíssima de ambiente realidades várias: património
cultural, natural ou construído, ordenamento do território, Urbanismo...
Sob o título 'Equívoco do Direito ao Ambiente' a visão crítica da
Professora é facilmente percepcionada.[xvi]
Começando por adjectivar de 'inócua e axiologicamente ambígua a noção
contida no art. 66º/1 da CRP. Por isso, juridicamente imprestável.[xvii]
Num outro Livro, analisa as normas Constitucionais Ambientais. Numa posição
igualmente crítica, começa por detectar a 'errância' do quadro constitucional,
da evolução (ou falta dela) entre 1976 a 1997.
Passando pela Integração na Comunidade Eurpeia, falando da revisão de 1989,
na qual o artigo sofre a primeira mutação mas, que apenas acentuou a
transversalidade da temática ambiental consagrando um retrocesso. Também na
quarta revisão ao art. 9º é aditada a alínea d). O balanço das alterações
constitucionais, nesta sede, é tudo menos positivo. A falta de nitidez, por
parte do legislador quanto ao bem jurídico em apreço é notória. E, bem assim a
imprecisão no que tange à tutela subjectiva. Resumindo essa errância
reflecte-se na falta de respostas que deveriam ser dadas às perguntas: 'o que é
o ambiente?'; 'o que é o direito ao ambiente?'.
Assim o antropocêntrismo aqui é aqui patenteado. O direito ao ambiente
enquanto direito emergente, na altura da feitura da norma constitucional
ambiental, integrado na nova geração de direitos - colectivos, difusos, de
solidariedade e circulares - revela uma dimensão claramente centrada na
melhoria das condições de vida das populações, realidade que a autora
identifica com normas de protecção objectiva (tarefas Estatais) mas, que foi
sobrecarregada de um sentido subjectivista.
Diversamente do caso alemão que fugiu do simbolismo [remeto para o já
abordado em 'Direito Comparado'.]
Acresce ou justifica a 'errância' do simbolismo da tutela constitucional
ambiental, por influência directa da Declaração de Estocolmo, destituída de
efeitos práticos e desviante de objectivos a alcançar por um 'artigo
ambiental'. Talvez podendo desculpar-se pela novidade da causa ambiental,
naquela altura, o simbolismo é justificável. Já não o é, contudo, a errância em
que o legislador das revisões constitucionais caiu, ao descaracterizar o âmbito
de protecção da norma.
Concluí pela necessidade de revisão (apontando até sugestões de alterações
concretas), acreditando que só assim seria dada efectividade às normas
constitucionais ambientais).[xviii]
O Professor Vasco Pereira da Silva,
no seguimento da exposição da sua visão subjectivista do direito do ambiente,
sem negar a dimensão objectiva - apontando argumentos e vantagens da sua
propugnação e em coerência com a sua pré-compreensão do ambiente numa visão
'antropocêntrica ecológica’ (já explanadas) - entende que tais posições são as
mais adequadas na correspondência com a lógica da Constituição Portuguesa, a
qual se ocupa da questão da protecção do meio-ambiente numa dupla perspectiva:
'tarefa estadual' e 'direito fundamental'.
Colocando previamente três questões:
i) saber se o direito ao ambiente é um direito fundamental ou uma tarefa
estadual?
ii) saber se o direito ao ambiente deve ou não ser considerado como um
direito subjectivo?
iii) saber quais as consequências em termos de regime decorrentes da
natureza jurídica do direito ao ambiente?
Responde, simultaneamente às duas primeiras perguntas, afirmando a dupla
natureza destes direitos: por um lado, são direitos subjectivos por outro são
elementos fundamentais da ordem objectiva da comunidade (remetendo para HESSE).
É a consagração constitucional que constitui fundamento de existência de relações
juridico-públicas de ambiente. Sendo tambem esse direito fundamental que
permite a consideração do alargamento da titularidade de direitos subjectivos nas
relaçoes jurídicas ambientais, que constituem verdadeiras relaçoes jurídicas
multilaterais.
De referir por último, que o recurso aos direitos fundamentais fornece a chave
para compreender as relações públicas e as relações privadas no domínio
ambiental. Enquanto direito de defesa contra agressões ilegais, o direito do
ambiente gosa do regime dos direitos, liberdades e garantias, vinculando
entidades públicas e privadas (vide 17º e 18º da CRP), dá resposta à terceira
questão.
A revisão de 1997 veio apenas fazer a ponte entre a tutela objectiva e a protecção
subjectiva do ambiente. Não tece críticas, diversamente de outras posições
explanadas. Da leitura que faz, o Legislador Constituinte parece preferir um
modelo predominantemente subjectivista, consagrando o direito fundamental, ao
promover uma protecção jurídica individual.
A tutela ambiental integra não apenas a constituição formal mas, tambem a
material e a sua relevância enquanto componente dos princípios e valores
fundamentais da ordem juridica portuguesa faz dela limite material de revisão
constitucional, limite implícito enquanto principio fundamental de defesa da
natureza ma,s também expresso como direito fundamental ao ambiente (288º/1 d)),
marcando a fronteira daquilo que ainda é 'rever a Constituição' daquilo que
seria 'mudar de Constituição'. O que está em causa é o valor simbólico da
consideração da problemática ambiental como integrando o 'núcleo duro' da
Constituição.
Qual a opção ao nível da Lei de
Bases do Ambiente?
O legislador autonomizou sistematicamente os dois grupos:
As componentes ambientais naturais - ar, luz, água, solo, subsolo, flora e
fauna - são [agora] versadas no art. 10º
e, as 'antigas' 'Componentes ambientais humanas' - paisagem, património natural
e construído e a poluição – são consagradas no art. 11º, epigrafado [actualmente]
de 'Componentes ambientais associadas a comportamentos Humanos’ consagrados.
A confusão constitucional veio inquinar a actuação do Legislador ordinário.
Esta '(in)definição' constante da LBA tão-pouco ajuda o intérprete e
aplicador.[xix]
A visão é também aqui, por força da própria concepção constitucional
adoptada, antropocêntrica. A própria sistematização assim o indicía (sem que
nenhuma das duas se tenha desviado nesta recente alteração daquele diploma de
14 de Abril de 2014).
Esta sistematização e conceptualização é criticada por parte da Doutrina
que, propende para uma noção jurídica restrita, cujo núcleo central seja (tão
só) os recursos naturais, o objecto que carece de tutela jurídica específica, visto
que, tal posição oferece maior utilidade e operatividade.
O objecto do direito do ambiente deveria circunscrever-se aos bens
ambientais naturais (listados no 11º da LBA), sob pena de esvaziar de
operatividade que o ambiente carece.[xx]
Gomes Canotilho refere que o art. 2º da LBA oferece sustento para
centrarmos a noção num sentido restrito, centrado no 'ambiente natural': ''A
política do ambiente tem por fim optimizar e garantir continuidade de
utilização dos recursos naturais (...) como pressuposto básico de um
desenvolvimento autosustentado.''. Assim, da própria LBA é possível extrair a
existência de um verdadeiro direito subjectivo. Não só enquanto bem juridico mas,
também enquanto direito fundamental se pode caracterizar de autónomo isto é, a
sua tutela não resulta de um mero meio de tutelar outros direitos pois que é
directa e imediatamente tutelado relativamente àqueles com os quais se relaciona
( direito à saúde, a título exemplificiativo).
4 § - Conclusões
A par do que acontece noutras disciplinas jurídicas, por exemplo no
Contencioso Administrativo, a perspectiva adoptada, ora uma concepção
objectivista ora subjectivista [ou, uma concepção intermédia], reflecte-se na
construção da própria disciplina. A pré-compreensão da questão ambiental, do que
se vai tutelar e como se vai tutelar, influência e condiciona a definição dos
contornos do bem jurídico ‘ambiente’.
As oscilações entre a protecção do
ambiente como valor por si mesmo considerado ou enquanto instrumento de
satisfação de necessidades humanas repercutem-se na formulação de escolhas ao
nível da política ambiental, quer na lei fundamental quer nos complexos
normativos infra-constitucionais.
Cinco ideias chave, em tom conclusivo:
- Pré-Compreensão - 'Nem oito nem oitenta', os perigos ou desvantagens de adoptar uma ou outra concepção são quase equivalentes. O fundamentalismo é perigoso. Existem posições moderadas, combinações por isso, mais equilibradas. Cair no erro de personificar plantas ou animais ou outras realidades bióticas é equivalente a cair no erro duma visão utilitarista (até capitalista) de funcionalizar a Natureza em prol do Homem.
- Conceito amplo ou restrito - Não 'Confundir alhos com bugalhos’, Concepções amplas do ‘ambiente’ não são vantajosas. Uma concepção restrita do ambiente permite um tratamento rigoroso das questões ambientais e, dessa forma opera uma efectiva tutela.
- Bem Jurídico e Ramo do Direito com Autonomia - ‘Tire o cavalo da chuva’ quem ainda não despertou ecologicamente para a existência do ‘ambiente’ enquanto bem jurídico. E, se dúvidas restavam quanto à sua autonomia - dogmática, científica e pedagógica - a progressiva evolução do ramo, eliminou-as. A protecção ambiental convoca um conjunto de elementos que contribuem para a caracterização da autonomia científica do tecido normativo que dela se ocupa.
- Dimensão Subjectiva, o Direito ao Ambiente como Direito Fundamental e Dimensão objectiva - ‘Um Bicho de sete cabeças’? Apenas duas. A dupla natureza do Direito ao Ambiente como direito subjectivo, nesse sentido um autêntico Direito Fundamental e, enquanto estrutura objectiva da colectividade, parece ser a visão mais acertada, coerentemente com a própria Lei fundamental e LBA.
Maria Catarina Borges nº21445
[ii] 'As operações materiais
admnistrativas e o Direito do Ambiente, Lisboa, 1999 - Pag. 9-12 - Carla Amado
Gomes
[iii] Pag. 12 (Textos Dispersos - Vol.
I) - 2. O ambiente como objecto.... e p. 21 - Gomes Canotilho
[v] Apresentação in Direito do
A.
[vi] Responsabilidade civil por danos
ecológicos - da reparação do dano através da restauração natural', coimbra
editora 1998
[vii]
Objectos do Ambiente – Textos Dispersos
[viii] Ambiente (do) – textos Dispersos
[ix] Juridicização da E. ou do E. do
D, Revista J. D. U. A.
[x] Constituição Portuguesa Anotada -
Jorge Miranda e Rui Medeiros
[xii] Constituição Portuguesa Anotada -
Jorge Miranda e Rui Medeiros
[xiii] Constituição Portuguesa Anotada -
Jorge Miranda e rui Medeiros; Gomes Canotilho - Introdução ao direito do
ambiente ; Carla Amado Gomes - Introdução
ao direito do ambiente.
[xiv] Constituição Portuguesa comentada
- Marcelo Rebelo de Sousa e José de Melo Alexandrino
[xv] Constituição Portuguesa Comentada - Marcelo Rebelo de Sousa e José de
Melo Alexandrino
[xvi] Introducao ao Direito do Ambiente
– Carla Amado Gomes
[xvii]’Constituição e Ambiente: Errancia
e Simbolismo - Carla Amado Gomes - Textos dispersos
[xviii]’Constituição e Ambiente: Errancia
e Simbolismo
[xx] Introdução ao Direito do Ambiente
– Carla Amado Gomes
Bibliografia
Amado
Gomes, Carla - Introdução ao Direito do Ambiente – AAFDL, 2ª edição 2014
Amado
Gomes, Carla – ‘’Constituição e Ambiente: Errancia e Simbolismo’’, in Textos
Dispersos II. Vol.; AAFDL, 200
Amado
Gomes, Carla – ‘’O Ambiente como objecto e os objectos do direito do
Ambiente’’, in Textos Dispersos I Vol.; AAFDL, 200
Amado
Gomes, Carla – Ambiente (Direito do), in Textos Dispersos I Vol.; AAFDL, 200
Gomes
Canotilho, José (coordenação) - Introdução ao direito do Ambiente -
Universidade Aberta, Miranda, Jorge e Medeiros, Rui - Constituição Portuguesa
Anotada - Tomo I 2ª ed. Coimbra Editora - p. 1343 e ss
Pereira
da Silva, Vasco – Verde Cor de Direito, Lições de Direito do Ambiente –
Almedina, 2002
Pereira
da Silva, Vasco, Cunhal Sendin, José e
Miranda, João – ‘’O Meu Caderno Verde - Trabalhos Práticos de Direito do
Ambiente’’ - 2.ª edição, AAFDL, Lisboa, 2005
Rebelo
de Sousa, Marcelo e Melo Alexandrino, José de - Constituição portuguesa
comentada - LEX; 2000, p. 176 – 178