O Princípio
da Precaução
O
Princípio da Precaução, enquanto princípio orientador do direito do ambiente no
ordenamento jurídico português, reveste-se de um complexo de problemas
interpretativos quanto ao seu sentido, alcance e conteúdo na sua aplicação.
Este será portanto o referencial central da nossa investigação, que visa
contribuir para a formulação de uma
opinião que permita concordar ou discordar da sua aplicação.
A) Enquadramento
Histórico:
Os
princípios constitucionais ambientais nasceram de inúmeras conferências internacionais,
promovidas pela ONU. As mesmas fizeram despertar um conjunto de preocupações
ambientais de impacto global, que apenas se materializaram em 1972, em
Estocolmo. É nesta sequência que surge o
Direito Ambiental Mundial e com ele 27 princípios (que constam da Declaração de
Estocolmo).
O Princípio do
Desenvolvimento Sustentável, da Prevenção e do Poluidor Pagador, são alguns
exemplos dos princípios basilares do Direito do Ambiente e que, em breves
palavras, marcaram o início de uma nova abordagem legislativa em matéria
ambiental. Estes visam a satisfação de
interesses puramente humanos tais como o desenvolvimento da indústria e a
exploração científica. Isto é, têm por objetivo, por um lado, garatir às
gerações presentes os meios para a satisfação desses interesses e, por outro a satisfação dos mesmo interesses também das gerações futuras. Esta não deixa,
como tal, de se comportar como uma questão que se prende unicamente com
recursos infungíveis que devem ser preservados e protegidos.
Ora, o
princípio da Prevenção foi abordado pela primeira vez em 1972, na supra
referida Conferência intergovernamental de Estocolmo. Não obstante, apenas foi
desenvolvido mais tarde com o Relatório
Brundtland em 1987. Este Relatório foi inovador em diversos aspectos, ressaltando
sobretudo uma preocupação que passava por uma alteração do modo de pensamento
que até então estava incutido nas mentalidades, de que cada país era
“independente” um do outro. Neste ficou patente uma lógica de
descompartimentalização de países. Por outras palavras, defendeu-se que o
desenvolvimento excessivo, com níveis de poluição superiores à média dos outros
países, acabava por trazer danos, não só ao país em causa, mas a todos os
países no mundo, fazendo nascer uma preocupação fundamentada quanto ao controlo
de lesões ambientais em termos globais.
Pode-se mesmo afirmar que foi neste
momento que nasceu a Aldeia Global em que vivemos hoje, tornando-se claro que as
repercussões económicas actualmente se sentem a um nivel global. A título de
exemplo, a crise económica que se vive no país reflecte-se na economia interna
dos outros países da UE, mas não é apenas na área relativa à economia que o
“efeito dominó” se faz sentir veja-se outro exemplo, como o desfloramento das
terras altas culmina em inundações nas terras baixas. Estes são apenas alguns
dos muitos casos que surgiram no Relatório relativamente à encadeação dos
efeitos e que por isso não faria sentido compartimentalizar uma legislação
relativa ao ambiente em cada estado soberano mas antes numa legislação unívoca
e una.
Em
síntese, foi neste meio fértil que surgiu o princípio da Precaução.
Na Revolução Industrial, o risco de
danos ambientais gerados pela a evolução humana acentuou o custo de oportunidade
inerente ao progresso, despertando a necessidade deste princípio que surge pela
confrontação de riscos, com efeitos por vezes desprovidos de toda e qualquer
racionalização, sendo quase como meras hipóteses de que a sua verificação era
possível únicamente baseado no motivo de que nada é impossível.
B) Enquadramento e Sistemática do
Princípio da Precaução:
O
princípio da Precaução incorpora uma ideia de bom senso, amparada de uma
atitude prudente (tocante aos assuntos relacionados com o meio ambiente) da
actuação do ser humano.
Este
princípio norteador do direito do ambiente actua perante riscos e incertezas,
ou seja, mesmo quando seja impossível determinar um nexo causal entre um
determinado processo/ substância e um dano. Ou seja, impede a concretização de um
qualquer acto que implique uma dúvida sobre a sua repercussão num dano
ambiental (seja relativamente à fauna ou flora), devendo-se à partida rejeitar
um tal possível procedimento.
O princípio em análise encontra-se
construído segundo uma lógica “in dubio pro ambiente” ou “in dubio contra
projectum”, bastando-se com o mero dano potencial que poderá ser causado no
ambiente, devendo por isso o projeto ser negado pelas autoridades competentes.
Esta situação chega mesmo a ser
levada ao extremo a nível de prova, isto porque existe uma presunção ilidível
de que o ambiente sofrerá um dano, cabendo ao particular/empresa prestar prova
de que o negócio não só não causará danos no presente mas também no futuro,
(isto para os mais radicalistas defensores do princípio). Ora, tal facto é, na
maior parte das vezes, muito difícil de prova funcionando assim como diabólica
e que, por isso, dificilmente produzirá os efeitos úteis.
Pelo exposto, há quem considere que o
princípio em causa se apresenta como um obstáculo à competitividade das
empresas por força de um excesso de regulamentação, contudo, a verdade é que
este pode igualmente ser entendido como uma fonte de progresso no sentido de
optimizar a gestão dos recursos naturais com o desenvolvimento técnico. Assim,
e salvo melhor opinião, entendemos que o princípio em estudo se apresenta como
uma abordagem inovadora e, como qualquer outra situação inovadora, carece ainda
de algum tratamento normativo para que não estejamos perante um Estado de
Ambiente ao invés de um Estado de Direito.
Aqui chegados, torna-se pertinente
invocar alguns factos que revelem a importância deste princípio, por exemplo,
se um dano irreversível for causado, certamente haverá impactos semelhantes
(para não dizer potencialmente superiores) ao fraco ou débil desenvolvimento
industrial e científico.
É certo que, não deixará de haver uma
certa discricionariedade, actuando assim numa certa esfera de incerteza. Poderá
mesmo colocar-se a seguinte questão: até que ponto é que este conflito de
direitos ambientais com outros direitos sociais deve prevalecer?
Por forma a dar resposta a esta
pergunta e contribuindo para a diminuição do âmbito de discricionariedade da
aplicação deste príncipio julgamos ser importante fazer uma distinção entre os
riscos prováveis e irreversíveis e riscos potenciais e reversíveis.
Optando por uma aplicação moderada,
cumpre referir que a reversibilidade tanto poderá ser imediata como eminente, mas
será que ainda assim não se apresenta a causa do dano como um mal necessário a
um fim superior? Imaginemos o seguinte panorama, se uma empresa de exploração
de novos métodos de combate ao cancro quiser estar sediada num território,
território esse que é o único no mundo que possui flores que possam eventualmente
determinar a cura para uma doença, e na sua pesquisa se esgotarem as flores.
Fará sentido inibir esta tentativa de progresso em nome do ambiente? Ora, a resposta
parece-nos ser negativa. Porque o dano é reversível, as flores podem ser
plantadas, e potencial, não existe prova de que na pesquisa serão utilizadas
todas as flores, deste modo, defendo um princípio da precaução válido apenas para
lesões irreversíveis. Se bem que mesmo nestes casos é muito importante a
ponderação entre os bens jurídicos em causa.
Este princípio não deverá ser
confundido com o princípio da prevenção, pois neste existe a comprovação de um
dano efectivo.
Em suma, concordamos com a protecção
dos danos prováveis (porque mesmo quando é provável há incerteza quanto à sua
materialização) e irreversíveis.
Parece-nos importante defender a aplicação mais restrita deste princípio, nos moldes acima referidos, por considerar que há necessidade de ponderar um conjunto de interesses nos quais a própria sociedade actual se move, ou como refere o Professor Gomes Canotilho, haverá que salvaguardar um “reino de incerteza”, uma vez que o próprio desenvolvimento técnológico desenvolveu a par do conforto, bem-estar e aumento da qualidade de vida uma gestão própria dos riscos previsíveis.
Parece-nos importante defender a aplicação mais restrita deste princípio, nos moldes acima referidos, por considerar que há necessidade de ponderar um conjunto de interesses nos quais a própria sociedade actual se move, ou como refere o Professor Gomes Canotilho, haverá que salvaguardar um “reino de incerteza”, uma vez que o próprio desenvolvimento técnológico desenvolveu a par do conforto, bem-estar e aumento da qualidade de vida uma gestão própria dos riscos previsíveis.
Um outro vector de discussão em torno
deste princípio prende-se com as externalidades.
Na verdade existe uma aceitação de
que os riscos ambientais não são exteriores ao Homem, mas antes existem e
materializam-se em virtude das decisões tomadas pelo Homem, assim originando
uma falta de correspondência entre os sujeitos que tomam as decisões e os
sujeitos que são afectados (ex: gerações futuras) pelas mesmas decisões.
Ora este é um mecanismo típico de
repartição do risco das sociedades modernas. Este problema para além de colocar
em cheque mecanismos de responsabilização afecta igualmente a representatividade
bem como a legitimação social das decisões.
A uma escala global, veja-se por
exemplo que os países subdesenvolvidos, não abdicam do seu direito ao
desenvolvimento industrial em prol de uma reduzida emissão de CO2. Tal facto, aumentaria
inclusivamente o custo de produção, eliminando-se a vantagem competitiva da
energia não limpa e diminuindo-se o fluxo da evolução industrial. Nestes casos
simplesmente não existe opção de sustentabilidade.
Mais gravosos, são ainda os casos
patentes dos países desenvolvidos, onde se encontra incutida uma ideia de
inércia dos próprios consumidores. Tal significa que os consumidores não
abdicam do seu nível de conforto energético, nem existem preocupações em manter
o consumo de combustível fossil no limiar do aceitável. Exemplificando, cada
consumidor em regra tem a sua viatura, e utiliza a mesma para efectuar todo o
tipo de deslocações, até aquelas que poderia fácilmente efectuar a pé, e na
maior parte do tempo desloca-se sozinho dentro do veículo, quando o consumidor
está no conforto da sua habitação não se preocupa minimamente em verificar se
há o mínimo possível de “electronica” habitacional ligada à corrente para
conservar o recurso esgotável que possibilita a existência de electricidade.
Ora, para esta realidade, dos países
desenvolvidos, sempre se dirá que haveram várias alternativas que dependem de
uma implementação de soluções mais sustentáveis. Contudo, para tal, é fulcral
que se desenvolva um conjunto prévio de incentivos a uma educação ambiental
incutida numa noção de cidadania. Pois, ainda que existam alternativas práticas
a estes problemas, se não forem socialmente compreendidos os mesmos acabarão
muitas vezes por ser rejeitados ou desvalorizados e assim impossibilitando o desejado
nível de conforto. Em boa verdade, o problema do efeito de estufa encontra o
seu cerne precisamente neste padrão de existência intrínseco à maioria da
humanidade.
Tudo o que ficou dito, serve de base
para a premissa de que o principio da precaução mesmo existindo, não tem força
jurídica suficiente para impedir a efectivação destas situações, por isso,
apesar de, em teoria o princípio da precaução ser inibitor de muitas acções
humanas. Na prática essa inibição, mesmo que elevada ao extremo do risco
potencial apresenta-se como defensável toda esta estrutura do princípio,
sobretudo nos moldes das teorias moderadas em que enquadrei a minha opinião
relativamente a danos irreversíveis e prováveis vs danos reversíveis
potenciais.
C) Exploração do Princípio da
Precaução:
O Princípio da Precaução, consubstancia
uma manifestação jurídica de profunda humildade quanto aos limites da ciência.
Nas palavras do Professor Gomes Canotilho “pode mesmo afirmar-se que o
princípio da precaução constituí o papel emblemático do papel que desempenha o
Direito do Ambiente enquanto ponto de reflexão e encontro entre as ciências
naturais e sociais e como laboratório de ensaio de novas técnicas e métodos
próprios de outros ramos do direito, em particular, do direito administrativo”
deste modo a gestão dos riscos deve ser um foco central do Direito do Ambiente
e estes são geridos pelo princípio da precaução mas também pelos restantes
princípios orientadores.
Como se poderá observar todas estas
ideias culminam no facto de que o princípio da precaução requerer que as
políticas e decisões que apresentem significativos riscos ambientais sejam
precedidas de estudos de avaliação de impacte ambiental efectuadas pela
autoridade de AIA. Na verdade, as avaliações a que estão sujeitos os projectos
são um valioso instrumento do princípio visto que pretendem assegurar que as
decisões sejam tomadas com base na melhor informação científica disponível.
É ainda
pertinente afirmar que existem várias posições doutrinárias relativamente a
este princípio embora passiveis de ser
reconduzidas a três grandes acepções. De um lado diremos que aqueles que estão
presos a uma visão puramente economicista da sociedade (os adeptos mais
radicais das teorias antropocêntricas) que procuram cingir a actuação do
princípio apenas relativamente aos riscos com elevadas probabilidades de
ocorrência e comulativamente a actuação seja idónea a provocar um dano grave.
Por outro lado, os defensores das teorias ecocêntricas, defendem uma concepção
maximalista, que traduzirá o princípio numa ideia de abstenção, exigindo-se zero
risco para que a actuação/projecto seja permitido, assim como a introdução de
um novo padrão de prova a nível processual, cabendo ao agente a prova de que a
sua actividade terá zero risco ambiental.
Entre estes dois pólos encontram-se
inúmeras posições intermédias que pretendem únicamente conferir
operacionalidade ao princípio da precaução evitando que este se dilua numa
ramificação do princípio da prevenção. No entanto, e sem cair em
fundamentalismos e exigências irrealistas, perfilhando uma teoria intermédia, sempre
se dirá que estas serão aquelas que, na nossa melhor opinião, nos parecem mais
adequadas, uma vez que, permitirão uma melhor resposta tendo em conta os vários
interesses e cenários de riscos.
D)
Enquadramento Jurídico Constitucional do Princípio da Precaução
A
protecção do ambiente não poderia deixar de ser implementada na Constituição da
República Portuguesa, assim é acolhido o ambiente como direito fundamental no
seu 66º, no entanto são inúmeras as manifestações presentes na CRP que remetem
para uma ideia precaucionária.
O artigo
66º no seu número dois assume já uma vertente preventiva, no entanto,
enquadra-se melhor no âmbito do princípio da prevenção do que própriamente no
princípio da precaução, excepto, na alínea d) ao determinar o aproveitamento
racional dos recursos naturais salvaguardando a capacidade de renovação e
estabilidade ecológica com respeito ao princípio da solidariedade entre
gerações, também desta ideia é visível o conteúdo prático do princípio da
precaução. Também se extrai a ideia inerente a todo o princípio da precauçao no
artigo 9º alíneas d) e e) das quais se retira a ideia de que existe um dever de
promoção e introdução de novas tecnologias orientado para uma gestão operacional
dos recursos naturais; do artigo 81º alíneas l) e m) a mesma ideia de
estabilidade ecológica do 66º d) emerge; no 93º alínea d) postula-se o uso e
gestão racional dos recursos e manutenção da sua capacidade de regeneração, por
último o artigo 90º reforça a directriz fundamental de protecção das
necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de
satisfazerem as suas próprias necessidades.
Efectivamente
a tarefa fundamental do Estado e o dever dos cidadãos de defesa da natureza
numa vertente precaucionista pode ser facilmente extraída da CRP.
Na Lei
de Bases do Ambiente é ainda possível encontrar vestígios deste princípio
embora não tão significativos como os presentes da CRP de modo que não os
mencionaremos, uma vez estarem mais voltados para uma vertente prevencionista.
E)
Considerações Finais:
O
princípio da precaução vem satisfazer um imperativo de ordem racional, filosófica,
social e política. O controlo de riscos ambientais como demonstrado, não só se
apresenta necessário mas em muitos casos possível, uma vez que existem os meios
que permitem diminuir o nível de impacto ambiental que actualmente aceitamos
como razoável.
Este
deve, não só ter operatividade, como ser assumido sem levantar querelas, como
um princípio jurídico-constitucional da política ambiental, assumindo
juntamente com outros princípios um carácter de directriz política que assegura
a conservação ambiental presente e futura.
Apesar de não ter uma consagração
constitucional expressa este princípio constitui um parâmetro jurídico de vinculação
da administração pública.
Em suma, poderemos abreviar o
Princípio da Precaução, em sete ideias chave:
1) Perante a ameaça de danos sérios ao ambiente, ainda
que não existam provas científicas que estabeleçam um nexo causal entre uma
actividade e os seus efeitos, devem ser tomadas as medidas necessárias para
impedir a sua ocorrência.
2) A inversão do ónus da prova, cabendo àquele que
pretende exercer uma dada actividade ou desenvolver uma nova técnica,
demonstrar que os riscos a ela associados são aceitáveis.
3) Uma visão da realidade dos factos parcial, In dubio
pro ambiente ou In dubio contra projectum.
4) Concessão de espaço de manobra ao ambiente,
reconhecendo que os limites da tolerância ambiental não devem ser forçados,
ainda menos, transgredidos.
5) Exigência de desenvolvimento e introdução das melhores
técnicas disponíveis.
6) A preservação de áreas e reservas naturais e a
protecção das espécies.
7) Promoção e desenvolvimento da investigação científica
e realização de estudos completos e exaustivos sobre os efeitos e riscos de uma
dada actividade.
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