quarta-feira, 9 de abril de 2014


O Princípio da Precaução


         O Princípio da Precaução, enquanto princípio orientador do direito do ambiente no ordenamento jurídico português, reveste-se de um complexo de problemas interpretativos quanto ao seu sentido, alcance e conteúdo na sua aplicação. Este será portanto o referencial central da nossa investigação, que visa contribuir para  a formulação de uma opinião que permita concordar ou discordar da sua aplicação.

         A) Enquadramento Histórico:

         Os princípios constitucionais ambientais nasceram de inúmeras conferências internacionais, promovidas pela ONU. As mesmas fizeram despertar um conjunto de preocupações ambientais de impacto global, que apenas se materializaram em 1972, em Estocolmo. É nesta sequência que  surge o Direito Ambiental Mundial e com ele 27 princípios (que constam da Declaração de Estocolmo).

O Princípio do Desenvolvimento Sustentável, da Prevenção e do Poluidor Pagador, são alguns exemplos dos princípios basilares do Direito do Ambiente e que, em breves palavras, marcaram o início de uma nova abordagem legislativa em matéria ambiental.  Estes visam a satisfação de interesses puramente humanos tais como o desenvolvimento da indústria e a exploração científica. Isto é, têm por objetivo, por um lado, garatir às gerações presentes os meios para a satisfação desses interesses e, por outro  a satisfação dos mesmo interesses  também das gerações futuras. Esta não deixa, como tal, de se comportar como uma questão que se prende unicamente com recursos infungíveis que devem ser preservados e protegidos.

         Ora, o princípio da Prevenção foi abordado pela primeira vez em 1972, na supra referida Conferência intergovernamental de Estocolmo. Não obstante, apenas foi desenvolvido mais tarde com o Relatório Brundtland em 1987. Este Relatório foi inovador em diversos aspectos, ressaltando sobretudo uma preocupação que passava por uma alteração do modo de pensamento que até então estava incutido nas mentalidades, de que cada país era “independente” um do outro. Neste ficou patente uma lógica de descompartimentalização de países. Por outras palavras, defendeu-se que o desenvolvimento excessivo, com níveis de poluição superiores à média dos outros países, acabava por trazer danos, não só ao país em causa, mas a todos os países no mundo, fazendo nascer uma preocupação fundamentada quanto ao controlo de lesões ambientais em termos globais.
Pode-se mesmo afirmar que foi neste momento que nasceu a Aldeia Global em que vivemos hoje, tornando-se claro que as repercussões económicas actualmente se sentem a um nivel global. A título de exemplo, a crise económica que se vive no país reflecte-se na economia interna dos outros países da UE, mas não é apenas na área relativa à economia que o “efeito dominó” se faz sentir veja-se outro exemplo, como o desfloramento das terras altas culmina em inundações nas terras baixas. Estes são apenas alguns dos muitos casos que surgiram no Relatório relativamente à encadeação dos efeitos e que por isso não faria sentido compartimentalizar uma legislação relativa ao ambiente em cada estado soberano mas antes numa legislação unívoca e una.
         Em síntese, foi neste meio fértil que surgiu o princípio da Precaução.
        
Na Revolução Industrial, o risco de danos ambientais gerados pela a evolução humana acentuou o custo de oportunidade inerente ao progresso, despertando a necessidade deste princípio que surge pela confrontação de riscos, com efeitos por vezes desprovidos de toda e qualquer racionalização, sendo quase como meras hipóteses de que a sua verificação era possível únicamente baseado no motivo de que nada é impossível.

B) Enquadramento e Sistemática do Princípio da Precaução:

         O princípio da Precaução incorpora uma ideia de bom senso, amparada de uma atitude prudente (tocante aos assuntos relacionados com o meio ambiente) da actuação do ser humano.
         Este princípio norteador do direito do ambiente actua perante riscos e incertezas, ou seja, mesmo quando seja impossível determinar um nexo causal entre um determinado processo/ substância e um dano. Ou seja, impede a concretização de um qualquer acto que implique uma dúvida sobre a sua repercussão num dano ambiental (seja relativamente à fauna ou flora), devendo-se à partida rejeitar um tal possível procedimento.
O princípio em análise encontra-se construído segundo uma lógica “in dubio pro ambiente” ou “in dubio contra projectum”, bastando-se com o mero dano potencial que poderá ser causado no ambiente, devendo por isso o projeto ser negado pelas autoridades competentes.
Esta situação chega mesmo a ser levada ao extremo a nível de prova, isto porque existe uma presunção ilidível de que o ambiente sofrerá um dano, cabendo ao particular/empresa prestar prova de que o negócio não só não causará danos no presente mas também no futuro, (isto para os mais radicalistas defensores do princípio). Ora, tal facto é, na maior parte das vezes, muito difícil de prova funcionando assim como diabólica e que, por isso, dificilmente produzirá os efeitos úteis.
        
Pelo exposto, há quem considere que o princípio em causa se apresenta como um obstáculo à competitividade das empresas por força de um excesso de regulamentação, contudo, a verdade é que este pode igualmente ser entendido como uma fonte de progresso no sentido de optimizar a gestão dos recursos naturais com o desenvolvimento técnico. Assim, e salvo melhor opinião, entendemos que o princípio em estudo se apresenta como uma abordagem inovadora e, como qualquer outra situação inovadora, carece ainda de algum tratamento normativo para que não estejamos perante um Estado de Ambiente ao invés de um Estado de Direito.
        
Aqui chegados, torna-se pertinente invocar alguns factos que revelem a importância deste princípio, por exemplo, se um dano irreversível for causado, certamente haverá impactos semelhantes (para não dizer potencialmente superiores) ao fraco ou débil desenvolvimento industrial e científico.
É certo que, não deixará de haver uma certa discricionariedade, actuando assim numa certa esfera de incerteza. Poderá mesmo colocar-se a seguinte questão: até que ponto é que este conflito de direitos ambientais com outros direitos sociais deve prevalecer?
Por forma a dar resposta a esta pergunta e contribuindo para a diminuição do âmbito de discricionariedade da aplicação deste príncipio julgamos ser importante fazer uma distinção entre os riscos prováveis e irreversíveis e riscos potenciais e reversíveis.
Optando por uma aplicação moderada, cumpre referir que a reversibilidade tanto poderá ser imediata como eminente, mas será que ainda assim não se apresenta a causa do dano como um mal necessário a um fim superior? Imaginemos o seguinte panorama, se uma empresa de exploração de novos métodos de combate ao cancro quiser estar sediada num território, território esse que é o único no mundo que possui flores que possam eventualmente determinar a cura para uma doença, e na sua pesquisa se esgotarem as flores. Fará sentido inibir esta tentativa de progresso em nome do ambiente? Ora, a resposta parece-nos ser negativa. Porque o dano é reversível, as flores podem ser plantadas, e potencial, não existe prova de que na pesquisa serão utilizadas todas as flores, deste modo, defendo um princípio da precaução válido apenas para lesões irreversíveis. Se bem que mesmo nestes casos é muito importante a ponderação entre os bens jurídicos em causa.

Este princípio não deverá ser confundido com o princípio da prevenção, pois neste existe a comprovação de um dano efectivo.

Em suma, concordamos com a protecção dos danos prováveis (porque mesmo quando é provável há incerteza quanto à sua materialização) e irreversíveis.
         Parece-nos importante defender a aplicação mais restrita deste princípio, nos moldes acima referidos, por considerar que há necessidade de ponderar um conjunto de interesses nos quais a própria sociedade actual se move, ou como refere o Professor Gomes Canotilho, haverá que salvaguardar um “reino de incerteza”, uma vez que o próprio desenvolvimento técnológico desenvolveu a par do conforto, bem-estar e aumento da qualidade de vida uma gestão própria dos riscos previsíveis.
        
Um outro vector de discussão em torno deste princípio prende-se com as externalidades.
Na verdade existe uma aceitação de que os riscos ambientais não são exteriores ao Homem, mas antes existem e materializam-se em virtude das decisões tomadas pelo Homem, assim originando uma falta de correspondência entre os sujeitos que tomam as decisões e os sujeitos que são afectados (ex: gerações futuras) pelas mesmas decisões.
Ora este é um mecanismo típico de repartição do risco das sociedades modernas. Este problema para além de colocar em cheque mecanismos de responsabilização afecta igualmente a representatividade bem como a legitimação social das decisões.
A uma escala global, veja-se por exemplo que os países subdesenvolvidos, não abdicam do seu direito ao desenvolvimento industrial em prol de uma reduzida emissão de CO2. Tal facto, aumentaria inclusivamente o custo de produção, eliminando-se a vantagem competitiva da energia não limpa e diminuindo-se o fluxo da evolução industrial. Nestes casos simplesmente não existe opção de sustentabilidade.
Mais gravosos, são ainda os casos patentes dos países desenvolvidos, onde se encontra incutida uma ideia de inércia dos próprios consumidores. Tal significa que os consumidores não abdicam do seu nível de conforto energético, nem existem preocupações em manter o consumo de combustível fossil no limiar do aceitável. Exemplificando, cada consumidor em regra tem a sua viatura, e utiliza a mesma para efectuar todo o tipo de deslocações, até aquelas que poderia fácilmente efectuar a pé, e na maior parte do tempo desloca-se sozinho dentro do veículo, quando o consumidor está no conforto da sua habitação não se preocupa minimamente em verificar se há o mínimo possível de “electronica” habitacional ligada à corrente para conservar o recurso esgotável que possibilita a existência de electricidade.
Ora, para esta realidade, dos países desenvolvidos, sempre se dirá que haveram várias alternativas que dependem de uma implementação de soluções mais sustentáveis. Contudo, para tal, é fulcral que se desenvolva um conjunto prévio de incentivos a uma educação ambiental incutida numa noção de cidadania. Pois, ainda que existam alternativas práticas a estes problemas, se não forem socialmente compreendidos os mesmos acabarão muitas vezes por ser rejeitados ou desvalorizados e assim impossibilitando o desejado nível de conforto. Em boa verdade, o problema do efeito de estufa encontra o seu cerne precisamente neste padrão de existência intrínseco à maioria da humanidade.
Tudo o que ficou dito, serve de base para a premissa de que o principio da precaução mesmo existindo, não tem força jurídica suficiente para impedir a efectivação destas situações, por isso, apesar de, em teoria o princípio da precaução ser inibitor de muitas acções humanas. Na prática essa inibição, mesmo que elevada ao extremo do risco potencial apresenta-se como defensável toda esta estrutura do princípio, sobretudo nos moldes das teorias moderadas em que enquadrei a minha opinião relativamente a danos irreversíveis e prováveis vs danos reversíveis potenciais.

C) Exploração do Princípio da Precaução:

O Princípio da Precaução, consubstancia uma manifestação jurídica de profunda humildade quanto aos limites da ciência. Nas palavras do Professor Gomes Canotilho “pode mesmo afirmar-se que o princípio da precaução constituí o papel emblemático do papel que desempenha o Direito do Ambiente enquanto ponto de reflexão e encontro entre as ciências naturais e sociais e como laboratório de ensaio de novas técnicas e métodos próprios de outros ramos do direito, em particular, do direito administrativo” deste modo a gestão dos riscos deve ser um foco central do Direito do Ambiente e estes são geridos pelo princípio da precaução mas também pelos restantes princípios orientadores.

Como se poderá observar todas estas ideias culminam no facto de que o princípio da precaução requerer que as políticas e decisões que apresentem significativos riscos ambientais sejam precedidas de estudos de avaliação de impacte ambiental efectuadas pela autoridade de AIA. Na verdade, as avaliações a que estão sujeitos os projectos são um valioso instrumento do princípio visto que pretendem assegurar que as decisões sejam tomadas com base na melhor informação científica disponível.

            É ainda pertinente afirmar que existem várias posições doutrinárias relativamente a este princípio embora passiveis de  ser reconduzidas a três grandes acepções. De um lado diremos que aqueles que estão presos a uma visão puramente economicista da sociedade (os adeptos mais radicais das teorias antropocêntricas) que procuram cingir a actuação do princípio apenas relativamente aos riscos com elevadas probabilidades de ocorrência e comulativamente a actuação seja idónea a provocar um dano grave. Por outro lado, os defensores das teorias ecocêntricas, defendem uma concepção maximalista, que traduzirá o princípio numa ideia de abstenção, exigindo-se zero risco para que a actuação/projecto seja permitido, assim como a introdução de um novo padrão de prova a nível processual, cabendo ao agente a prova de que a sua actividade terá zero risco ambiental.

Entre estes dois pólos encontram-se inúmeras posições intermédias que pretendem únicamente conferir operacionalidade ao princípio da precaução evitando que este se dilua numa ramificação do princípio da prevenção. No entanto, e sem cair em fundamentalismos e exigências irrealistas, perfilhando uma teoria intermédia, sempre se dirá que estas serão aquelas que, na nossa melhor opinião, nos parecem mais adequadas, uma vez que, permitirão uma melhor resposta tendo em conta os vários interesses e cenários de riscos.


         D) Enquadramento Jurídico Constitucional do Princípio da Precaução

         A protecção do ambiente não poderia deixar de ser implementada na Constituição da República Portuguesa, assim é acolhido o ambiente como direito fundamental no seu 66º, no entanto são inúmeras as manifestações presentes na CRP que remetem para uma ideia precaucionária.

         O artigo 66º no seu número dois assume já uma vertente preventiva, no entanto, enquadra-se melhor no âmbito do princípio da prevenção do que própriamente no princípio da precaução, excepto, na alínea d) ao determinar o aproveitamento racional dos recursos naturais salvaguardando a capacidade de renovação e estabilidade ecológica com respeito ao princípio da solidariedade entre gerações, também desta ideia é visível o conteúdo prático do princípio da precaução. Também se extrai a ideia inerente a todo o princípio da precauçao no artigo 9º alíneas d) e e) das quais se retira a ideia de que existe um dever de promoção e introdução de novas tecnologias orientado para uma gestão operacional dos recursos naturais; do artigo 81º alíneas l) e m) a mesma ideia de estabilidade ecológica do 66º d) emerge; no 93º alínea d) postula-se o uso e gestão racional dos recursos e manutenção da sua capacidade de regeneração, por último o artigo 90º reforça a directriz fundamental de protecção das necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem as suas próprias necessidades.
         Efectivamente a tarefa fundamental do Estado e o dever dos cidadãos de defesa da natureza numa vertente precaucionista pode ser facilmente extraída da CRP.
         Na Lei de Bases do Ambiente é ainda possível encontrar vestígios deste princípio embora não tão significativos como os presentes da CRP de modo que não os mencionaremos, uma vez estarem mais voltados para uma vertente prevencionista.

         E) Considerações Finais:

         O princípio da precaução vem satisfazer um imperativo de ordem racional, filosófica, social e política. O controlo de riscos ambientais como demonstrado, não só se apresenta necessário mas em muitos casos possível, uma vez que existem os meios que permitem diminuir o nível de impacto ambiental que actualmente aceitamos como razoável.
         Este deve, não só ter operatividade, como ser assumido sem levantar querelas, como um princípio jurídico-constitucional da política ambiental, assumindo juntamente com outros princípios um carácter de directriz política que assegura a conservação ambiental presente e futura.
Apesar de não ter uma consagração constitucional expressa este princípio constitui um parâmetro jurídico de vinculação da administração pública.

Em suma, poderemos abreviar o Princípio da Precaução, em sete ideias chave:

1)   Perante a ameaça de danos sérios ao ambiente, ainda que não existam provas científicas que estabeleçam um nexo causal entre uma actividade e os seus efeitos, devem ser tomadas as medidas necessárias para impedir a sua ocorrência.

2)   A inversão do ónus da prova, cabendo àquele que pretende exercer uma dada actividade ou desenvolver uma nova técnica, demonstrar que os riscos a ela associados são aceitáveis.

3)   Uma visão da realidade dos factos parcial, In dubio pro ambiente ou In dubio contra projectum.

4)   Concessão de espaço de manobra ao ambiente, reconhecendo que os limites da tolerância ambiental não devem ser forçados, ainda menos, transgredidos.

5)   Exigência de desenvolvimento e introdução das melhores técnicas disponíveis.

6)   A preservação de áreas e reservas naturais e a protecção das espécies.

7)   Promoção e desenvolvimento da investigação científica e realização de estudos completos e exaustivos sobre os efeitos e riscos de uma dada actividade.


BIBLIOGRAFIA:

ARAGÃO, Alexandra. A Prevenção de Riscos em Estado de Direito Ambiental na União Europeia.

ANTUNES, Tiago. O Ambiente entre o Direito e a Técnica.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Privatismo, Associativismo e Publicismo na Justiça Administrativa do Ambiente ( As incertezas do contencioso ambiental). Revista de Jurisdição e Jurisprudência.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Introdução ao Direito do Ambiente.

GOMES, Carla Amado. Introdução ao Direito do Ambiente.


TELMA CASTRO Nº 17576

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