A
contratação pública é um modo corrente de realização do interesse público, por
parte da administração, sendo cada vez mais frequentes as preocupações
ambientais, faz sentido falarmos numa contratação ambiental na qual se enquadra
os contratos previstos no Decreto-Lei nº236/98 de 1 de Agosto artigos 68.º e 78.º.
No artigo 68.º
do referido Decreto-Lei, encontramos os contratos de promoção ambiental, que
como o próprio preceito indica, têm em vista a promoção da melhoria da
qualidade das águas e da protecção do meio aquático, através da redução gradual
da poluição causada pela descarga de águas residuais no meio aquático e no
solo.
Já no artigo
78.º do Decreto-Lei, encontramos os contratos de adaptação ambiental, que têm
por objectivo a adaptação à legislação ambiental em vigor, das instalações
industriais e agro-alimentares e à redução da poluição causada pela descarga de
águas residuais no meio aquático e no solo.
Breve análise do regime
Os contratos
de promoção, têm como fim a melhoria da qualidade das águas e do meio aquático
(art.º 68.º n.º1), enquanto que, os de adaptação prevêem a adaptação à legislação
em vigor e à redução da poluição pela descarga de aguas residuais (art.º 78.º
n.º1).
Quanto aos
sujeitos, é inicialmente negociado e celebrado um acordo tipo entre associações
representativas do sector, o ministério do ambiente e o ministério responsável
pelo sector da actividade económica, sendo neste acordo tipo que se fixam as cláusulas
contratuais. A esse acordo inicial, vêm mais tarde a aderir quaisquer empresas
de um determinado sector de actividade, que estejam, ou não, representadas na
associação que celebrou o acordo, e é com esta adesão que se efectiva a celebração
do contrato entre as autoridades administrativas e as entidades aderentes.
Nos contratos de promoção, as empresas
podem aderir em três meses depois de publicado o acordo conforme o artigo 68.ºnº4.
Já nos contratos de adaptação, e de acordo com o artigo 78.º nº4, as
instalações das unidades empresariais do sector contam, também, com um prazo de
três meses para aderir.
No que
respeita ao objecto, os contratos de promoção têm como conteúdo o estabelecimento
de um prazo e a fixação de um calendário nos termos do qual os particulares se
comprometem a normas de descarga mais exigentes do que aquelas que estão em
vigor (art.º 68.º n.º 3). Já nos contratos de adaptação, há igualmente a concessão
de um prazo e fixação de um calendário que contém a definição de normas de
descarga menos exigentes que aquelas que estão em vigor, e que tem de ser
tomadas em conta pela entidade licenciadora, entenda-se Agencia Portuguesa do
Ambiente (APA), aquando da atribuição e renovação da licença de descarga (art.º
78.º n.º 3).
A
fiscalização destes contratos é feita pela APA e tem como referência o plano e
o calendário acordado entre as partes (art.º 68.º n.º 6 para os contratos de
promoção e art.º 78.º n.º6 para os contratos de adaptação). Havendo desrespeito
pelos limites contratualmente estabelecidos a entidade violadora é notificada
da infracção sendo fixado um prazo para a correcção da mesma, indicando-se
consequências para o não cumprimento (art.º68º n.º7). Terminados estes prazos,
sem que a empresa nada tenha feito, pode levar à sua exclusão do contrato (art.º
68.º n.º8) – isto para os contratos de promoção. Desrespeitando-se um contrato
de adaptação ambiental a empresa é igualmente notificada para a correcção das
faltas, sob pena de exclusão contratual e sujeição aos limites legais mais
exigentes (art.º 78.ºn.º7).
Ainda como
característica do regime, as normas redefinidas por contrato serão fixadas por
portaria conjunta do ministério do ambiente e o ministério responsável pelo
sector de actividade económica (artigo 68.º n.º9 e 78.º n.º 10), no entanto, e
estando claramente perante um contrato administrativo, o professor Vasco
Pereira da Silva, não entende a desconfiança do legislador na figura por ele
criada, ao estabelecer a necessidade desta portaria conjunta, “uma vez que estando em causa o contrato
bilateral a intervenção unilateral do governo nada acrescenta, nem ao conteúdo,
nem à eficácia da relação jurídico-administrativa, sendo inútil e ilógico”.
Por isso, a disposição deve ser interpretada de outra forma, entendendo que a
portaria não fixa nada de novo, uma vez que a produção dos efeitos acordados já
decorre do contrato, limitando-se, esta a publicar os resultados alcançados
bilateralmente.
A eventual violação do artigo 112.º
da Constituição da República Portuguesa – O foco do problema:
O artigo
112.º n.º 5 estabelece que “nenhuma lei
pode criar outras categorias de actos legislativos ou conferir a actos de outra
natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar,
suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos”, ora o Decreto-Lei n.º
236/98, ao prever, nos seus artigos 68º e 78º, a possibilidade de se celebrarem
contratos de promoção e de adaptação ambiental, que modifiquem os valores
limites de emissão legalmente estabelecidos, está a conceder a possibilidade de
um contrato alterar o conteúdo de uma lei, o que não é, de todo, o sentido
constitucional.
A professora
Carla Amado Gomes, entende que estes contratos, tendo eficácia externa, ao
modificaram os limites legais são violadores do princípio da legalidade
constante no artigo 112.º n.º5, sendo de determinar a inconstitucionalidade das
figuras. Na opinião da professora o legislador deveria ter previsto a
possibilidade de celebração de contratos de promoção ambiental, sem que eles
tivessem eficácia externa. Porém, no que concerne aos contratos de adaptação ambiental,
deveria ter-se optado, ou pelo estabelecimento de um período transitório, ou,
informalmente, por se ter em consideração a excessiva onerosidade, como
atenuante na aplicação de contra-ordenações. Mais acrescenta que é inaceitável
que tenha sido introduzido “um cavalo de
Tróia” num sector ambiental, que põe em causa os objectivos de prevenção e
correcção na fonte decorrentes do Decreto-Lei n.º 236/98 e que acabam por
demonstrar uma demissão das responsabilidades públicas de protecção do ambiente
e uma violação dos compromissos assumidos perante a União Europeia (cfr. art.º
78.º nº2).
Já o
professor Vasco Pereira da Silva, analisa a eventual violação do princípio da
legalidade apenas do ponto de vista dos contratos de adaptação. Uma vez que
este tipo contratual implica uma derrogação do regime legalmente estabelecido
em matéria de qualidade da água, por via negocial relativamente a cada uma das
empresas aderentes.
Para o professor, a solução passa pela análise dos valores em causa, sendo que
de um lado temos princípios constitucionais, como o da legalidade e tipicidade
das formas de lei, do outro lado, o da eficácia da realização da política
ambiental por via contratual, o da participação dos particulares no exercício da
administração do ambiente e o da tutela da confiança dos particulares. A não
admissibilidade de contratos administrativos que violem os princípios referidos,
não deve significar o afastamento da possibilidade de celebração destes
contratos de adaptação. O que tem de ser feito, é a delimitação do respectivo âmbito
de aplicação, no contexto da ordem jurídica Portuguesa. Assim sendo, o
professor considera admissível a celebração de contratos de adaptação ambiental
no respeitante à margem de decisão da administração, podendo, no limite,
celebrarem-se contratos de adaptação ambiental que se afastem das metas legais,
a título excepcional, desde que haja algum cabimento na previsão legislativa
não havendo uma situação de fraude à constituição ou à lei, nem pondo em causa
os princípios fundamentais da actuação administrativa. Esta solução, que
depende sempre de uma apreciação casuística, passa por considerar que de acordo
com o espírito do sistema, o fim do artigo 112.º n.º6 da CRP é antes o de
evitar fugas à hierarquia dos actos normativos, tendo que os contratos de
adaptação ser encarados como um mecanismo concertado e gradual da aplicação da
lei, nos termos em que ela estabelece, não se encontrando assim nenhuma
violação constitucional. No entanto, esta situação deveria ficar pendente de
outras condições, como o de considerar que a lei fixadora do limite consagra
dois regimes jurídicos, um geral e um especial, este último ficaria dependente
da celebração de um contrato administrativo. Outra condição seria a de entender
que o regime especial estaria sempre limitado pelas regras de competência e
pelos princípios fundamentais da actividade administrativa, constitucionalmente
garantidos. Verificadas estas condições, o professor Vasco Pereira da Silva,
julga que é de considerar a admissibilidade dos contratos de adaptação
ambiental no ordenamento português.
No meu ponto
de vista, e com o devido respeito pelo professor Vasco Pereira da Silva,
considero que o problema da violação do princípio da legalidade não se coloca
apenas quanto aos contratos de adaptação, uma vez que os contratos de promoção
também derrogam os valores legalmente estabelecidos independentemente de serem
mais exigentes.
Numa linha de pensamento mais próxima da
professora Carla Amado Gomes, acho que o legislador deveria ter previsto a
possibilidade de, a requerimento, as empresas que não estivessem em condições de
respeitar os limites máximos estabelecidos beneficiassem de um período transitório
de adaptação aos limites legais, sem nunca depender esta adaptação de uma
figura contratual que no limite é violadora, não só do princípio da legalidade,
mas também da promoção ambiental. Considero, também, que em vez de se prever a
possibilidade de celebração de contratos de promoção ambiental, o legislador
deveria ter previsto um conjunto de incentivos às empresas, que consigam ir
para além dos limites legalmente estabelecidos, sendo mais eficientes.
Bibliografia:
PEREIRA DA SILVA, Vasco; “Verde Cor de Direito, Lições de Direito do Ambiente”, Coimbra, 2002
PEREIRA DA SILVA, Vasco; “Verde Cor de Direito, Lições de Direito do Ambiente”, Coimbra, 2002
AMADO
GOMES, CARLA; ‘Introdução ao Direito do Ambiente’;
AAFDL, 2012.
Ana Rita Pereira
n.º 21027
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