O
Regime da Responsabilidade Civil por Dano Ecológico
0.Introdução
1.O dano ecológico 2.A Directiva 2004/35/CE, do Parlamento Europeu e do
Conselho de 21 de Abril 3.O regime de
responsabilidade por dano ecológico plasmado no DL nº 147/2008 de 29 de Julho 4. Conclusões
0.
Introdução
O tema da responsabilidade por danos ecológicos
tem sido, ultimamente, bastante debatido pela doutrina, tendo sido criado há
relativamente pouco tempo legislação sobre este assunto.
Trata-se de um tema muito relevante no
âmbito do Direito do Ambiente na medida em que o escopo do instituto da
responsabilidade ambiental é ressarcir a geração presente pela deterioração do
estado de um certo elemento ambiental e proporcionar às gerações vindouras um
semelhante grau de fruição, restabelecendo, quando possível, o estado anterior
à ocorrência do facto lesivo. A responsabilidade civil é, assim, um instrumento
cujo objectivo se traduz na manutenção do status
quo ecológico, em nome das gerações seguintes.
1.
O
dano ecológico
Entende a doutrina maioritária que o
dano ecológico é o dano causado à integridade de um bem ambiental natural
(como, a água, a o solo, o subsolo, a atmosfera, a fauna e a flora), sem que
tenham sido violados direitos individuais.
Esta noção de dano ecológico não foi
aceite de imediato por uma série de razões. Primeiro, foi a vocação tendencialmente
preventiva do Direito do Ambiente a justificar a não adopção do dano assim
entendido. Depois, do ponto de vista axiológico, a lógica predominantemente
antropocêntrica, segundo a qual o homem era visto como o centro das
preocupações ambientais também obstou à ideia de dano ecológico. Além destas
razões acresceram outras dificuldades práticas, como, a convergência de causas
(naturais e humanas) para a ocorrência do dano, a dilação temporal entre o
facto e o dano, o fenómeno da poluição difusa.
O conceito de dano ecológico não se
confunde, assim, com o de dano ambiental. Este último corresponde aos danos
sofridos na esfera juridica de um sujeito , isto é , aos danos provocados a
pessoas ou bens através do ambiente; o dano ambiental está relacionado com a
repercussão numa determinada esfera patrimonial de uma lesão ao ambiente.
2.
A Directiva 2004/35/CE, do Parlamento Europeu
e do Conselho de 21 de Abril
Muito sinteticamente pode dizer-se que a Directiva
2004/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho de 21 de Abril (doravante,
referida apenas como Directiva)
estabelece um quadro de responsabilidade ambiental baseado no princípio do
poluidor-pagador, com vista a prevenir e reparar os danos ambientais.
Nos termos da Directiva os danos ambientais
são determinados como os danos causados ao meio aquático abrangido pela
legislação comunitária relativa à gestão da água; os
danos causados às espécies e habitats naturais protegidos a nível comunitário ao
abrigo do regime da Rede Natura 2000;e os danos causados ao solo,
com risco importante para a saúde humana.
Quanto ao âmbito de aplicação, o
princípio de responsabilidade aplica-se aos danos ambientais e às ameaças
iminentes de tais danos, quando resultem de actividades profissionais, desde
que seja possível estabelecer uma relação de causalidade entre o dano e a
atividade em questão.
A diretiva distingue então duas
situações complementares, às quais se aplicam mecanismos de responsabilidade
distintos: por um lado, no caso de actividades profissionais enunciadas pela
diretiva, por outro, no caso das restantes atividades profissionais.
O primeiro mecanismo de
responsabilidade aplica-se às actividades profissionais perigosas ou potencialmente
perigosas enunciadas no anexo III da Directiva. Trata-se principalmente de actividades
agrícolas ou industriais sujeitas a licença por força da Directiva relativa à prevenção e controlo integrados da poluição, de actividades emissoras de metais
pesados para os meios aquático ou atmosférico, de instalações produtoras de
substâncias químicas perigosas, de atividades de gestão de resíduos
(nomeadamente, aterros e instalações de incineração), assim como de atividades
relacionadas com organismos geneticamente modificados e microrganismos geneticamente modificados. Segundo este primeiro mecanismo, o
operador pode ser responsabilizado mesmo que não tenha cometido infração.
O segundo mecanismo de
responsabilidade aplica-se a todas as atividades profissionais distintas das
enunciadas no anexo III da diretiva, mas unicamente se houver dano ou ameaça
iminente de dano às espécies e habitats naturais protegidos pela legislação
comunitária. Neste caso, a responsabilidade do operador só será imputada se
houver infração ou negligência da sua parte.
A Directiva prevê diversos casos de
exclusão da responsabilidade ambiental. Com efeito, o mecanismo de
responsabilidade não se aplica em caso de dano ou ameaça iminente de dano
resultantes de um conflito armado, de uma catástrofe natural, de atividades no
âmbito do Tratado que institui a Comunidade Europeia da Energia Atómica, de
atividades de defesa nacional ou segurança internacional ou de atividades no
âmbito de determinadas convenções internacionais enunciadas no anexo IV.
3.
O regime de responsabilidade por dano
ecológico plasmado no DL nº 147/2008 de 29 de Julho
Em
resposta à necessidade de criar um regime mais adaptado à protecção do Ambiente
foi publicado o DL nº 147/2008 de 29 de Julho que transpôs a Directiva 2004/35/CE. Pretendeu-se, assim, harmonizar
as legislações dos vinte e sete Estados-membros em relação ao tema da prevenção
e reparação do dano ecológico (conforme a definição prevista no artigo 11º/1/d
do RJRDA), e só deste.
A
introdução deste regime representou um grande avanço em relação à
responsabilidade civil ambiental e uma melhoria significativa quanto à sua
aplicação prática. No entanto, ao lermos o preâmbulo do RJRDA e a Directiva
encontramos muitos elementos que não são coincidentes (e só esses serão
expostos e analisados seguidamente, pois quanto aos elementos concordantes não
há muito a acrescentar).
A
Professora Carla Amado Dias num artigo que escreveu relacionado com o tema da
responsabilidade ambiental fez uma análise dos reflexos da Directiva sobre o
RJRDA. E observou algumas diferenças de regime, designadamente, quanto ao
alargamento dos âmbitos objectivo e subjectivo de aplicação do DL nº147/2008.
Ora,
fala-se em alargamento do âmbito objectivo de aplicação porque o RJRDA
contempla no seu artigo 11º danos causados à água, danos causados ao solo e
danos causados às espécies e habitats
animais protegidos ao abrigo da legislação aplicável, portanto, ficam
protegidos todos os exemplares de fauna e flora que estiverem abrangidos por
instrumentos de protecção inseridos no Sistema Nacional de Áreas Classificadas
e não apenas aqueles abrangidos pelo regime da Rede Natura 2000 conforme se
prevê na Directiva.
Quanto ao alargamento do âmbito subjectivo é
de referir que o RJRDA segue o alargamento que a Directiva prescreve (desafectando
os lesantes da estrita indicação de actividades do Anexo III); assim, enquanto
a Directiva impõe a responsabilização, assente na culpa, de todos os sujeitos e
entidades, públicas e privadas, independentemente da actividade por danos
causados a espécies e habitats
protegidos, o RJRDA (artigo 13º) acrescenta a este universo a responsabilização
daqueles por quaisquer danos ecológicos, desde que compreendidos nas categorias
do artigo 11º/1/e) (portanto, também compreende os danos causados ao solo e à
àgua).
Outro
aspecto importante que a referida autora aborda, de uma prespectiva bastante
crítica, está relacionado com a não consideração dos danos causados ao ar como
danos ecológicos. A Directiva não os menciona e o legislador nacional seguiu a
mesma opção. Todavia, o ar é também um bem ambiental merecedor de tutela, por
isso, parece que estamos diante de uma lacuna.
De
outra prespectiva, partindo da análise jurídica da responsabilidade ambiental,
o Dr. Tiago Antunes, na leitura que faz deste regime também nota algumas
diferenças significativas entre a Directiva e o complexo e multifacetado RJRDA.
A
primeira diferença que aponta está relacionada com o tipo de danos ambientais
em causa. A directiva trata dos danos ecológicos puros, ou seja, dos danos
causados à natureza em si mesma, já o RJRDA pretendeu abranger todo o tipo de
danos sofridos por via da lesão de um qualquer componente ambiental (estão,
portanto, abrangidos neste âmbito tanto os danos pessoais, como os pessoais ou
patrimoniais).
Outra
dissemelhança apontada tem a ver com a circunstância de a Directiva visar a
prevenção da ocorrência de danos ou, quando tal não seja possível, a reparação
in natura e o RJRDA admitir variadas formas de compensação dos sujeitos lesados
(incluindo o pagamento de indemnizações).
Por
fim outra diferença bastante notória tem a ver com o facto de a Directiva ter
confiado importantes tarefas às autoridades administrativas competentes e o
RJRDA ter optado pela solução de dotar os particulares de direitos
indemnizatórios, investindo o cidadão da qualidade de zelador do ambiente.
O Dr. Tiago Antunes depois de expor esta
diferenciação de abordagens faz uma leitura acerca do RJRDA, que não é de todo
unanime na doutrina. Explica que estamos diante de um diploma dual, porque, existe
uma mistura de responsabilidades, por um lado, temos uma responsabilidade civil
no sentido civilístico do termo (o legislador não quis abdicar deste mecanismo
tradicional, assente na indemnização de danos individuais), e por outro lado,
temos a responsabilidade civil que a Directiva trata (uma responsabilidade ambiental que se
afasta significativamente do modelo civilista da responsabilidade civil; em vez
de uma relação de tipo ressarcitório, entre lesante e lesado, temos um regime
assente na prevenção (a par da reparação) de danos à natureza, no qual as
entidades publicas desempenham um papel de relevo). Em termos
sistemáticos as coisas estão bem separadas para esta doutrina: a
par da reparação dos danos ecológicos puros (de que trata a Directiva e o
Capitulo III do RJRDA), o direito português da responsabilidade ambiental
regula também a reparação dos danos infligidos a pessoas ou bens (matéria de
que trata o Capitulo II do RJRDA). Assim, e em conclusão, o RJRDA é composto
por dois mecanismos distintos de responsabilidade: um que se dirige unicamente
a tutela da natureza; e outro que visa compensar as lesões subjectivas
provocadas pela poluição.
4.
Conclusões
A
principal conclusão que se retira é que a responsabilidade ambiental é,
efectivamente, um importante mecanismo de protecção ambiental.
A
transposição da Directiva 2004/35/CE para o ordenamento jurídico português foi louvada
e vista com grande entusiamo pela doutrina, uma vez que passou a haver um
sistema estruturado e uniforme de responsabilização por danos causados ao ambiente.
Todavia,
o regime plasmado no DL 147/2008 presta-se a variadas leituras e é, por isso,
alvo de algumas críticas que se prendem essencialmente com a sua falta de
clareza e ambiguidade. Contudo, a responsabilidade ambiental é um tema ainda
bastante recente e creio que a estas dúvidas interpretativas serão superadas,
já que se trata de uma questão que tem chamado bastante a atenção da doutrina e
que está cada vez mais na ordem do dia.
Bibliografia:
ANTUNES,
Tiago/ GOMES, Carla Amado (coordenação), «O
que há de novo no Direito do Ambiente?- Actas das Jornadas de Direito do
Ambiente », AAFDL, Lisboa, 2009;
CEBOLA,
Cátia Marques/ MENDES, Jorge Barros/ FERRÃO, Marisa Caetano/ ALMEIDA, Susana(coordenação),
«Direito do Urbanismo e do Ambiente-
Estudos Compilados », Quid iuris?, Lisboa
Sites:
Rute Nobre, nº21039
Sem comentários:
Enviar um comentário