sexta-feira, 23 de maio de 2014

Contencioso Ambiental, uma dualidade de jurisdições ou nem por isso?


Olhando para o regime em vigor no que se refere ao Direito do Ambiente, que é importante frisar se trata de Direito Administrativo especial, podemos rapidamente verificar que o acesso à justiça e a informações dos vários procedimentos relacionados com o Ambiente por parte dos interessados/particulares são pedras basilares deste ramo do Direito.
Como tal, seria fácil afirmar que a jurisdição Administrativa, vulgo Tribunais Administrativos, seriam a jurisdição indicada para o fazer. No entanto, há que fazer aqui uma revisão do sistema para podermos chegar a essa conclusão.

Começando pelo mais importante, é necessário desde já referir o Direito fundamental ao Ambiente concretizado no artigo 9º alíneas d) e e) da constituição da República portuguesa, assim como o artigo 66º, que se apoiam no artigo 52ª para permitir a todos os cidadãos a defesa dos seus direitos, individuais ou colectivos. Neste campo, referir ainda a Lei nº 46/2007, que transpõe a Directiva n.º 2003/98/CE  que regula o acesso aos documentos administrativos. Breve referência à referência feita (passo o pleonasmo) pelo Professor Vasco Pereira da Silva a GIANNINI que nos diz “no direito positivo contemporâneo o procedimento formalizado tornou-se um modo geral de desenvolvimento das actividades públicas”.
Estando a Administração a actuar numa lógica de proibição sob reserva de permissão, devido aos valores em causa (ambiente, saúde pública e sustentabilidade) antes de se iniciarem um certo tipo de actividades, é normal a intervenção da Administração. Intervenção essa que está consagrada em vários diplomas legais, onde se baseiam vários actos autorizativos, trâmites de actuação dos operadores, etc.

O artigo 212º, nº3 CRP, atribui competência aos tribunais administrativos para resolver os litígios emergentes de relações jurídicas administrativas, uma vez que muitos dos litígios em matéria ambiental são litígios de natureza jurídico-administrativa, quer por serem de direito administrativo as normas que protegem o ambiente, quer por serem em grande medida, imputáveis a entidades administrativas importantes agressões ao ambiente.
Ora o ETAF, no seu artigo 4º nº1 alínea b), parece consumir quase a totalidade do que aqui referimos, no nosso caso específico, em matéria ambiental. Para além deste, temos também a alínea l) do mesmo artigo, claramente dirigida às acções propostas por autores populares, não deixando aqui de se fazer referência ao artigo 9º nº2 do CPTA. Mais uma vez, para o Professor Vasco Pereira da Silva há "uma tendencial unidade jurisdicional em matéria de responsabilidade ambiental", referindo-se o Professor de Lisboa ao citado Art. 4º nº1 alínea l) do ETAF.

Olhando para o conteúdo normativo referido, parece não haver dúvidas que o contencioso ambiental pertence à jurisdição Administrativa, pelo menos na grande maioria dos casos. Em primeiro lugar dizer que, havendo dano ambiental, trata-se de um dano público e como tal justifica acção judicial por via administrativa, quer sejam os intervenientes de cariz público ou privado, por via da acção administrativa comum (art. 37 do CPTA)

Não se afirma legalmente a competência total aos Tribunais Administrativos e Fiscais, nem se fixou definitivamente uma única jurisdição competente na matéria ambiental.
No entanto, o que resta para o foro civil é muito pouco. Tratam-se apenas das "relações puramente privadas, relativamente às quais não se coloque qualquer possibilidade de controlo, fiscalização ou polícia, por parte das autoridades administrativas - o que será uma hipótese muito rara", afirma o nosso regente num artigo da sua autoria.

Já a Professora Carla Amado Gomes considera que ficam fora do foro administrativo as situações, também escassas, em que o dano ambiental provocado por um privado ao lesado consome o dano ecológico sofrido pelo ambiente. Ou seja, quando um particular pretende o ressarcimento de um dano que "para si, é primordialmente um dano patrimonial.

Por fim, breve nota para o Professor Aroso de Almeida, que refere ainda que a competência da jurisdição administrativa depende apenas da circunstância de a agressão ao ambiente ser directamente levada a cabo por uma entidade pública. O Professor refere ainda o art. 1º nº1 do ETAF, como tendo características residuais em relação às situações não previstas no art. 4 do mesmo diploma.

Bibliografia
Carla Amado Gomes, introdução ao Direito do Ambiente, AAFDL, 2014  
Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo, 2012
Mário Aroso de Almeida, Tutela Jurisdicional em Matéria Ambiental, in Textos do Direito do Ambiente, 2003
Vasco Pereira da Silva , Verde Cor de Direito. Lições de Direito do Ambiente, Almedina 2002
Vasco Pereira da Silva, versão escrita da intervenção realizada no Colóquio sobre  “As Novidades Legislativas no Direito do Ambiente, organizado pelo Instituto de Ciências Jurídico-Políticas, que teve lugar na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, no dia 14 de Novembro de 2008.


Trabalho realizado por António Belair, aluno nº 18021

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