domingo, 18 de maio de 2014



O Direito do Ambiente e a sua tutela penal  

Com este trabalho procuro abordar questões sobre a tutela penal do ambiente, tendo como objetivo abordar o porquê da criação do direito penal do ambiente, o surgimento e a sua importância para o meio ambiente. Não entrando, nas questões técnicas próprias da disciplina de direito penal, apenas abordando o necessário para o entendimento do tema no seio da Disciplina de Direito do Ambiente.
            Nos nossos dias o instituto do Direito do Ambiente ganhou uma importância crescente, é importantíssimo tutelar o ambiente, protegendo-o, evitando danos ambientais e danos ecológicos, tendo em conta a sua distinção, a responsabilidade civil apesar do seu papel fundamental, já não é bastante, surgindo assim a tutela penal.
            Se observarmos a Constituição da Republica Portuguesa (adiante CRP) podemos ver que apesar de o ambiente pertencer a uma das tarefas fundamentais do Estado, artigo 9º alínea e), não existe nenhuma exposição que diretamente obrigue à criação de um sistema sancionatório que não o direito civil. Ou seja, não há uma exigência na CRP que se tenha de criar um sistema penal e contraordenacional para tutelar o ambiente, nem no artigo 52º, nem no artigo 66º. Além disso, o principio da interferência mínima presente nos artigos 18º n.ºs 2 e 3 conjugados com o artigo 29º remetem a reserva da tipicidade penal para situações considerados muito graves a nível social, o que pode não ser consensual com as questões ambientais.
            Contudo, sabemos que o direito ambiental é um ramo importantíssimo nos nossos dias, e por vezes surgem grandes violações ao ambiente, como tal apesar de não existir um dever sancionatório expresso na CRP, existe um dever de prevenção, logo, para a sua concretização será indispensável a criação de sanções para certo tipo de danos ecológicos.
            No nosso ordenamento dá-se primazia à tutela sancionatória administrativa, apesar de a Diretiva 2008/99/CE do Parlamento e do Conselho de 19 de novembro sobre proteção penal do ambiente, reforçar a nível nacional a tutela penal ambiental.
            No entanto, a criação desta tutela penal é recente, remete-se apenas ao século passado, a questão de criminalizar condutas lesivas ao ambiente trouxe grandes interrogações, o que levantou vários problemas perante os penalistas, pois colocou-se a pergunta se seria possível a criação de um direito penal do ambiente.
            As respostas a estas questões prendem-se essencialmente com o direito penal, devido a conceitos essenciais como bem jurídico, por exemplo. Pois, não é desde sempre que se considera a defesa do ambiente como uma dimensão de um bem jurídico objetivo fundamental, integrando os valores sociais comuns da sociedade. No entanto, tornou-se possível a criação de crimes ambientais, mas o direito do ambiente deve ser tutelado essencialmente pela via penal ou pela via administrativa (sancionatória)?
Neste sentido, podemos encontrar alguns argumentos a favor que pendem para uma ou para outra via. Como fundamentos da tutela sancionatória pela via penal encontramos entre outros: - a maior dignidade jurídica que é atribuída ao direito do ambiente pela existência de crimes ambientais, garantindo-lhe assim uma maior defesa; - a maior intensidade da tutela ambiental, que tal como o anterior contribui para uma maior defesa do ambiente, pois, aplicando-se a tutela penal o ordenamento jurídico vai responder com mais vigor às violações ambientais, na medida em que as medidas penais são mais severas para o individuo; - mas por outro lado é dotado de mais garantias, na medida em que o processo penal tem um grande conjunto de garantias para o arguido.
No entanto, surgem depois argumentos inconvenientes ao direito penal como: - o facto de o direito ambiental assentar sobre um princípio de prevenção, enquanto o direito penal tem um sentido de repressão dos comportamentos infratores; - situações que se prendem com especificidades penais, pela imputação de responsabilidade penal ser individual, e no foro ambiental, muitos dos grandes ilícitos serem provocados por pessoas coletivas, no entanto, este argumento foi ultrapassado hoje em dia com o aparecimento do artigo 11º do Código penal (adiante CP); - muitos dos crimes ambientais surge por violação de prescrições administrativas, o que poderia colocar o direito penal como acessório ao direito administrativo, o que levaria a uma desacreditação do direito penal, algo que os penalistas jamais permitiriam.
Surgem depois os argumentos a favor de uma tutela sancionatória pela via administrativa, tais como: a simplicidade do procedimento administrativo permitir uma maior celeridade e eficácia na punição do infrator; - o problema das pessoas coletivas visto que anteriormente não se colocava. Os argumentos contrários prende-se essencialmente com os argumentos a favor da tutela penal, ou seja, a via preferencial da tutela administrativa pode levar a uma diminuição das garantias de defesa dos indivíduos, a defesa das infrações ambientais estar sujeita apenas a custos das atividades, ou seja, se a infrações estiverem sujeitas apenas ao pagamento de uma quantia, pode levar a um ajuste contabilístico e ser lucrativo cometer delitos ambientais. Na minha opinião, este é um argumento que deve ter bastante peso, pois muitas das vezes são as pessoas coletivas com robustez financeira que realizam atividades propicias à violação do ambiente, e assim, tornar-se ia muito fácil e pouco prejudicial certos delitos ambientas.
Tendo tudo isto em conta, o que se optou foi um paralelo ente a tutela contraordenacional e penal, assim permanece um equilíbrio entre uma e outra. Pois existe atos em que a sanção penal pode não ser necessária, mas há outros, que tendo em conta o anseio pela procura de lucro do quotidiano, esta é essencial, para se poder permitir uma defesa eficaz do ambiente. Assim, tendo em conta a grandeza que o direito do ambiente foi alcançando, hoje não resta qualquer dúvida que representa um bem jurídico e que portanto, será protegido pela tutela penal e não apenas por sanções civis e administrativas. Isto porque, verificando-se o ilícito ambiental e a existência de danos, a eficácia do direito penal mantém-se perspicaz para a recomposição do dano e imposição de sanções, em último caso, podendo chegar à privação da liberdade (pena de prisão).
Vistos estes argumentos, e considerando que hoje em dia há direito penal ambiental, cumpre desde já, falar no bem jurídico, algo que já mencionamos em cima. É reconhecível a dignidade penal do meio ambiente, podemos encontrar no artigo 66º CRP com a epígrafe “ambiente e qualidade de vida” a defesa pelo ambiente, daqui podemos retirar o ambiente enquanto bem jurídico, algo que é reforçado pelo artigo 9º e) quando identifica o ambiente como uma tarefa fundamental do Estado.
            Neste contexto de tutela penal ambiental, considero importante a referência da sentença preferida no dia 23 de fevereiro de 1990 (proc. 278/89), denominado o caso das cegonhas brancas. Esta foi uma sentença com uma grande importância ao nível de jurisprudência ambiental, uma vez que a arguida no processo foi sujeita a uma sanção de direito penal e ainda ao pagamento de uma indeminização cível. Podemos retirar uma frase da própria sentença que nos mostra como a tutela penal faz parte do direito do ambiente, assim: “O circunstancionalismo fáctico apurado é, nquestionável­mente, merecedor de censura pena”. Iremos agora muito resumidamente identificar os factos do caso, assim: em Coruche numa quinta encontravam-se vários ninhos de cegonhas brancas, espécie protegida, tendo a arguida conhecimento deste facto, destruiu pinheiros que tinham albergado ninhos das referidas cegonhas, importante referir que estas estavam no período de nidificação. Existiam vários diplomas legais, como a Diretiva 9/409/CEE do Conselho de 2 de Abril de 1979, Convenção de Berna relativa à conservação da vida selvagem e dos “habitats” naturais da Europa, entre outros nacionais que protegiam a situação. Deste modo, “Pelo exposto, julga-se a acusação procedente por provada e, consequentemente, condena-se a arguida pela autoria de um crime previsto no artº 18º nº 1 al. A) da Lei nº 30/86, de 27.8 e punível pelo artº 31º nº 8 do mesmo diploma legal, infringindo dessa forma, igualmente, a Directiva 79/409/CEE, de 2.4.79 (actualizada pela Directiva 85/411/CEE, de 25/6/85) e a Convenção de Berna relativa à conservação da vida selvagem e dos “habitats” naturais da Europa (aprovada para ratificação pelo DL 95/81, de 23.7), na pena de oitenta dias de prisão, substituídos por igual tempo de multa à taxa diária de mil escudos, e de cinquenta dias de multa à mesma taxa diária, ou seja, na multa única de cento e trinta mil escudos, em alternativa de 87 (oitenta e sete) dias de prisão.”
            É demonstrado aqui de forma clara e evidente o direito penal ambiente, por isso, foi este caso muito falado na altura, consagrou uma defesa ao direito do ambiente, não ficando por sanções administrativas, mas sim passando para o plano do direito penal. Este é um exemplo, de que não há dúvidas que perante algumas infrações ambientais é a tutela sancionatória penal que é chamada a interferir.
            Outro ponto que quero falar por achar importante tendo em conta o estudo em análise é o crime de poluição, como um exemplo de um crime ambiental. Desde logo podemos encontrar o artigo 279º do CP, que prevê exatamente a poluição. Uma das coisas que é identificada desde logo é a acessoriedade, pois, é deixado de forma clara que no artigo 279º nº1 que este atua a “quem, não observando disposições legais, regulamentos ou obrigações impostas pela autoridade competente (…) ”. Ou seja, estamos aqui perante um dos argumentos que vimos anteriormente como negativos há existência de tutela penal, no entanto, é entendido que houve um “aceitar” desta acessoriedade. Algo que sempre surgiu desde a previsão deste crime, foi a definição de poluição, algo que o CP não faz, assim foi-se tentando encontrar esta resposta noutros textos legais, nomeadamente na Lei de Bases do Ambiente (LBA), a qual qualifica poluição nos artigos 8º, 10º, 11º, 13º, 14º e 22º, que definirem poluição atmosférica, hídrica, do solo e subsolo e sonora respetivamente.
            Além deste, outras são as epigrafes do CP que preveem crimes ambientais, artigo 278º, 279º -A, entre outros, estando aqui presentes, não podemos negar a existência do direito penal ambiental no nosso ordenamento jurídico, independentemente das especificidades técnicas penais que ainda hoje se colocam.
            Podemos ver que é assim considerado a existência de bem jurídico ambiente como digno de ser tutelado pela via penal, mas a pergunta que ainda permanece é, se esta tutela penal cumpre de forma eficaz o necessário para a defesa (prevenção) do ambiente.
            O direito penal atua na medida das suas possibilidades, mas é certo que não pode existir apenas uma tutela sancionatória penal, até porque esta deve reservar-se às ofensas mais graves. Tal como vimos em cima, o direito penal está reservado para as situações consideradas mais graves a nível social, portanto, não pode abarcar tudo, se não poderia cair na “normalização”.
A sua importância e contributo, nomeadamente em alguns casos, é necessário uma pena “mais grave”, porque os danos causados são desastrosos e apenas uma coima, não iria impedir os mesmos. E porque é suficientemente digno de bem jurídico e repressão penal, deverá existir quando as pessoas violem certas normas ambientais, como no artigo 279º do CP.
No entanto, esta importância não pode fazer apagar o que vimos no parágrafo anterior, e consequentemente este sozinho não seria apto a resolver os problemas ambientais, é necessário o complemento com a atividade administrativa.
Um dos pontos onde podemos ver a atividade administrativa, é no princípio da proibição sob reserva de permissão, este tem um papel essencial na prevenção de danos ecológicos, ou seja, complementa um dos princípios basilares do direito do ambiente, o princípio da prevenção.
A tutela sancionatória administrativa exprime-se através de medidas restritivas que penalizam o incumprimento de deveres que resultam de normas regulação administrativa, são medidas inibitórias de gozo de direitos, que se podem compreender em revogação ou suspensão de autorizações, apreensão de equipamentos, entre outros. A possibilidade de aplicar sanções pelo mero incumprimento de deveres legais de proteção, contribui para a essencialidade das sanções administrativas, porque em sede, de prevenção esta possibilidade dá um grande contributo.
Importa referir a Lei 50/2006, de 29 de agosto a qual teve como principal motivo a criação de um regime contraordenacional de direito do ambiente unificando as múltiplas previsões dispersas e dando categoria às contraordenações como, leve, grave e muito grave, contribuindo assim para a unidade da ordem jurídica. Tendo em conta a matéria que está a ser desenvolvida esta vem permitir a cumulação de sanção contraordenacional e criminal, no seu artigo 28º.
Concluindo, podemos dizer que o direito do ambiente é um ramo que tem vindo a crescer ao longo dos tempos, tem os seus traços específicos, principalmente quando falamos em danos ecológicos. Por isso, foi tão problematizada a sua tutela penal, não era concebível punir pessoas através de sanções penais, porque infringiram normas ambientais, na realidade penso que não era aceitável imaginar-se tal restrição aos indivíduos, por terem praticado um ato contra o ambiente, como poluir águas, por exemplo.
Mas hoje, esta situação está claramente ultrapassada, este é um ramo como outro qualquer apenas com algumas características próprias, uma vez que os danos, aqui, são seriamente graves e muitas vezes irreparáveis. Portanto, aceita-se o direito penal ambiental, existem crimes ambientais, que só este ramo do direito pode sancionar de forma eficaz. No entanto, há outras infrações que cabem à tutela sancionatória administrativa, assim ambas servem o direito ambiental, cada uma na sua medida.


Bibliografia:
·          Verde Cor de Direito/ Vasco Pereira da Silva
·          Introdução ao Direito do Ambiente/ Carla Amado Gomes
·          Temas de Direito do Ambiente, Cadernos o Direito, nº6
O crime de poluição antes e depois da revisão do Código Penal de 2007/ Luis Batista
·          Estudos em Homenagem a Miguel Galvão Teles, Volume I
As Contra-ordenações ambientais no quadro da Lei 50/2006, de 29 de Agosto: Considerações gerais e observações tópicas/ Carla Amado Gomes
·    O Moderno Direito Penal do Ambiente: Seus aspectos preventivos e Reparador/Maria Bastos Balazeiro


Joana Rita Fonseca
Nº20640

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