O Direito do Ambiente e a sua tutela penal
Com este trabalho procuro abordar questões sobre a tutela
penal do ambiente, tendo como objetivo abordar o porquê da criação do direito
penal do ambiente, o surgimento e a sua importância para o meio ambiente. Não
entrando, nas questões técnicas próprias da disciplina de direito penal, apenas
abordando o necessário para o entendimento do tema no seio da Disciplina de
Direito do Ambiente.
Nos nossos dias o instituto do
Direito do Ambiente ganhou uma importância crescente, é importantíssimo tutelar
o ambiente, protegendo-o, evitando danos ambientais e danos ecológicos, tendo
em conta a sua distinção, a responsabilidade civil apesar do seu papel
fundamental, já não é bastante, surgindo assim a tutela penal.
Se observarmos a Constituição da
Republica Portuguesa (adiante CRP) podemos ver que apesar de o ambiente
pertencer a uma das tarefas fundamentais do Estado, artigo 9º alínea e), não
existe nenhuma exposição que diretamente obrigue à criação de um sistema
sancionatório que não o direito civil. Ou seja, não há uma exigência na CRP que
se tenha de criar um sistema penal e contraordenacional para tutelar o
ambiente, nem no artigo 52º, nem no artigo 66º. Além disso, o principio da
interferência mínima presente nos artigos 18º n.ºs 2 e 3 conjugados
com o artigo 29º remetem a reserva da tipicidade penal para situações
considerados muito graves a nível social, o que pode não ser consensual com as
questões ambientais.
Contudo, sabemos que o direito
ambiental é um ramo importantíssimo nos nossos dias, e por vezes surgem grandes
violações ao ambiente, como tal apesar de não existir um dever sancionatório
expresso na CRP, existe um dever de prevenção, logo, para a sua concretização
será indispensável a criação de sanções para certo tipo de danos ecológicos.
No nosso ordenamento dá-se primazia
à tutela sancionatória administrativa, apesar de a Diretiva 2008/99/CE do
Parlamento e do Conselho de 19 de novembro sobre proteção penal do ambiente, reforçar
a nível nacional a tutela penal ambiental.
No entanto, a criação desta tutela
penal é recente, remete-se apenas ao século passado, a questão de criminalizar
condutas lesivas ao ambiente trouxe grandes interrogações, o que levantou
vários problemas perante os penalistas, pois colocou-se a pergunta se seria
possível a criação de um direito penal do ambiente.
As respostas a estas questões
prendem-se essencialmente com o direito penal, devido a conceitos essenciais
como bem jurídico, por exemplo. Pois, não é desde sempre que se considera a
defesa do ambiente como uma dimensão de um bem jurídico objetivo fundamental,
integrando os valores sociais comuns da sociedade. No entanto, tornou-se
possível a criação de crimes ambientais, mas o direito do ambiente deve ser
tutelado essencialmente pela via penal ou pela via administrativa
(sancionatória)?
Neste sentido, podemos encontrar alguns argumentos a favor
que pendem para uma ou para outra via. Como fundamentos da tutela sancionatória
pela via penal encontramos entre outros: - a maior dignidade jurídica que é
atribuída ao direito do ambiente pela existência de crimes ambientais,
garantindo-lhe assim uma maior defesa; - a maior intensidade da tutela
ambiental, que tal como o anterior contribui para uma maior defesa do ambiente,
pois, aplicando-se a tutela penal o ordenamento jurídico vai responder com mais
vigor às violações ambientais, na medida em que as medidas penais são mais
severas para o individuo; - mas por outro lado é dotado de mais garantias, na
medida em que o processo penal tem um grande conjunto de garantias para o
arguido.
No entanto, surgem depois argumentos inconvenientes ao
direito penal como: - o facto de o direito ambiental assentar sobre um
princípio de prevenção, enquanto o direito penal tem um sentido de repressão
dos comportamentos infratores; - situações que se prendem com especificidades
penais, pela imputação de responsabilidade penal ser individual, e no foro
ambiental, muitos dos grandes ilícitos serem provocados por pessoas coletivas,
no entanto, este argumento foi ultrapassado hoje em dia com o aparecimento do
artigo 11º do Código penal (adiante CP); - muitos dos crimes ambientais surge
por violação de prescrições administrativas, o que poderia colocar o direito
penal como acessório ao direito administrativo, o que levaria a uma
desacreditação do direito penal, algo que os penalistas jamais permitiriam.
Surgem depois os argumentos a favor de uma tutela
sancionatória pela via administrativa, tais como: a simplicidade do
procedimento administrativo permitir uma maior celeridade e eficácia na punição
do infrator; - o problema das pessoas coletivas visto que anteriormente não se
colocava. Os argumentos contrários prende-se essencialmente com os argumentos a
favor da tutela penal, ou seja, a via preferencial da tutela administrativa
pode levar a uma diminuição das garantias de defesa dos indivíduos, a defesa
das infrações ambientais estar sujeita apenas a custos das atividades, ou seja,
se a infrações estiverem sujeitas apenas ao pagamento de uma quantia, pode levar
a um ajuste contabilístico e ser lucrativo cometer delitos ambientais. Na minha
opinião, este é um argumento que deve ter bastante peso, pois muitas das vezes
são as pessoas coletivas com robustez financeira que realizam atividades
propicias à violação do ambiente, e assim, tornar-se ia muito fácil e pouco
prejudicial certos delitos ambientas.
Tendo tudo isto em conta, o que se optou foi um paralelo ente
a tutela contraordenacional e penal, assim permanece um equilíbrio entre uma e
outra. Pois existe atos em que a sanção penal pode não ser necessária, mas há
outros, que tendo em conta o anseio pela procura de lucro do quotidiano, esta é
essencial, para se poder permitir uma defesa eficaz do ambiente. Assim, tendo
em conta a grandeza que o direito do ambiente foi alcançando, hoje não resta
qualquer dúvida que representa um bem jurídico e que portanto, será protegido
pela tutela penal e não apenas por sanções civis e administrativas. Isto porque,
verificando-se o ilícito ambiental e a existência de danos, a eficácia do
direito penal mantém-se perspicaz para a recomposição do dano e imposição de
sanções, em último caso, podendo chegar à privação da liberdade (pena de
prisão).
Vistos estes argumentos, e considerando que hoje em dia há
direito penal ambiental, cumpre desde já, falar no bem jurídico, algo que já
mencionamos em cima. É reconhecível a dignidade penal do meio ambiente, podemos
encontrar no artigo 66º CRP com a epígrafe “ambiente e qualidade de vida” a
defesa pelo ambiente, daqui podemos retirar o ambiente enquanto bem jurídico,
algo que é reforçado pelo artigo 9º e) quando identifica o ambiente como uma tarefa
fundamental do Estado.
Neste contexto de tutela penal
ambiental, considero importante a referência da sentença preferida no dia 23 de
fevereiro de 1990 (proc. 278/89), denominado o caso das cegonhas brancas. Esta foi uma sentença com uma grande
importância ao nível de jurisprudência ambiental, uma vez que a arguida no
processo foi sujeita a uma sanção de direito penal e ainda ao pagamento de uma
indeminização cível. Podemos retirar uma frase da própria sentença que nos
mostra como a tutela penal faz parte do direito do ambiente, assim: “O circunstancionalismo fáctico apurado é, nquestionávelmente,
merecedor de censura pena”. Iremos agora muito resumidamente identificar os
factos do caso, assim: em Coruche numa quinta encontravam-se vários ninhos de
cegonhas brancas, espécie protegida, tendo a arguida conhecimento deste facto,
destruiu pinheiros que tinham albergado ninhos das referidas cegonhas,
importante referir que estas estavam no período de nidificação. Existiam vários
diplomas legais, como a Diretiva 9/409/CEE do Conselho de 2 de Abril de 1979,
Convenção de Berna relativa à conservação da vida selvagem e dos “habitats”
naturais da Europa, entre outros nacionais que protegiam a situação. Deste
modo, “Pelo exposto, julga-se a acusação
procedente por provada e, consequentemente, condena-se a arguida pela autoria
de um crime previsto no artº 18º nº 1 al. A) da Lei nº 30/86, de 27.8 e punível
pelo artº 31º nº 8 do mesmo diploma legal, infringindo dessa forma, igualmente,
a Directiva 79/409/CEE, de 2.4.79 (actualizada pela Directiva 85/411/CEE, de
25/6/85) e a Convenção de Berna relativa à conservação da vida selvagem e dos “habitats”
naturais da Europa (aprovada para ratificação pelo DL 95/81, de 23.7), na pena
de oitenta dias de prisão, substituídos por igual tempo de multa à taxa diária
de mil escudos, e de cinquenta dias de multa à mesma taxa diária, ou seja, na
multa única de cento e trinta mil escudos, em alternativa de 87 (oitenta e
sete) dias de prisão.”
É demonstrado aqui de forma clara e
evidente o direito penal ambiente, por isso, foi este caso muito falado na
altura, consagrou uma defesa ao direito do ambiente, não ficando por sanções
administrativas, mas sim passando para o plano do direito penal. Este é um
exemplo, de que não há dúvidas que perante algumas infrações ambientais é a
tutela sancionatória penal que é chamada a interferir.
Outro ponto que quero falar por
achar importante tendo em conta o estudo em análise é o crime de poluição, como
um exemplo de um crime ambiental. Desde logo podemos encontrar o artigo 279º do
CP, que prevê exatamente a poluição. Uma das coisas que é identificada desde
logo é a acessoriedade, pois, é deixado de forma clara que no artigo 279º nº1
que este atua a “quem, não observando
disposições legais, regulamentos ou obrigações impostas pela autoridade
competente (…) ”. Ou seja, estamos aqui perante um dos argumentos que vimos
anteriormente como negativos há existência de tutela penal, no entanto, é
entendido que houve um “aceitar” desta acessoriedade. Algo que sempre surgiu
desde a previsão deste crime, foi a definição de poluição, algo que o CP não
faz, assim foi-se tentando encontrar esta resposta noutros textos legais,
nomeadamente na Lei de Bases do Ambiente (LBA), a qual qualifica poluição nos
artigos 8º, 10º, 11º, 13º, 14º e 22º, que definirem poluição atmosférica, hídrica,
do solo e subsolo e sonora respetivamente.
Além deste, outras são as epigrafes
do CP que preveem crimes ambientais, artigo 278º, 279º -A, entre outros,
estando aqui presentes, não podemos negar a existência do direito penal
ambiental no nosso ordenamento jurídico, independentemente das especificidades
técnicas penais que ainda hoje se colocam.
Podemos ver que é assim considerado
a existência de bem jurídico ambiente como digno de ser tutelado pela via
penal, mas a pergunta que ainda permanece é, se esta tutela penal cumpre de
forma eficaz o necessário para a defesa (prevenção) do ambiente.
O direito penal atua na medida das
suas possibilidades, mas é certo que não pode existir apenas uma tutela
sancionatória penal, até porque esta deve reservar-se às ofensas mais graves.
Tal como vimos em cima, o direito penal está reservado para as situações
consideradas mais graves a nível social, portanto, não pode abarcar tudo, se
não poderia cair na “normalização”.
A sua importância e contributo, nomeadamente em alguns casos,
é necessário uma pena “mais grave”, porque os danos causados são desastrosos e
apenas uma coima, não iria impedir os mesmos. E porque é suficientemente digno
de bem jurídico e repressão penal, deverá existir quando as pessoas violem certas
normas ambientais, como no artigo 279º do CP.
No entanto, esta importância não pode fazer apagar o que
vimos no parágrafo anterior, e consequentemente este sozinho não seria apto a
resolver os problemas ambientais, é necessário o complemento com a atividade
administrativa.
Um dos pontos onde podemos ver a atividade administrativa, é
no princípio da proibição sob reserva de permissão, este tem um papel essencial
na prevenção de danos ecológicos, ou seja, complementa um dos princípios
basilares do direito do ambiente, o princípio da prevenção.
A tutela sancionatória administrativa exprime-se através de
medidas restritivas que penalizam o incumprimento de deveres que resultam de
normas regulação administrativa, são medidas inibitórias de gozo de direitos,
que se podem compreender em revogação ou suspensão de autorizações, apreensão
de equipamentos, entre outros. A possibilidade de aplicar sanções pelo mero
incumprimento de deveres legais de proteção, contribui para a essencialidade
das sanções administrativas, porque em sede, de prevenção esta possibilidade dá
um grande contributo.
Importa referir a Lei 50/2006, de 29 de agosto a qual teve
como principal motivo a criação de um regime contraordenacional de direito do
ambiente unificando as múltiplas previsões dispersas e dando categoria às
contraordenações como, leve, grave e muito grave, contribuindo assim para a
unidade da ordem jurídica. Tendo em conta a matéria que está a ser desenvolvida
esta vem permitir a cumulação de sanção contraordenacional e criminal, no seu
artigo 28º.
Concluindo, podemos dizer que o direito do ambiente é um ramo
que tem vindo a crescer ao longo dos tempos, tem os seus traços específicos,
principalmente quando falamos em danos ecológicos. Por isso, foi tão
problematizada a sua tutela penal, não era concebível punir pessoas através de
sanções penais, porque infringiram normas ambientais, na realidade penso que
não era aceitável imaginar-se tal restrição aos indivíduos, por terem praticado
um ato contra o ambiente, como poluir águas, por exemplo.
Mas hoje, esta situação está claramente ultrapassada, este é
um ramo como outro qualquer apenas com algumas características próprias, uma
vez que os danos, aqui, são seriamente graves e muitas vezes irreparáveis. Portanto,
aceita-se o direito penal ambiental, existem crimes ambientais, que só este
ramo do direito pode sancionar de forma eficaz. No entanto, há outras infrações
que cabem à tutela sancionatória administrativa, assim ambas servem o direito
ambiental, cada uma na sua medida.
Bibliografia:
·
Verde Cor de Direito/ Vasco Pereira da Silva
·
Introdução ao Direito do Ambiente/ Carla Amado Gomes
·
Temas de Direito do Ambiente, Cadernos o Direito, nº6
O crime de poluição antes e depois da revisão do Código Penal de 2007/ Luis Batista
·
Estudos em Homenagem a Miguel Galvão Teles, Volume I
As Contra-ordenações ambientais no quadro da Lei 50/2006, de 29 de
Agosto: Considerações gerais e observações tópicas/ Carla Amado Gomes
· O Moderno Direito Penal do Ambiente:
Seus aspectos preventivos e Reparador/Maria Bastos Balazeiro
Joana Rita
Fonseca
Nº20640
Visto.
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