domingo, 18 de maio de 2014

O princípio da Precaução e da Prevenção - A questão da sua eventual autonomização

Com o intuito de analisar o princípio da precaução e o principio da prevenção cumpre dizer que a nossa constituição abraça não só uma vertente objectiva do direito do ambiente no artigo 9.º alínea d) e e) da constituição da república portuguesa, onde é uma tarefa do estado defender o ambiente e preservar os seus recursos, surgindo aqui uma raiz do principio da precaução. Mas também uma vertente subjectiva, vendo o ambiente como um direito fundamental do homem onde surge a consagração do princípio da prevenção de acordo com o artigo 66.º da CRP. Dada esta consagração constitucional, a que o professor Vasco Pereira da Silva considera que temos uma “constituição verde”.

No que concerne ao princípio da prevenção é de relevo lembrar que encontra consagração não apenas no artigo 66.º da CRP mas também em todas as normas de natureza ambiental, isto porque o “direito do ambiente constitui um domínio jurídico forçosamente ancorado no princípio da prevenção”[1], uma vez que há, entre nós, uma consciencialização para a escassez de recursos naturais, o que traz consigo cada vez mais comportamentos preventivos. Assim é notório que a função deste princípio é a de evitar danos para o meio ambiente, que podendo ser irreversíveis, sejam evitados antecipadamente, por via de comportamentos preventivos e antecipatórios, que evitam a produção de efeitos nefastos para o ambiente. No fundo, o que aqui encontramos é uma perspectiva de cautela preventiva, para que o dano não se produza. A prevenção quer acautelar, tanto danos de origem humana como natural, tendo que existir, entre nós, a capacidade de prever situações eminentemente perigosas, de modo a que se recorram aos meios mais aptos para afastar a verificação do dano, ou no mínimo diminuir as suas consequências. No fundo, tem que se salvaguardar a não produção de efeitos negativos para o meio ambiente.

O ambiente deve ter em seu favor o benefício da dúvida quando haja incerteza, por falha de provas científicas evidentes, sobre o nexo causal entre uma actividade e um determinado fenómeno de poluição ou degradação do ambiente[2], sendo esta a definição apresentada por Gomes Canotilho para o princípio da precaução defendendo uma acção preventiva, mesmo que não hajam certezas sobre o dano.
É divergente, a doutrina, quanto à autonomização, ou não, do princípio da precaução relativamente ao princípio da prevenção, no entanto, esta querela passa pelo entendimento mais ou menos amplo da prevenção. Num sentido mais restrito, a prevenção visa evitar danos imediatos e concretos; num sentido mais amplo, abrange danos futuros, mesmo que não estejam concretamente determinados.

A maioria da doutrina tem seguido a versão mais restrita da prevenção, o que justifica uma autonomização da precaução, em foco daquilo que fica por abranger pela prevenção; ainda assim, não podemos esquecer que a precaução é um princípio ancorado na prevenção.

Por um lado o professor Gomes Canotilho defende a autonomização do princípio da precaução, diferentemente do entendimento dos professores Vasco Pereira da Silva e Carla Amado Gomes, que defendem a existência apenas de um princípio, uma vez que ambos são muito próximos quanto ao seu fim e objecto.

Para os autores, deve ter-se um amplo entendimento do princípio da prevenção, de modo a facilitar a sua aplicação, até porque há uma grande semelhança entre a palavra prevenção e precaução, e também dada a inequívoca impossibilidade de separação do conteúdo material do princípio.

A professora Carla Amado Gomes, sustenta a sua posição na incerteza provocada pela precaução, que inverterá o ónus da prova em relação ao poluidor que queira desenvolver determinada actividade económica que represente um risco ao meio ambiente, tendo que demonstrar que a sua actividade não é geradora de danos. No entanto, estamos perante uma prova difícil, uma vez que não há nenhuma actividade que comporte um risco zero e porque, por esta via se travaria o progresso tecnológico dadas as suas incertezas.
Com este argumento da professora, facilmente entendemos que há uma grande necessidade de encontrar um ponto de equilíbrio na prevenção dos danos contra o ambiente, para que as posições mais radicais não causem danos igualmente nefastos para o desenvolvimento humano.

A favor da autonomização encontramos a professora Ana Gouveia Martins, que entende que os dois princípios podem mesmo entrar em choque directo, uma vez que o princípio da precaução pode opor-se à utilização de determinadas medidas preventivas, sempre que elas, ainda que aptas a evitar um determinado dano, possam ser susceptíveis de levarem à assunção de sérios e irreparáveis riscos para outro bem ambiental, ou levarem mais tarde à degradação ambiental.

Porém, atendendo mais uma vez ao que foi dito pela professora Carla Amado Gomes, temos que nos acautelar de entendimentos tão extremos, que travem o progresso tecnológico e científico, ou que conduzam a um ciclo vicioso de proibição de medidas de protecção que possam lesar, ainda que menos, outros bens ambientais. Isto porque, tal como foi dito, não existe nenhuma actuação que comporte um risco zero para o ambiente.

Ainda a favor da autonomização o professor Gomes Canotilho defende que a precaução é uma regra de bom senso, uma vez que tal como diz o ditado “Mais vale prevenir do que remediar” os danos que possam ocorrer, uma vez que pode até ser impossível removê-los mais tarde, ou sendo-o é demasiado dispendioso. O professor explica, também, que a prevenção pretende aumentar o campo de protecção do ambiente enquanto que a precaução servirá para resolver casos de dúvida ou incerteza relativamente a uma certa actividade.

O professor Vasco Pereira da Silva adopta um conceito amplo de prevenção, para que aqui sejam incluídos, não apenas os perigos naturais, mas também situações actuais e futuras, sempre com base em critérios de razoabilidade e bom senso.

Quanto a mim, e dada a essencialidade de encontrar um ponto de equilíbrio, tendo em conta aquilo que foi exposto, considero que não deve haver uma autonomização de princípios, mas antes um tratamento unitário, de forma a alcançar uma maior efectivização da protecção ambiental face a danos concretos, ou situações futuras, havendo sempre uma cuidada análise casuística, norteada, na esteira do professor Vasco Pereira da Silva, por critérios de razoabilidade e bom senso.

Bibliografia:
GOMES CANOTILHO, José Joaquim, “Introdução ao Direito do Ambiente”
GOMES, Carla Amado, “Direito Administrativo do Ambiente”
SILVA, Vasco Pereira, “Verde Cor de Direito, Lições de Direito do Ambiente”
MARTINS, Ana Gouveia, “O Príncipio da Precaução do Direito do Ambiente”




[1] GOMES CANOTILHO, José Joaquim, “Introdução ao Direito do Ambiente”

[2] GOMES CANOTILHO, José Joaquim, “Introdução ao Direito do Ambiente”

 Ana Rita Pereira
n.º 21027

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