Com o intuito de analisar o princípio da precaução e o
principio da prevenção cumpre dizer que a nossa constituição abraça não só uma
vertente objectiva do direito do ambiente no artigo 9.º alínea d) e e) da constituição
da república portuguesa, onde é uma tarefa do estado defender o ambiente e
preservar os seus recursos, surgindo aqui uma raiz do principio da precaução.
Mas também uma vertente subjectiva, vendo o ambiente como um direito fundamental
do homem onde surge a consagração do princípio da prevenção de acordo com o
artigo 66.º da CRP. Dada esta consagração constitucional, a que o professor
Vasco Pereira da Silva considera que temos uma “constituição verde”.
No que concerne ao princípio da prevenção é de relevo
lembrar que encontra consagração não apenas no artigo 66.º da CRP mas também em
todas as normas de natureza ambiental, isto porque o “direito do ambiente
constitui um domínio jurídico forçosamente ancorado no princípio da prevenção”[1],
uma vez que há, entre nós, uma consciencialização para a escassez de recursos
naturais, o que traz consigo cada vez mais comportamentos preventivos. Assim é notório
que a função deste princípio é a de evitar danos para o meio ambiente, que
podendo ser irreversíveis, sejam evitados antecipadamente, por via de comportamentos
preventivos e antecipatórios, que evitam a produção de efeitos nefastos para o
ambiente. No fundo, o que aqui encontramos é uma perspectiva de cautela
preventiva, para que o dano não se produza. A prevenção quer acautelar, tanto
danos de origem humana como natural, tendo que existir, entre nós, a capacidade
de prever situações eminentemente perigosas, de modo a que se recorram aos
meios mais aptos para afastar a verificação do dano, ou no mínimo diminuir as
suas consequências. No fundo, tem que se salvaguardar a não produção de efeitos
negativos para o meio ambiente.
“ O ambiente deve ter
em seu favor o benefício da dúvida quando haja incerteza, por falha de provas científicas
evidentes, sobre o nexo causal entre uma actividade e um determinado fenómeno de
poluição ou degradação do ambiente”[2],
sendo esta a definição apresentada por Gomes Canotilho para o princípio da
precaução defendendo uma acção preventiva, mesmo que não hajam certezas sobre o
dano.
É divergente, a doutrina, quanto à autonomização, ou não, do
princípio da precaução relativamente ao princípio da prevenção, no entanto,
esta querela passa pelo entendimento mais ou menos amplo da prevenção. Num
sentido mais restrito, a prevenção visa evitar danos imediatos e concretos; num
sentido mais amplo, abrange danos futuros, mesmo que não estejam concretamente
determinados.
A maioria da doutrina tem seguido a versão mais restrita da
prevenção, o que justifica uma autonomização da precaução, em foco daquilo que
fica por abranger pela prevenção; ainda assim, não podemos esquecer que a precaução
é um princípio ancorado na prevenção.
Por um lado o professor Gomes Canotilho defende a
autonomização do princípio da precaução, diferentemente do entendimento dos
professores Vasco Pereira da Silva e Carla Amado Gomes, que defendem a
existência apenas de um princípio, uma vez que ambos são muito próximos quanto
ao seu fim e objecto.
Para os autores, deve ter-se um amplo entendimento do princípio
da prevenção, de modo a facilitar a sua aplicação, até porque há uma grande semelhança
entre a palavra prevenção e precaução, e também dada a inequívoca impossibilidade
de separação do conteúdo material do princípio.
A professora Carla Amado Gomes, sustenta a sua posição na
incerteza provocada pela precaução, que inverterá o ónus da prova em relação ao
poluidor que queira desenvolver determinada actividade económica que represente
um risco ao meio ambiente, tendo que demonstrar que a sua actividade não é
geradora de danos. No entanto, estamos perante uma prova difícil, uma vez que não
há nenhuma actividade que comporte um risco zero e porque, por esta via se
travaria o progresso tecnológico dadas as suas incertezas.
Com este argumento da professora, facilmente entendemos que
há uma grande necessidade de encontrar um ponto de equilíbrio na prevenção dos
danos contra o ambiente, para que as posições mais radicais não causem danos
igualmente nefastos para o desenvolvimento humano.
A favor da autonomização encontramos a professora Ana Gouveia
Martins, que entende que os dois princípios podem mesmo entrar em choque
directo, uma vez que o princípio da precaução pode opor-se à utilização de
determinadas medidas preventivas, sempre que elas, ainda que aptas a evitar um
determinado dano, possam ser susceptíveis de levarem à assunção de sérios e
irreparáveis riscos para outro bem ambiental, ou levarem mais tarde à
degradação ambiental.
Porém, atendendo mais uma vez ao que foi dito pela
professora Carla Amado Gomes, temos que nos acautelar de entendimentos tão
extremos, que travem o progresso tecnológico e científico, ou que conduzam a um
ciclo vicioso de proibição de medidas de protecção que possam lesar, ainda que
menos, outros bens ambientais. Isto porque, tal como foi dito, não existe
nenhuma actuação que comporte um risco zero para o ambiente.
Ainda a favor da autonomização o professor Gomes Canotilho
defende que a precaução é uma regra de bom senso, uma vez que tal como diz o
ditado “Mais vale prevenir do que remediar” os danos que possam ocorrer, uma
vez que pode até ser impossível removê-los mais tarde, ou sendo-o é demasiado
dispendioso. O professor explica, também, que a prevenção pretende aumentar o
campo de protecção do ambiente enquanto que a precaução servirá para resolver
casos de dúvida ou incerteza relativamente a uma certa actividade.
O professor Vasco Pereira da Silva adopta um conceito amplo
de prevenção, para que aqui sejam incluídos, não apenas os perigos naturais,
mas também situações actuais e futuras, sempre com base em critérios de
razoabilidade e bom senso.
Quanto a mim, e dada a essencialidade de encontrar um ponto
de equilíbrio, tendo em conta aquilo que foi exposto, considero que não deve
haver uma autonomização de princípios, mas antes um tratamento unitário, de
forma a alcançar uma maior efectivização da protecção ambiental face a danos
concretos, ou situações futuras, havendo sempre uma cuidada análise casuística,
norteada, na esteira do professor Vasco Pereira da Silva, por critérios de
razoabilidade e bom senso.
Bibliografia:
GOMES CANOTILHO, José Joaquim, “Introdução ao Direito do
Ambiente”
GOMES, Carla Amado, “Direito Administrativo do Ambiente”
SILVA, Vasco Pereira, “Verde Cor de Direito, Lições de
Direito do Ambiente”
MARTINS, Ana Gouveia, “O Príncipio da Precaução do Direito
do Ambiente”
Sem comentários:
Enviar um comentário