O AMBIENTE ENQUANTO BEM JURIDICO-PENAL SUSCEPTIVEL OU NÃO DE
LEGITIMA DEFESA
No desenrolar deste post tentaremos
estabelecer uma posição quanto à existência ou inexistência de uma tutela penal
relativa aos danos ambientais, e, existindo, tentaremos definir as
particularidades do regime penal, regime este que foi sobretudo pensado para
uma aplicação com maior incidência em pessoas singulares, e por isso se
demostrará digna de investigação esta temática.
Será
também discutida a questão da legítima defesa, e se estão ou não cumpridos os
seus pressupostos para que seja admissível.
O
BEM JURÍDICO
Todo o nosso sistema de direito, decorre em torno de um
ponto fulcral – a pessoa humana, deste modo, serão considerados bens jurídicos
susceptíveis de tutela penal todos os elementos tidos como essenciais ao
desenvolvimento da pessoa humana numa certa realidade social.
No
entanto, é visível a evolução que o direito penal tem sofrido ao longo dos
anos, e consequente alargamento
progressivo da sua tutela.
Existe
uma dificuldade de se definir se o meio ambiente pode ser tutelado ou não pelo
direito penal (e em que termos) porque existe uma prévia dificuldade em definir
o conceito indeterminado “meio ambiente”, por estes motivos é imperativo
sujeitar o direito penal do ambiente à teoria do bem jurídico.
Existem
bens jurídicos individuais e colectivos, sendo estes últimos bens de
titularidade difusa, o que levanta problemas de legitimidade.
Existem
duas linhas doutrinárias que se ocuparam desta temática: as dualistas e as
monistas.
Os
autores dualistas compreendem que os bens jurídicos individuais e colectivos são
autónomos entre si. Desta forma proíbe-se a recondução dos bens colectivos a
bens individuais para que sejam válidos. O Professor Figueiredo Dias esclarece:
“ existem bens jurídicos penais individuais e supraindividuais, não tendo
estes, para ser legítimos, de se reconduzir àqueles (...) Neste sentido os bens
supraindividuais, neles incluídos os bens jurídicos ecológicos, gozam de
verdadeira autonomia”.
No
outro pólo, as teorias monistas defendem duas vertentes, a monista-estatal e a
monista-pessoal.
A
doutrina monista-estatal, defende que todos os bens jurídicos emanam do estado,
da sociedade ou da colectividade, sendo que os bens jurídicos individuais são
mera decorrência dos bens jurídicos colectivos, sendo portanto de igual ou
inferior importância.
A
doutrina monista-pessoal entende que o bem jurídico tem a sua raíz na pessoa
humana e consequentemente os bens colectivos decorrem das características de
sociabilidade do ser humano, com fundamento nas necessidades pessoais.
TUTELA PENAL
Estabelecido,
já as várias posições quanto ao entendimento do bem colectivo ao ambiente,
infere-se que por estar em causa um bem jurídico independentemente da sua categorização,
é susceptível de tutela penal, assim, ao longo nas inúmeras reformas do código
penal foi visível o alargamento de condutas puníveis.
À medida que novas
condutas foram objecto de criminalização, o que demonstrou um inequívoco
crescente interesse em penalizar condutas que frustrem interesses, não apenas
meramente pessoais ou sociais mas também difusos, a título de exemplo: o
sistema financeiro, a ordem económica, os interesses do consumidor e entre
outros, o meio ambiente (sendo que este já constituía um bem jurídico de tutela
constitucional 66º CRP).
Estabelecido
já que o ambiente é protegido pela tutela penal será pertinente estabelecer
algumas remissões legais para assim, materializar as afirmações anteriores,
deste modo, no código pena, em particular no capítulo relativo aos crimes de
perigo comum podem ser vertidas várias disposições na leia ordinária cujo
objectivo é penalizar condutas e danos cometidos contra o ambiente, vejam-se
por exemplo os artigos 274º, 278º, 279º e 280º CP.
Devida
à curta dimensão que este trabalho deve ter, não será possível analisarmos em
concreto todos os crimes enunciados nos artigos, por este motivo, vamos fazer
uma breve referência ao crime de poluição com perigo comum 280º CP.
O
crime contido no 280ºCP, compreende a realização de uma das condutas do 279ºCP,
no entanto, é exigido um requisito adicional relacionado com a prova. Ou seja,
exige-se um nexo de causalidade entre a conduta do 279º e a criação ou aumento
de um dano para a vida ou integridade física de outrem.
Nesta
situação não existe um crime ambiental autónomo, visto que o ambiente neste
caso apenas adquire uma protecção penal reflexa através da tutela de bens
jurídicos puramente pessoais como por exemplo a integridade física ou o bem
vida.
Contudo,
acredito que esta disposição legal estará sujeita ainda a algumas modificações,
no sentido de conferir uma protecção autónoma ao ambiente, isto porque, no
código penal em vigor antes da reforma de 2007, a maioria dos crimes contra o
ambiente que possuíam tutela penal, possuíam-na apenas reflexamente (nos mesmos
moldes do crime 279º CP actualmente), no entanto com a lei 59/2007 vários
destes crimes contra a esfera ambiental passaram a constituír-se como
autónomos, assim, não era requisito para a punibilidade o requisito da prova do
nexo causal, um exemplo claro desta situação era o crime de incêndio florestal,
inicialmente o que se protegia era o bem jurídico pessoal de quem se
encontrasse vitimizado pelo incêndio, actualmente, não é necessária nem a
vítima, nem a criação de um perigo potencial, bastando a mera tentativa para
que haja punição.
Retomando
a ideia anterior, são estes os motivos, de uma evolução permanente do código
penal, que me levam a acreditar na futura autonomização do crime de poluição
com perigo comum 280ºCP.
ADMISSIBILIDADE
DE LEGITIMA DEFESA:
Como
sabemos, a legítima defesa é um instituto presente no artigo 32º do código
penal.
A
legítima defesa nada mais é, que um mecanismo que permite ao lesado defender o
seu direito (ou de terceiro), que esteja a ser violado, ou, nos casos de
legítima defesa preventiva é requisito bastante a mera probabilidade ou
iminência de perigo, para que possa existir o direito à defesa.
A
legítima defesa nos moldes penais como a conhecemos está sujeita à cumulação de
três pressupostos: a existência de uma agressão, actual e ilícita; desta forma
impende a necessidade de analisar os pressupostos à luz da defesa do ambiente,
e aferir se estão ou não cumpridos e daí perceber se o instituto da legítima
defesa será ou não admissível:
O
primeiro pressuposto é a existência de uma agressão, ora tanto a agressão como
a posterior defesa, são actos baseados na vontade do agente – actos volitivos –
por isso são actos unicamente humanos.
Por isso, não
constitui causa de exclusão de ilicitude uma reacção defensiva quando não
exista uma prévia conduta lesiva de direitos, quer isto dizer que só pode
existir legítima defesa contra acções ou omissões de comportamentos humanos.
A
actualidade é o segundo pressuposto para que se possa afirmar a legítima
defesa. A actualidade ou iminência da agressão justifica a possibilidade de existência
de uma reacção rápida e potencialmente lesiva de bens jurídicos do agressor ou
de terceiro.
Admite-se a defesa
da agressão iminente, por se entender que a possibilidade de o agressor lesar
um bem jurídico-penal, se encontra já na esfera do agressor, podendo este a
qualquer momento efectivar o dano, uma vez que é inequívoca a vontade do
agressor de praticar o facto ilícito típico, e dispõe já dos meios necessários
para o fazer.
No entanto, em
algumas situações torna-se complexo determinar o momento em que a agressão se
considera actual, por este motivo a doutrina recorre ao regime da tentativa,
presente nos artigos 22º e 23º do código penal, aplicando o regime por analogia
quanto aos actos de execução.
Por
último o terceiro pressuposto é a ilicitude. Este é um pressuposto fundamental,
na medida em que não permite a defesa de uma agressão lícita, isto é, se um
sujeito actua ao abrigo de uma cláusula de exclusão de ilicitude, não cai no
âmbito da esfera sujectiva do agressor (que está no momento a ser agredido) a
possibilidade de reacção.
È necessária a
ilicitude, uma vez que esta preenche o facto ilícito típico, levando a um
desvalor da acção do agressor.
Estando
cumpridos os três pressupostos é ainda necessário recorrer a critérios de
proporcionalidade e ponderação para confirmar a legitimidade da defesa quanto à
defesa e quanto ao meio empregue para o agente se defender. Deste modo, deve
existir necessidade de defesa, no sentido de ser impossível recorrer a forças
de segurança pública que pudessem garantir a não lesão do bem jurídico em
perigo, e, ao actuar em legítima defesa o meio empregue não deve lesar mais que
o necessário para que a agressão cesse, isto é o meio idóneo menos lesivo para
a esfera do agressor.
Em boa verdade,
os requisitos para que se possa afirmar a existência da possibilidade de actuar
ao abrigo de uma cláusula de exclusão de ilicitude – a legítima defesa – não se
acham diferentes quando está em causa a defesa de um bem colectivo, como o
ambiente 66ºCRP.
Veja-se o
seguinte exemplo: na serra de Sintra numa manhã quente de Agosto Ana, uma
mulher de porte pequeno, encontrava-se a observar os típicos eucaliptos da
região, com uns binócolos potentes, quando se depara que ao longe, estão dois homens encapuçados, munidos de dois
jerricans. Ao aproximar-se sente um forte cheiro a gasolina e repara que há um
terceiro homem a preparar-se para acender uma fogueira. Percebendo que os
homens estavam a planear pegar fogo à serra, pondo em perigo não só a sua vida
como a fauna e flora da região, Ana, que era professora de tiro, saca da sua
Magnum 44, e aponta para o homem que iria acender a fogueira obrigando-o sob
ameaça, a prender os seus companheiros de crime, amarrando-os contra uma árvore
e posteriormente, Ana ao amarrar o terceiro sujeito, este foge violentamente e
acende um isqueiro, Ana reage dando-lhe um tiro na mão, impedindo que este
acenda o isqueiro e consequentemente provoque um incêndio.
Nesta
situação Ana actuou ao abrigo da legítima defesa. Ana estava a defender o seu
bem jurídico vida e integridade física, bem como o bem colectivo do ambiente
66º CRP, visto que existiu: uma agressão actual e ilícita, que consubstanciam o
disposto no artigo 274º CP. Quanto aos meios empregues por Ana, o meio ideial
seria o recurso às forças de autoridade 31º/ c) CP, mas visto que existia uma
impossibilidade de acordo com o 21º CRP e o instituto da legitima defesa
mencionado supra não se consideram
excessivos e por isso são admissíveis à luz do princípio da necessidade.
Deste
modo, o que está em causa no âmbito da legítima defesa ambiental é a tutela de “interesses
protegidos do agente ou de terceiro” 32º CP. Cabe confirmar que o “terceiro”
poderá ser considerado também a colectividade, titular do direito ao ambiente.
CONCLUSÂO:
Ao longo desta investigação procurámos demonstrar a
relevância do ambiente enquanto bem jurídico-penal, para a existência de uma
maior qualidade de vida individual e colectiva, para o bem estar de gerações
presentes e futuras. Considerando a sua defesa um direito fundamental, a sua
protecção pelo direito penal é justificável principalmente quando haja
ineficácia de outros ramos do direito, no entanto deve-se sublinhar que esta só
é admissível em ultima ratio.
Deste
modo, considerando o ambiente um interesse da colectividade e portanto difuso,
por ser entendido pela sua natureza indivisível considera-se um direito
transindividual uma vez que a todos pertence, o que culmina indubitavelmente
num direito à sua defesa, característico de todos os direitos fundamentais.
Com
efeito, através do exemplo supra vimos
que não há razões jurídico-dogmáticas que neguem a Ana o direito de defesa ao
ambiente perante uma agressão se bem que Ana teria de justificar a
impossibilidade de recurso a outros meios para afastar a agressão.
Telma Cardona de Castro nº17576 4ºAno
Subturma 5
BIBLIOGRAFIA:
COSTA, Helena Regina.
Protecção Penal Ambiental.
FIGUEIREDO DIAS, Jorge. Direito Penal.
Gomes Canotilho, José
Joaquim. Introdução ao Direito do Ambiente.
SILVA DIAS, Augusto.
Ramos Emergentes do Direito Penal.
Sousa Mendes, Paulo. Vale
a pena o Direito Penal do Ambiente.
NEVES, Rita Castanheira. O Ambiente no Direito Penal.
Pereira da Silva, Vasco.
Lições de Direito do Ambiente.
Sem comentários:
Enviar um comentário