sexta-feira, 9 de maio de 2014


O AMBIENTE ENQUANTO BEM JURIDICO-PENAL  SUSCEPTIVEL OU NÃO DE LEGITIMA DEFESA

      No desenrolar deste post tentaremos estabelecer uma posição quanto à existência ou inexistência de uma tutela penal relativa aos danos ambientais, e, existindo, tentaremos definir as particularidades do regime penal, regime este que foi sobretudo pensado para uma aplicação com maior incidência em pessoas singulares, e por isso se demostrará digna de investigação esta temática.
            Será também discutida a questão da legítima defesa, e se estão ou não cumpridos os seus pressupostos para que seja admissível.
        

O BEM JURÍDICO

         Todo o nosso sistema de direito, decorre em torno de um ponto fulcral – a pessoa humana, deste modo, serão considerados bens jurídicos susceptíveis de tutela penal todos os elementos tidos como essenciais ao desenvolvimento da pessoa humana numa certa realidade social.

            No entanto, é visível a evolução que o direito penal tem sofrido ao longo dos anos, e consequente  alargamento progressivo da sua tutela.

            Existe uma dificuldade de se definir se o meio ambiente pode ser tutelado ou não pelo direito penal (e em que termos) porque existe uma prévia dificuldade em definir o conceito indeterminado “meio ambiente”, por estes motivos é imperativo sujeitar o direito penal do ambiente à teoria do bem jurídico.
            Existem bens jurídicos individuais e colectivos, sendo estes últimos bens de titularidade difusa, o que levanta problemas de legitimidade.
            Existem duas linhas doutrinárias que se ocuparam desta temática: as dualistas e as monistas.
            Os autores dualistas compreendem que os bens jurídicos individuais e colectivos são autónomos entre si. Desta forma proíbe-se a recondução dos bens colectivos a bens individuais para que sejam válidos. O Professor Figueiredo Dias esclarece: “ existem bens jurídicos penais individuais e supraindividuais, não tendo estes, para ser legítimos, de se reconduzir àqueles (...) Neste sentido os bens supraindividuais, neles incluídos os bens jurídicos ecológicos, gozam de verdadeira autonomia”.
            No outro pólo, as teorias monistas defendem duas vertentes, a monista-estatal e a monista-pessoal.
            A doutrina monista-estatal, defende que todos os bens jurídicos emanam do estado, da sociedade ou da colectividade, sendo que os bens jurídicos individuais são mera decorrência dos bens jurídicos colectivos, sendo portanto de igual ou inferior importância.
            A doutrina monista-pessoal entende que o bem jurídico tem a sua raíz na pessoa humana e consequentemente os bens colectivos decorrem das características de sociabilidade do ser humano, com fundamento nas necessidades pessoais.

        
TUTELA PENAL

Estabelecido, já as várias posições quanto ao entendimento do bem colectivo ao ambiente, infere-se que por estar em causa um bem jurídico independentemente da sua categorização, é susceptível de tutela penal, assim, ao longo nas inúmeras reformas do código penal foi visível o alargamento de condutas puníveis.
À medida que novas condutas foram objecto de criminalização, o que demonstrou um inequívoco crescente interesse em penalizar condutas que frustrem interesses, não apenas meramente pessoais ou sociais mas também difusos, a título de exemplo: o sistema financeiro, a ordem económica, os interesses do consumidor e entre outros, o meio ambiente (sendo que este já constituía um bem jurídico de tutela constitucional 66º CRP).
            Estabelecido já que o ambiente é protegido pela tutela penal será pertinente estabelecer algumas remissões legais para assim, materializar as afirmações anteriores, deste modo, no código pena, em particular no capítulo relativo aos crimes de perigo comum podem ser vertidas várias disposições na leia ordinária cujo objectivo é penalizar condutas e danos cometidos contra o ambiente, vejam-se por exemplo os artigos 274º, 278º, 279º e 280º CP.
           
            Devida à curta dimensão que este trabalho deve ter, não será possível analisarmos em concreto todos os crimes enunciados nos artigos, por este motivo, vamos fazer uma breve referência ao crime de poluição com perigo comum 280º CP.

            O crime contido no 280ºCP, compreende a realização de uma das condutas do 279ºCP, no entanto, é exigido um requisito adicional relacionado com a prova. Ou seja, exige-se um nexo de causalidade entre a conduta do 279º e a criação ou aumento de um dano para a vida ou integridade física de outrem.
            Nesta situação não existe um crime ambiental autónomo, visto que o ambiente neste caso apenas adquire uma protecção penal reflexa através da tutela de bens jurídicos puramente pessoais como por exemplo a integridade física ou o bem vida.
            Contudo, acredito que esta disposição legal estará sujeita ainda a algumas modificações, no sentido de conferir uma protecção autónoma ao ambiente, isto porque, no código penal em vigor antes da reforma de 2007, a maioria dos crimes contra o ambiente que possuíam tutela penal, possuíam-na apenas reflexamente (nos mesmos moldes do crime 279º CP actualmente), no entanto com a lei 59/2007 vários destes crimes contra a esfera ambiental passaram a constituír-se como autónomos, assim, não era requisito para a punibilidade o requisito da prova do nexo causal, um exemplo claro desta situação era o crime de incêndio florestal, inicialmente o que se protegia era o bem jurídico pessoal de quem se encontrasse vitimizado pelo incêndio, actualmente, não é necessária nem a vítima, nem a criação de um perigo potencial, bastando a mera tentativa para que haja punição.
            Retomando a ideia anterior, são estes os motivos, de uma evolução permanente do código penal, que me levam a acreditar na futura autonomização do crime de poluição com perigo comum 280ºCP.

ADMISSIBILIDADE DE LEGITIMA DEFESA:

            Como sabemos, a legítima defesa é um instituto presente no artigo 32º do código penal.
            A legítima defesa nada mais é, que um mecanismo que permite ao lesado defender o seu direito (ou de terceiro), que esteja a ser violado, ou, nos casos de legítima defesa preventiva é requisito bastante a mera probabilidade ou iminência de perigo, para que possa existir o direito à defesa.
            A legítima defesa nos moldes penais como a conhecemos está sujeita à cumulação de três pressupostos: a existência de uma agressão, actual e ilícita; desta forma impende a necessidade de analisar os pressupostos à luz da defesa do ambiente, e aferir se estão ou não cumpridos e daí perceber se o instituto da legítima defesa será ou não admissível:

O primeiro pressuposto é a existência de uma agressão, ora tanto a agressão como a posterior defesa, são actos baseados na vontade do agente – actos volitivos – por isso são actos unicamente humanos.
Por isso, não constitui causa de exclusão de ilicitude uma reacção defensiva quando não exista uma prévia conduta lesiva de direitos, quer isto dizer que só pode existir legítima defesa contra acções ou omissões de comportamentos humanos.

A actualidade é o segundo pressuposto para que se possa afirmar a legítima defesa. A actualidade ou iminência da agressão justifica a possibilidade de existência de uma reacção rápida e potencialmente lesiva de bens jurídicos do agressor ou de terceiro.
Admite-se a defesa da agressão iminente, por se entender que a possibilidade de o agressor lesar um bem jurídico-penal, se encontra já na esfera do agressor, podendo este a qualquer momento efectivar o dano, uma vez que é inequívoca a vontade do agressor de praticar o facto ilícito típico, e dispõe já dos meios necessários para o fazer.
No entanto, em algumas situações torna-se complexo determinar o momento em que a agressão se considera actual, por este motivo a doutrina recorre ao regime da tentativa, presente nos artigos 22º e 23º do código penal, aplicando o regime por analogia quanto aos actos de execução.

Por último o terceiro pressuposto é a ilicitude. Este é um pressuposto fundamental, na medida em que não permite a defesa de uma agressão lícita, isto é, se um sujeito actua ao abrigo de uma cláusula de exclusão de ilicitude, não cai no âmbito da esfera sujectiva do agressor (que está no momento a ser agredido) a possibilidade de reacção.
È necessária a ilicitude, uma vez que esta preenche o facto ilícito típico, levando a um desvalor da acção do agressor.


Estando cumpridos os três pressupostos é ainda necessário recorrer a critérios de proporcionalidade e ponderação para confirmar a legitimidade da defesa quanto à defesa e quanto ao meio empregue para o agente se defender. Deste modo, deve existir necessidade de defesa, no sentido de ser impossível recorrer a forças de segurança pública que pudessem garantir a não lesão do bem jurídico em perigo, e, ao actuar em legítima defesa o meio empregue não deve lesar mais que o necessário para que a agressão cesse, isto é o meio idóneo menos lesivo para a esfera do agressor.

Em boa verdade, os requisitos para que se possa afirmar a existência da possibilidade de actuar ao abrigo de uma cláusula de exclusão de ilicitude – a legítima defesa – não se acham diferentes quando está em causa a defesa de um bem colectivo, como o ambiente 66ºCRP.

Veja-se o seguinte exemplo: na serra de Sintra numa manhã quente de Agosto Ana, uma mulher de porte pequeno, encontrava-se a observar os típicos eucaliptos da região, com uns binócolos potentes, quando se depara que ao longe, estão  dois homens encapuçados, munidos de dois jerricans. Ao aproximar-se sente um forte cheiro a gasolina e repara que há um terceiro homem a preparar-se para acender uma fogueira. Percebendo que os homens estavam a planear pegar fogo à serra, pondo em perigo não só a sua vida como a fauna e flora da região, Ana, que era professora de tiro, saca da sua Magnum 44, e aponta para o homem que iria acender a fogueira obrigando-o sob ameaça, a prender os seus companheiros de crime, amarrando-os contra uma árvore e posteriormente, Ana ao amarrar o terceiro sujeito, este foge violentamente e acende um isqueiro, Ana reage dando-lhe um tiro na mão, impedindo que este acenda o isqueiro e consequentemente provoque um incêndio.
            Nesta situação Ana actuou ao abrigo da legítima defesa. Ana estava a defender o seu bem jurídico vida e integridade física, bem como o bem colectivo do ambiente 66º CRP, visto que existiu: uma agressão actual e ilícita, que consubstanciam o disposto no artigo 274º CP. Quanto aos meios empregues por Ana, o meio ideial seria o recurso às forças de autoridade 31º/ c) CP, mas visto que existia uma impossibilidade de acordo com o 21º CRP e o instituto da legitima defesa mencionado supra não se consideram excessivos e por isso são admissíveis à luz do princípio da necessidade.

            Deste modo, o que está em causa no âmbito da legítima defesa ambiental é a tutela de “interesses protegidos do agente ou de terceiro” 32º CP. Cabe confirmar que o “terceiro” poderá ser considerado também a colectividade, titular do direito ao ambiente.


CONCLUSÂO:

         Ao longo desta investigação procurámos demonstrar a relevância do ambiente enquanto bem jurídico-penal, para a existência de uma maior qualidade de vida individual e colectiva, para o bem estar de gerações presentes e futuras. Considerando a sua defesa um direito fundamental, a sua protecção pelo direito penal é justificável principalmente quando haja ineficácia de outros ramos do direito, no entanto deve-se sublinhar que esta só é admissível em ultima ratio.
            Deste modo, considerando o ambiente um interesse da colectividade e portanto difuso, por ser entendido pela sua natureza indivisível considera-se um direito transindividual uma vez que a todos pertence, o que culmina indubitavelmente num direito à sua defesa, característico de todos os direitos fundamentais.
            Com efeito, através do exemplo supra vimos que não há razões jurídico-dogmáticas que neguem a Ana o direito de defesa ao ambiente perante uma agressão se bem que Ana teria de justificar a impossibilidade de recurso a outros meios para afastar a agressão.

Telma Cardona de Castro nº17576 4ºAno Subturma 5

BIBLIOGRAFIA:

COSTA, Helena Regina. Protecção Penal Ambiental.

FIGUEIREDO DIAS, Jorge. Direito Penal.

Gomes Canotilho, José Joaquim. Introdução ao Direito do Ambiente.

SILVA DIAS, Augusto. Ramos Emergentes do Direito Penal.

Sousa Mendes, Paulo. Vale a pena o Direito Penal do Ambiente.

NEVES, Rita Castanheira. O Ambiente no Direito Penal.

Pereira da Silva, Vasco. Lições de Direito do Ambiente.

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