quarta-feira, 14 de maio de 2014

PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NA TUTELA AMBIENTAL BRASILEIRA

Introdução
O tema da proteção ambiental não é algo novo no Brasil. Em 1548, surge a primeira legislação especial que fora outorgado por Thomé de Souza em que se afirmara o regime de monopólio do pau-brasil, cuja extração deveria ser feita “com o menor prejuízo a terra”. A partir daí, centenas de textos foram escritos com o objetivo de se tutelar o Meio Ambiente.
A constituição Brasileira de 1988, além de tutelar os diversos direitos essenciais ao homem e à comunidade como: a vida, saúde, trabalho, educação, postulou acerca da proteção ambiental, dedicando um capítulo à sua proteção.
Ocorre que, a partir de constantes agressões ao meio ambiente, passou-se a se justificar uma política criminal que conte-se o avanço de atos lesivos de toda ordem no plano ambiental. Assim, em 1998, foi criado a Lei nº. 9605, que dispõem sobre as sanções penais, aplicáveis às condutas e atividades que afrontam o bem jurídico ambiental.
Desse modo, hodiernamente, no contexto da tutela ambiental, há divergências no que toca a possibilidade de aplicação do Princípio da Insignificância aos crimes ambientais, tanto por parte da doutrina como da jurisprudência.
Assim, verifica-se duas posições quanto à possibilidade ou não da aplicação do referido princípio em sede ambiental.
A primeira vê a impossibilidade de aplicação do princípio, visto que a essência do Direito Ambiental reside na sua característica difusa, ou seja, o art.225 da CF estabelece o “ambiente ecologicamente equilibrado” como um direito coletivo e, desta forma, qualquer lesão, ainda que ínfima, torna-se significativa.
A outra corrente, advoga a possibilidade da aplicação do referido princípio, tendo em vista que toda norma proibitiva tem como função proteger determinado bem jurídico. Assim, se uma conduta não lesar ou criar perigo de lesão ao bem jurídico não poderíamos falar em crime. Essa ideia baseia-se no princípio da ultima ratio e no princípio da ofensividade da conduta.
Portanto, sem pretensão de esgotar o tema, é a partir destes argumentos que realizar-se-á uma análise dos elementos e conceitos necessários quanto à aplicabilidade ou não do referido princípio.

O Princípio da Insignificância no Direito Penal

O Princípio da Insignificância surge, como objeto de debate na ciência jurídica, a partir de reflexões que denunciavam uma expansão, com o passar do tempo, do direito penal.
Gomes e Bianchini relatam que

A hipertrofia do direito penal não é fenômeno novo tampouco isolado: é fruto de uma evolução histórica progressiva e segue pari passu a evolução do estado de direito, que nasce com a pretensão de submeter o Estado ao Direito. O Direito penal foi se hipertrofiando na medida em que o Estado foi crescendo e ganhando novas missões.[1]

         Desde modo, com a expansão do Direito Penal, passou-se a criminalizar condutas até então de natureza administrativas, ou seja, ilícitos administrativos passaram a ser crimes.
Assim, na medida em que cresce a demanda por tutela ambiental, o Estado, através do seu legislador, descreve ações que são consideradas crimes e comina-lhes penas ou medidas de segurança.
Desde modo, o Direito penal, segundo Bittencourt, atua como instrumento de controle através do qual o Estado pune comportamentos considerados graves a determinados bens jurídicos essenciais tendo, por fim, à conservação do organismo social.
A intervenção penal, em razão da natureza da pena, retrata a mais drástica e enérgica reação do Estado frete ao ilícito, uma vez que implica na restrição de direitos fundamentais da pessoa. Assim, a privação da liberdade e restrição de diretos do indivíduo, só deveriam ser justificados quando os bens jurídicos penalmente tutelados sejam expostos a dano, efetivo ou potencial.
O ministro do STF, Celso de Mello, afirmava em julgamento de Habeas Corpus que “observa-se que o Direito Penal não se ocupa de condutas que produzem resultado cuja desvalor não represente um prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social” (Supremo Tribunal Federal, Habeas Corpus nº 84.412-SP, julgado em 19/10/2004). Logo, não é qualquer conduta que interessa ao direito penal, mas unicamente os conflitos sociais mais graves, que venham a gerar resultados jurídicos significativos.  
Sabendo que os tipos são conceitos abstratos, é impossível evitar que uma determinada previsão legal tenha alcance maior do que aquele que deveria ter.
Fatos socialmente adequados e até necessários podem, em determinados casos, ser atraídos pelo Código Penal. Diante de tal situação, o jurista Claus Roxin propôs a introdução do denominado “Princípio da Insignificância” no sistema penal, cuja objetivo é excluir do direito penal condutas que não apresentem um mínimo de lesividade para um bem jurídico.
Nesse sentido, tal princípio surge com o objetivo de afastar a tipicidade, visto que o fato é formalmente típico, todavia não é materialmente, pois sequer o bem jurídico foi lesado.
Contudo, tratando-se de crimes ambientais, surgem dúvidas na aplicação do referido princípio. Isso porque, quando o bem jurídico é o meio ambiente, ou seja, bem jurídico metaindividual, difuso, cuja lesão tem natureza extensiva ou disseminada, há grande dificuldade em determinar o que é, de fato, insignificante, já que o bem não pertente a uma pessoa em especifico, mas toda a coletividade. [2]

Tutela Penal do Ambiente

Conforme dito anteriormente, a constituição de 88 elevou o direito ambiental a categoria de direito fundamental. O núcleo de toda tutela ambiental parte do artigo 225 da constituição.
Art. 225 - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

No mesmo ínterim, o art. 225 § 3º, determina que as condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, devem sujeitar seus infratores, seja pessoa física ou jurídica, às sanções administrativas, civil e penal, cumulativamente.
A esfera administrativa tem como objetivo a aplicação de sanção com o intuito de evitar o efetivo dano ao meio ambiente. As penas, aqui aplicadas, decorrem do poder de polícia do Estado.
Encontram-se nos arts. 70 a 76, da lei 9.605 de 1998, as disposições gerais acerca das penalidades administrativas cabíveis no caso de dano ambiental. Estas vão desde a advertência até a imposição de multas ou apreensão de equipamentos. No decreto 6.514, de 22 de julho de 2008, encontram-se as infrações em espécie.
Na esfera civil, a compensação ecológica, se dá através do instituto da responsabilidade civil, aonde a legislação impõem ao causador do dano o dever de reparar o ambiente ao status quo ante, através de uma obrigação de fazer ou não fazer. A esfera penal, por seu turno, atua de maneira repressiva as transgressões ambientais através da imposição de pena. Aqui, busca-se reprimir e sancionar as condutas lesivas, visto que a intenção de reparar o dano é feito via esfera civil.
Cabe mencionar, que a Carta Magna prevê a responsabilidade do infratores ambientais nos três ramos do direito: civil, penal e administrativo, cumulativamente, sem que, em rigor, seja violado a proibição ne bis idem.
Desde modo, embora as sanções sejam cominadas de forma independente, nas três esferas, todas podem ser aplicadas de forma cumulativa. Assim, no caso de poluição ambiental que provoque a mortandade de animais, por exemplo, o agente, na esfera civil, terá de indenizar o impacto ambiental gerado por sua conduta. Na esfera administrativa, deverá pagar multa, de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais), nos termos do artigo 61 do dec. 6.514/2008, além disso, poderá responder por processo criminal, nos termos do art. 54 da lei nº 9.605/98, que prevê a reclusão de um a quatro anos e multa.
Conclui-se, portanto, que a tutela penal do ambiente decorre da necessidade do Estado proteger os valores fundamentais constitucionalmente estabelecidos.

Princípio da Insignificância no direito ambiental

Embora já consolidado na doutrina e na jurisprudência - a possibilidade da aplicação do Princípio da Insignificância às condutas incapazes de gerar danos ou riscos - há divergência quanto a possibilidade de aplicação deste princípio nos crimes de matriz ambiental.
Nesse contexto, surgem as duas posições mencionadas inicialmente.
Logo, para melhor compreendermos os elementos que tornam possíveis ou não a aplicação do Princípio da Insignificância, resta-nos saber se há lesão ao meio ambiente considerado insignificante ou se qualquer conduta deve ser punida.
Claudio Beltrão, afirma que “a natureza jurídica do meio ambiente possui característica próprias, que o fazem divergir do dano individual. Uma vez ocorrido a degradação, é difícil, senão impossível, identificar os sujeitos que sofreram seus efeitos”.
No mesmo sentido, há jurisprudência que afasta a aplicação do Princípio da Insignificância sob o argumento de que o meio ambiente é um bem incomensurável e indisponível

PENAL. PROCESSUAL PENAL. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CRIME AMBIENTAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. INDISPONIBILIDADE DO BEM TUTELADO.
1. Não há de se falar na possibilidade de aplicação do princípio da insignificância nos casos que versem sobre a prática, em tese, de crime ambiental praticado em área de preservação permanente, dada a indisponibilidade do bem tutelado. Precedentes desta Corte Regional Federal.
2. Sobre esse tema, já posicionou-se a 3ª Turma deste tribunal: "(...) Inviável, na hipótese, a aplicação do princípio da insignificância na matéria ambiental, pois a biota, conjunto de seres animais e vegetais de uma região, pode se revelar extremamente diversificada, ainda que em nível local. Em pequenas áreas podem existir espécimes só ali encontradas, de forma que determinadas condutas, inicialmente insignificantes, podem conter potencialidade suficiente para causar danos irreparáveis ao meio ambiente (...)" (ACR 2004.34.00.024753-1/DF).
3. "(...) A complacência no trato de questões ambientais constitui incentivo aos infratores das normas que cuidam da proteção do meio ambiente a persistirem em suas condutas delituosas, gerando, como conseqüência, a impunidade e desestimulando os Agentes de Fiscalização a cumprirem com suas obrigações (...)" (TRF da 1ª Região, RCCR 2001.43.00.001447-0/TO).
4. Recurso criminal provido para receber a denúncia.
(RSE 2007.34.00.044394-8/DF, Rel. Desembargador Federal Hilton Queiroz, Rel.Acor.  Juíza Federal Rosimayre Goncalves De Carvalho, Quarta Turma,e-DJF1 p.302 de 10/02/2009)

PENAL. CRIME AMBIENTAL. PESCA. PERÍODO DE DEFESO. PETRECHOS NÃO PERMITIDOS. ARTIGO 34, CAPUT E PARÁGRAFO ÚNICO, INCISO II, DA LEI Nº 9.605/98. INSIGANIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. ESTADO DE NECESSIDADE. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. INOCORRÊNCIA. ERRO SOBRE A ILICITUDE DO FATO. NÃO COMPROVAÇÃO.
1. Comprovada a prática, livre e consciente, de pesca em período de defeso, bem como com a utilização de petrechos não permitidos, resta configurado o crime previsto no artigo 34, caput e parágrafo único, inciso II, da Lei 9.605/98.
2. A tutela penal estendida ao meio ambiente não se mostra compatível, em regra, com a aplicação do princípio da insignificância, porquanto norteada pelos princípios da precaução e prevenção, uma vez que o bem jurídico tutelado ostenta titularidade difusa e o dano a ele causado não é passível de mensuração.
3. O delito insculpido no artigo 34 da Lei dos Crimes Ambientais é crime formal e, por conseguinte, independe de resultado naturalístico, prescindindo de efetivo dano ambiental para sua configuração.
(Apelação Criminal. Nº 0003193-37.2007.404.7208. TRF4.SC)

Todavia, é importante ressaltar que nem toda e qualquer forma de diminuição de qualidade do ambiente é capaz de causar impacto ambiental. Noutros termos, a diminuição da qualidade do ambiente é inerente a vida em sociedade. Jose Rubens Morato Leite afirma que “não é qualquer espécie de intervenção no ambiente que possui o dever de lesar efetivamente os interesses e pretensões das futuras gerações. [...] apenas lesões com contornos de gravidade e seriedade autorizam um juízo de contenção das atividades”.
No mesmo sentido Carvalho
A grosso modo, pode-se afirmar que toda e qualquer ação humana causa impactos negativos. Por exemplo, o simples caminhar por uma pequena trilha no meio da floresta já é impactante. Porém, o que deve preocupar a sociedade não é o impacto ambiental em si, mas o grau desse impacto. Em outros termos, existem aquelas ações perfeitamente aceitáveis pela ecologia, já que não afetam em profundidade o seu equilíbrio; outras, que agridem o meio ambiente mas que, embora com altos custos financeiros e humanos, podem, com o tempo, se não retornar ao status quo ante, pelo menos voltar a ter uma sanidade mínima (nos recursos hídricos, na atmosfera) ou a recuperar, ainda que parcialmente, suas pré-condições (caso, por exemplo, do reflorestamento com espécies nativas); e existem aquelas que causam danos irreversíveis, definitivamente danosos )[3]”.

Assim, o dano ambiental consiste na degradação da qualidade ambiental, ou seja, não é qualquer alteração humana no ambiente que deverá ser considera como dano ambiental, mas somente aquelas capazes de alterarem consideravelmente as características ambiental.
Desse modo, o STF, em 2012, pela primeira vez, concedeu e absolveu um pescador de Santa Catarina que havia sido condenado por crime ambiental por pescar durante o período defeso, utilizando-se de rede de pesca fora das especificações do IBAMA. Ele foi flagrado com 12 camarões.

EMENTA: AÇÃO PENAL. Crime ambiental. Pescador flagrado com doze camarões e rede de pesca, em desacordo com a Portaria 84/02, do IBAMA. Art. 34, parágrafo único, II, da Lei nº 9.605/98. Rei furtivae de valor insignificante. Periculosidade não considerável do agente. Crime de bagatela. Caracterização. Aplicação do princípio da insignificância. Atipicidade reconhecida. Absolvição decretada. HC concedido para esse fim. Voto vencido. Verificada a objetiva insignificância jurídica do ato tido por delituoso, à luz das suas circunstâncias, deve o réu, em recurso ou habeas corpus, ser absolvido por atipicidade do comportamento.
(2ªTurma STF. HC 112563)

Esta decisão do STF abre um precedente histórico no Brasil que é: de apenas responsabilizar as condutas de um indivíduo, se estas, causarem danos efetivos ao bem ambiental. Assim, se a conduta não tem, por si só, condão de lesar bem jurídico, não haverá crime. Cabe, tanto a jurisprudência como a doutrina, analisar o caso em concreto e, através dos conhecimentos cientifico disponíveis,  indagar-se se a conduta do agente causou dano efetivo ao ambiente. 

Conclusão
            Embora a finalidade da norma penal seja proteger com maior rigidez o meio ambiente, é imperioso reconhecer que nem toda intervenção humana tem a capacidade de gerar um dano ambiental que se justifique numa medida penal. Há, deste modo, intervenções no meio ambiente capazes de serem consideradas insignificantes, quais sejam, aquelas incapazes de comprometer o equilíbrio ambiental e gerar lesão a saúde das pessoas.
Portanto, o que interessa ao Direito não é o impacto em si, mas o seu grau de lesividade ao meio ambiente.

Bibliografia

BITENCOURT, César Roberto; MUÑOZ, F. Teoria geral do delito. São Paulo: Saraiva, 2000
CARVALHO, Carlos Gomes de. Introdução ao direito ambiental. 3. ed. São Paulo
GOMES, Luiz Flávio; BIANCHINI, Alice. O direito penal na era da globalização. São Paulo: RT, 2002
LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patrick de Araújo. Direito ambiental na sociedade de risco. 
MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco – doutrina, jurisprudência. Glossário.
Manual Ambiental Penal (acessado via http://www.ceama.mpba.mp.br/2012-11-21-00-12-29/doc_view/1329-manual-ambiental-penal.html)
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/lei-9605-e-tutela-penal-do-meio-ambiente-0

OMAR MARX WEILLER ALBUQUERQUE – ERASMUS




[1]GOMES, Luiz Flávio; BIANCHINI, Alice. O direito penal na era da globalização. São Paulo: RT, 2002


[2] NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
[3] CARVALHO, Carlos Gomes de. Introdução ao direito ambiental. 3. ed. São Paulo.

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