segunda-feira, 19 de maio de 2014

Relevância do Procedimento no Quadro do Ambiente


No âmbito do Direito do Ambiente podemos encontrar uma diversidade de fontes que se traduzem numa diversidade de disciplinas. A perspetiva tradicional do Direito Internacional Público, numa visão em que o ambiente é alvo de proteção, a nível internacional, através da intervenção e cooperação estadual; e a perspetiva global do Direito Administrativo, com uma dimensão interna, mais recente. Independentemente da distinção, ambas têm, como fim último, a proteção do ambiente.

Nas últimas décadas tem vindo a desenvolver-se então um novo Direito Administrativo Global, de natureza diferente da do Direito Internacional. Este tem uma influência muito mais reduzida nas questões ambientais, aliás, como refere Carla Amado Gomes, “só muito pontualmente se fará sentir de forma direta” a sua influência no conteúdo do dever de proteção do ambiente. Não obstante, as diretivas e regulamentos provenientes do Direito Comunitário já imporem normas conformadoras das obrigações concretas dos particulares para com o ambiente. Com base nesta nova realidade, foram necessariamente surgindo novos sujeitos de direito, particulares e outras entidades ou instituições, tribunais ou órgãos administrativos especiais e mecanismos administrativos para a proteção do ambiente. É o caso do procedimento ambiental.

Hoje, a dimensão procedimental é nova, valorizando não apenas os resultados, mas o modo como a ele se chega. Para além do apoio constitucional de que dispões, é uma questão essencial no quadro do Direito Administrativo do Ambiente.

Mas esta valorização do procedimento ambiental é um fenómeno moderno. Na lógica tradicional do Direito Público, a preocupação exclusiva era com a decisão politica. E este, quer fosse um diploma legislativo ou uma decisão de administração, não o era.

O procedimento tem natureza diversa, é multifuncional; tem funções legitimadoras, de participação e organização, comuns a todos, mas que dão origem a procedimentos diversos, com formas de processo e regras diferentes, pelo que, como afirma Vasco Pereira da Silva, não faria sentido fazer do processo o paradigma do procedimento, dada esta diferenciação de características.

Entre os dois principais procedimentos encontram-se os da função legislativa e os da função administrativa, sendo que os identificamos portanto consoante a função do Estado que está em causa.

A respeito dos primeiros, haverá regras que variam consoante a forma do ato legislativo, mas que preveem ainda a audição de entidades representativas, as ONGAS (estas Organizações Não Governamentais em matéria de Ambiente podem ter legitimidade legislativa, quando expressamente previsto) ou de grupos de cidadãos eleitores (previsto na nossa CRP, artigo 167º). Esta participação legislativa, na lógica de um Estado de Direito Democrático, afigura-se como um acréscimo, é complementar e secundária à legitimidade democrática, distinta da da Administração Pública.

Não obstante, a dimensão procedimental é elevada no âmbito administrativo.

Hoje, assente a grande relevância do procedimento, tendo apoio constitucional, desde logo no artigo 9º, no 267º, nº 5 ou na lei reguladora do procedimento que, apesar de só ter surgido nos anos 90, procura estabelecer um regime procedimental que seja regulador desta nova realidade da administração pública que é, hoje, essencial.

A função administrativa, enquanto dever-poder exercido pela Administração, em prol da comunidade e na prossecução dos seus fins e interesses é, cada vez mais, multifacetada. E enquanto realidade multifacetada, vai desempenhar diversificadas funções. Em primeiro lugar, vai ser o fator de racionalidade de funcionamento da Administração e das decisões administrativas. Esta função racionalizadora coincidirá, em parte, com a organização da administração, e por outro lado com a racionalidade das próprias decisões e todo o processo envolvente.

Em segundo lugar, o procedimento servirá também para proceder à definição de interesses públicos concretos, bem como compô-los com os interesses privados que surgem no âmbito do procedimento. Visto ser uma área complexa no seio da Administração, é necessário que haja uma realidade em que há uma ponderação e definição dos vários interesses em causa no caso concreto: em cada caso haverá uma diversidade de interesses públicos, pelo que, para além da exigência abstrata da busca do interesse público, há uma necessidade de encontrar aquele que, concretamente, é o mais importante. O interesse público que releva é o resultante dessa ponderação, é exigente e requer uma construção por esta via procedimental. Não obstante, é ainda dada aos particulares a faculdade de demonstrar que um interesse particular é relevante e merece ponderação com os outros em causa e proteção. A decisão final tem de atender a ambos os interesses, quando os haja, e é necessário que a Administração entenda e respeite essa realidade.

Por fim, vai então exercer funções de proteção jurídica dos particulares. Os cidadãos têm o direito (constitucionalmente consagrado como fundamental, como reforça Vasco Pereira da Silva) a ser ouvidos antes de haver uma efetiva agressão, ou seja, o sentido desta terceira função será como um mecanismo de proteção preventiva dos cidadãos na luta contra possíveis e previsíveis ameaças. Não é necessário, nem faria sentido ser, que o lesado já o seja, que o particular já tenha sofrido o dano. É condição suficiente o dano eminente, a suspeita fundada de futura agressão.


Bibliografia:

Carla Amado Gomes, “Risco e Modificação do Acto Autorizativo Concretizador de Deveres de Protecção do Ambiente”, Dissertação de Doutoramento, Lisboa 2007
Carla Amado Gomes, “Direito Administrativo do Ambiente”,
Mário Aroso de Almeida, “O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, Almedina 2007
Vasco Pereira da Silva, “Verde Cor de Direito-Lições de Direito do Ambiente”, Almedina 2002
http://www.apambiente.pt/index.php?ref=17&subref=146


Maria Inês Pinheiro

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