domingo, 18 de maio de 2014

As novas formas de atuação administrativa

Eco-Etiqueta ou Rótulo ecológico


A Administração Pública tem, atualmente, uma multiplicidade de formas de atuação, de caráter duradouro, regular e frequente. Sucedem-se, diariamente, planos, regulamentos, contratos, atividades informais e outros tipos de ato ou operação por parte da administração. Estes desenvolvimentos têm levado à “crise” do ato administrativo e a uma necessidade de repensar um sistema adequado a esta nova lógica.

Assim, é necessário analisar não só a decisão final, mas o ato de um modo global, cuja realidade envolvente, anterior, simultânea e posterior, releva. É o caso do procedimento ou da relação jurídica administrativa. Temos também de atender ao fato de que, agora, o ato não é “a” forma, mas “uma das” formas de atuação administrativa. Devemos ainda ter em conta que estas formas de atuação, relações jurídicas e procedimentos decorrem da própria realização da função administrativa, não da autoridade do exercício do poder. O que unifica as atuação é a tarefa de realização continuada e regular de satisfação das necessidades coletivas, pelo que deve ser este elemento funcional, e não o autoritário, o denominador comum na construção dogmática das formas de atuação da Administração Pública moderna.

Todas estas alterações obrigaram não só à reconstituição do conceito de ato administrativo, para englobar as outras atuações, como também à deslocação do centro da dogmática administrativa ou para a relação jurídica (como sucede no direito alemão, numa ótica de subjectivização) ou para o procedimento (caso do direito italiano, seguindo a objetivização). Esta distinção, a que Vasco Pereira da Silva chama de “dilema existencial do Direito Administrativo da atualidade”, ainda se prevê continuar, mas, para este autor, deve prevalecer a da relação jurídica, não no sentido da desvalorização do procedimento, mas da sua consideração autónoma.

A este propósito, das “lógicas combinatórias múltiplas” entre várias atuações – novas ou já existentes – pode falar-se na eco-etiqueta ou rótulo ecológico.

A proteção do ambiente é um fenómeno antigo que a Humanidade bem conhece. Embora comporte, desde há muito, manifestações individuais, de cariz religioso, moral ou filosófico, só recentemente começou a ganhar uma dimensão coletiva e política. Atualmente, a ecologia é já uma realidade e preocupação da comunidade e da política dos nossos dias. Desde logo, no final dos anos 60 e 70, com a chamada “crise do petróleo”, mas que se foi estendendo a uma área mais ampla dos problemas ambientais, de ideais políticos, sociais e culturais, como o “movimento de Maio de 98”, a “revolução hippie” ou a filosofia da “não violência”. Várias “crises” político-económicas vividas na época foram despertando o Estado para problemas como a proteção do ambiente e alertando para a necessidade de soluções políticas nesta área. Dos movimentos ecologistas dos anos 70 vão surgindo preocupações de âmbito mais geral, atingindo globalmente a sociedade e a sua consciência ecológica, criando inclusive a partidarização da ecologia, com os partidos verdes. A problemática ambiental ganha então, progressivamente, dimensão filosófica, política e jurídica, quer ao nível do direito ao ambiente enquanto direito do ser humano, quer ao nível da sua proteção como problema do Estado.

Enquanto sistema de prestação de informações e orientações aos consumidores, pretende promover certos produtos que, face a outros alternativos, apresentam menor impacto ambiental negativo, numa ótica de utilização eficiente dos recursos e alta proteção do ambiente. Com a eco-etiqueta, os consumidores conseguem facilmente identificar que produtos estão oficialmente aprovados pela União Europeia, de acordo com os parâmetros ecológicos. Esta necessidade surge em face da conhecida utilização acelerada e irreversível dos recursos naturais e da destruição de ecossistemas, vegetais e animais que põem em risco a qualidade de vida do próprio ser humano.

E aqui não devemos focar-nos em teses antropocêntricas ou ecocêntricas, ainda que da denominação do rótulo como ambiental ou ecológico se possa retirar a adoção de uma delas. Ambas veem o ambiente como elemento a proteger, sendo que o antropocentrismo coloca o ser humano em primeiro lugar, como centro de proteção, enquanto o ecocentrismo eleva o ambiente em si mesmo e lhe dá um estatuto de bem a tutelar, deixando a proteção do ser humano para segundo plano. Por esta lógica, deverá haver também uma distinção entre o rótulo ecológico e o ambiental, mas na qual deve prevalecer a primeira por respeito à dimensão ecológica dos direitos por este cobertos.

Assim, a “eco label” constitui uma das políticas e práticas que visa proteger não só o ambiente, como o ser humano e é, entre nós, enquadrada no regime do Regulamento Europeu (Regulamento (CE) nº 66/2010 do Parlamento Europeu e do Conselho).

Foi em 1992 que se iniciou o processo dos rótulos ecológicos. Com o Regulamento (CE) 880/92, emitido pela Comissão Europeia, instituíram-se novas regras do processo consultivo para o seu desenvolvimento. Tinha em vista ser um sistema comunitário de promoção de produtos causadores de um mal menor para o meio ambiente, bem como informar a esse respeito e da melhor forma possível os consumidores, alertando-as para a preocupação ecológica. Ainda que o início de todo este processo parecesse animador, o progresso não foi significativo. Contudo, o processo não acaba aqui. É elaborado um segundo regulamento sobre esta temática, em 2000. Este Regulamento 1980/2000, emitido pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho, a 17 de julho desse ano, estabelece regras mais claras e detalhadas, com um conteúdo mais extenso, prevendo prazos e objetivos bem definidos. Ainda que melhores, de um modo global os resultados continuaram insatisfatórios. É então que, em novembro de 2009, surge um terceiro Regulamento CE (nº 66/2010), que embora bastante similar aos anteriores, prevê uma simplificação do sistema e uma maior coerência e harmonia entre os Tratados Europeus e o sistema de Rótulo Ecológico da União Europeia.

Atualmente o sistema de atribuição do rótulo aplica-se à generalidade dos bens e serviços para distribuição, consumo e utilização no mercado comunitário, com exclusão dos medicamentos e dispositivos médicos (artigo 2º do Regulamento). Este recurso é voluntário, sendo a candidatura uma faculdade dos fabricantes; seletivo, apenas recebendo o rótulo os produtos verdadeiramente merecedores, por reduzido impacte ambiental; e autónomo, avaliado por uma entidade independente para garantia da conformidade dos produtos alvo de atribuição com as regras rigorosas estabelecidas.

Os três grandes tipos de rótulos voluntários estão definidos como rótulos ecológicos certificados, auto-proclamados e declarações ambientais de produto (títulos I, II e II, respetivamente) e têm um estatuto relativamente hierarquizado, servindo o primeiro para qualificar produtos que passaram o crivo de duas organizações independentes: uma primeira, responsável pela definição dos critérios, e uma segundo, que procede à avaliação propriamente dita; o segundo como uma certa estratégia de marketing; e o terceiro que contem mera informação de um conjunto de indicadores ambientais relevantes sobre o produto ou serviço.

Conjugando o que até aqui foi dito acerca da Administração moderna e seus novos meios de atuação com o ato do rótulo ecológico, podemos retirar diversas conclusões. Ora, desde logo podemos observar que a relação jurídica do rótulo começa com o pedido da uma eco-etiqueta, por parte do fabricante, que leva então ao ato de atribuição da mesma. A este sucede o contrato com o particular, no qual ficam definidas as condições de utilização e de revogação da autorização então dada. Não acaba aqui o ato administrativo: ao processo até agora decorrido seguem-se várias atuações informais por parte da administração, de caráter duradouro, com vista à manutenção da sua atuação, na promoção do rótulo, neste mercado de produção e consumo de bens, por diversas vias, como campanhas para sensibilizar e informar produtores e consumidores. Por aqui vemos a combinação, pelo menos, de um ato com um contrato e inúmeras atividades informais da administração, todas interligadas entre si, com os mesmos fundamentos e propósitos, no seio de uma relação continuada.

Podemos assim concluir que o rótulo ecológico integra um conjunto de mecanismos de mercado que visam a proteção ambiental, que não fazem parte da intervenção administrativa ambiental direta. E bem assim, nas palavras de Sanz Rubiales, a que também recorre Vasco Pereira da Silva, podemos afirmar que “os instrumentos de política ambiental baseados no produto”, enquanto técnicas de preservação do meio ambiente baseadas na utilização de bens de consumo surgem assim “potenciando o uso e a produção dos chamados «produtos verdes» através de mecanismos de mercado”.

Estamos claramente perante um ato complexo da Administração, mais amplo do que o tradicional ato administrativo, enquanto decisão final, no sentido em que estão aqui comportadas uma série de atuações, desde a verificação da qualidade ambiental de um produto já existente, à promoção de uma produção de novos bens e serviços com consideração pelo ambiente e de uma forma ecologicamente sustentável, seguida de uma intervenção típica da então Administração moderna, não espontânea ou pontual, mas marcada, duradoura, regular e frequente, no próprio mercado.

Bibliografia:
Freitas do Amaral, “Direito Administrativo”, volume II, Almedina 2001
Vasco Pereira da Silva, “Verde Cor de Direito-Lições de Direito do Ambiente”, Almedina 2002
Vasco Pereira da Silva, “Em busca do Acto Administrativo Perdido”, Almedina 2003
http://europa.eu/legislation_summaries/other/l28020_pt.htm
http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:L:2010:027:0001:0019:PT:PDF

Maria Inês Pinheiro

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