Eco-Etiqueta ou Rótulo ecológico
A Administração Pública tem, atualmente,
uma multiplicidade de formas de atuação, de caráter duradouro, regular e
frequente. Sucedem-se, diariamente, planos, regulamentos, contratos, atividades
informais e outros tipos de ato ou operação por parte da administração. Estes desenvolvimentos
têm levado à “crise” do ato administrativo e a uma necessidade de repensar um
sistema adequado a esta nova lógica.
Assim, é necessário analisar não
só a decisão final, mas o ato de um modo global, cuja realidade envolvente,
anterior, simultânea e posterior, releva. É o caso do procedimento ou da
relação jurídica administrativa. Temos também de atender ao fato de que, agora,
o ato não é “a” forma, mas “uma das” formas de atuação administrativa. Devemos ainda
ter em conta que estas formas de atuação, relações jurídicas e procedimentos
decorrem da própria realização da função administrativa, não da autoridade do
exercício do poder. O que unifica as atuação é a tarefa de realização
continuada e regular de satisfação das necessidades coletivas, pelo que deve
ser este elemento funcional, e não o autoritário, o denominador comum na construção
dogmática das formas de atuação da Administração Pública moderna.
Todas estas alterações obrigaram
não só à reconstituição do conceito de ato administrativo, para englobar as
outras atuações, como também à deslocação do centro da dogmática administrativa
ou para a relação jurídica (como sucede no direito alemão, numa ótica de
subjectivização) ou para o procedimento (caso do direito italiano, seguindo a
objetivização). Esta distinção, a que Vasco Pereira da Silva chama de “dilema
existencial do Direito Administrativo da atualidade”, ainda se prevê continuar,
mas, para este autor, deve prevalecer a da relação jurídica, não no sentido da
desvalorização do procedimento, mas da sua consideração autónoma.
A este propósito, das “lógicas
combinatórias múltiplas” entre várias atuações – novas ou já existentes – pode
falar-se na eco-etiqueta ou rótulo ecológico.
A proteção do ambiente é um
fenómeno antigo que a Humanidade bem conhece. Embora comporte, desde há muito,
manifestações individuais, de cariz religioso, moral ou filosófico, só
recentemente começou a ganhar uma dimensão coletiva e política. Atualmente, a
ecologia é já uma realidade e preocupação da comunidade e da política dos
nossos dias. Desde logo, no final dos anos 60 e 70, com a chamada “crise do
petróleo”, mas que se foi estendendo a uma área mais ampla dos problemas
ambientais, de ideais políticos, sociais e culturais, como o “movimento de Maio
de 98”, a “revolução hippie” ou a filosofia da “não violência”. Várias “crises”
político-económicas vividas na época foram despertando o Estado para problemas
como a proteção do ambiente e alertando para a necessidade de soluções
políticas nesta área. Dos movimentos ecologistas dos anos 70 vão surgindo
preocupações de âmbito mais geral, atingindo globalmente a sociedade e a sua
consciência ecológica, criando inclusive a partidarização da ecologia, com os
partidos verdes. A problemática ambiental ganha então, progressivamente,
dimensão filosófica, política e jurídica, quer ao nível do direito ao ambiente
enquanto direito do ser humano, quer ao nível da sua proteção como problema do
Estado.
Enquanto sistema de prestação de
informações e orientações aos consumidores, pretende promover certos produtos
que, face a outros alternativos, apresentam menor impacto ambiental negativo,
numa ótica de utilização eficiente dos recursos e alta proteção do ambiente. Com
a eco-etiqueta, os consumidores conseguem facilmente identificar que produtos
estão oficialmente aprovados pela União Europeia, de acordo com os parâmetros ecológicos.
Esta necessidade surge em face da conhecida utilização acelerada e irreversível
dos recursos naturais e da destruição de ecossistemas, vegetais e animais que
põem em risco a qualidade de vida do próprio ser humano.
E aqui não devemos focar-nos em teses
antropocêntricas ou ecocêntricas, ainda que da denominação do rótulo como
ambiental ou ecológico se possa retirar a adoção de uma delas. Ambas veem o
ambiente como elemento a proteger, sendo que o antropocentrismo coloca o ser
humano em primeiro lugar, como centro de proteção, enquanto o ecocentrismo
eleva o ambiente em si mesmo e lhe dá um estatuto de bem a tutelar, deixando a
proteção do ser humano para segundo plano. Por esta lógica, deverá haver também
uma distinção entre o rótulo ecológico e o ambiental, mas na qual deve prevalecer
a primeira por respeito à dimensão ecológica dos direitos por este cobertos.
Assim, a “eco label” constitui
uma das políticas e práticas que visa proteger não só o ambiente, como o ser humano
e é, entre nós, enquadrada no regime do Regulamento Europeu (Regulamento (CE) nº 66/2010 do Parlamento Europeu e do
Conselho).
Foi em
1992 que se iniciou o processo dos rótulos ecológicos. Com o Regulamento (CE)
880/92, emitido pela Comissão Europeia, instituíram-se novas regras do processo
consultivo para o seu desenvolvimento. Tinha em vista ser um sistema
comunitário de promoção de produtos causadores de um mal menor para o meio
ambiente, bem como informar a esse respeito e da melhor forma possível os
consumidores, alertando-as para a preocupação ecológica. Ainda que o início de
todo este processo parecesse animador, o progresso não foi significativo. Contudo,
o processo não acaba aqui. É elaborado um segundo regulamento sobre esta
temática, em 2000. Este Regulamento 1980/2000, emitido pelo Parlamento Europeu
e pelo Conselho, a 17 de julho desse ano, estabelece regras mais claras e detalhadas,
com um conteúdo mais extenso, prevendo prazos e objetivos bem definidos. Ainda que
melhores, de um modo global os resultados continuaram insatisfatórios. É então
que, em novembro de 2009, surge um terceiro Regulamento CE (nº 66/2010), que
embora bastante similar aos anteriores, prevê uma simplificação do sistema e uma
maior coerência e harmonia entre os Tratados Europeus e o sistema de Rótulo
Ecológico da União Europeia.
Atualmente
o sistema de atribuição do rótulo aplica-se à generalidade dos bens e serviços
para distribuição, consumo e utilização no mercado comunitário, com exclusão
dos medicamentos e dispositivos médicos (artigo 2º do Regulamento). Este recurso
é voluntário, sendo a candidatura uma faculdade dos fabricantes; seletivo,
apenas recebendo o rótulo os produtos verdadeiramente merecedores, por reduzido
impacte ambiental; e autónomo, avaliado por uma entidade independente para
garantia da conformidade dos produtos alvo de atribuição com as regras
rigorosas estabelecidas.
Os três
grandes tipos de rótulos voluntários estão definidos como rótulos ecológicos
certificados, auto-proclamados e declarações ambientais de produto (títulos I,
II e II, respetivamente) e têm um estatuto relativamente hierarquizado, servindo
o primeiro para qualificar produtos que passaram o crivo de duas organizações
independentes: uma primeira, responsável pela definição dos critérios, e uma
segundo, que procede à avaliação propriamente dita; o segundo como uma certa
estratégia de marketing; e o terceiro que contem mera informação de um conjunto
de indicadores ambientais relevantes sobre o produto ou serviço.
Conjugando o que até aqui foi
dito acerca da Administração moderna e seus novos meios de atuação com o ato do
rótulo ecológico, podemos retirar diversas conclusões. Ora, desde logo podemos
observar que a relação jurídica do rótulo começa com o pedido da uma
eco-etiqueta, por parte do fabricante, que leva então ao ato de atribuição da
mesma. A este sucede o contrato com o particular, no qual ficam definidas as
condições de utilização e de revogação da autorização então dada. Não acaba aqui
o ato administrativo: ao processo até agora decorrido seguem-se várias atuações
informais por parte da administração, de caráter duradouro, com vista à
manutenção da sua atuação, na promoção do rótulo, neste mercado de produção e
consumo de bens, por diversas vias, como campanhas para sensibilizar e informar
produtores e consumidores. Por aqui vemos a combinação, pelo menos, de um ato
com um contrato e inúmeras atividades informais da administração, todas
interligadas entre si, com os mesmos fundamentos e propósitos, no seio de uma
relação continuada.
Podemos assim concluir que o
rótulo ecológico integra um conjunto de mecanismos de mercado que visam a
proteção ambiental, que não fazem parte da intervenção administrativa ambiental
direta. E bem assim, nas palavras de Sanz Rubiales, a que também recorre Vasco
Pereira da Silva, podemos afirmar que “os instrumentos de política ambiental
baseados no produto”, enquanto técnicas de preservação do meio ambiente baseadas
na utilização de bens de consumo surgem assim “potenciando o uso e a produção
dos chamados «produtos verdes» através de mecanismos de mercado”.
Estamos claramente
perante um ato complexo da Administração, mais amplo do que o tradicional ato
administrativo, enquanto decisão final, no sentido em que estão aqui
comportadas uma série de atuações, desde a verificação da qualidade ambiental
de um produto já existente, à promoção de uma produção de novos bens e serviços
com consideração pelo ambiente e de uma forma ecologicamente sustentável,
seguida de uma intervenção típica da então Administração moderna, não espontânea
ou pontual, mas marcada, duradoura, regular e frequente, no próprio mercado.
Bibliografia:
Freitas do Amaral, “Direito Administrativo”, volume
II, Almedina 2001
Vasco Pereira da Silva, “Verde Cor de Direito-Lições
de Direito do Ambiente”, Almedina 2002
Vasco Pereira da Silva, “Em busca do Acto Administrativo
Perdido”, Almedina 2003
http://europa.eu/legislation_summaries/other/l28020_pt.htm
http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:L:2010:027:0001:0019:PT:PDF
Maria Inês Pinheiro
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