Da
Existência (OU NÃO) do Princípio da Precaução
Pode dizer-se que o princípio da
precaução é o mais controverso de todos os princípios no âmbito do Direito do
Ambiente. Enquanto, para alguns autores, estamos, efetivamente, diante de um
princípio autónomo do Direito do Ambiente, outros autores negam a existência do
mesmo colocando sérias reservas quanto à sua operatividade.
Para se perceber o porquê desta
controvérsia é necessário esclarecer o quê que se tem entendido sobre o
conteúdo material deste princípio.
Ora bem, o princípio da precaução é o
que leva a protecção do ambiente mais longe; pode falar-se de uma espécie de
princípio “in dúbio pró ambiente”,
isto quer dizer que, numa situação de dúvida sobre a perigosidade de uma certa
actividade para o Ambiente, decide-se sempre a favor do Ambiente e contra o
potencial poluidor. A precaução tem a sua máxima aplicação em caso de dúvida,
mesmo não havendo qualquer base de certeza científica.
O princípio da precaução distingue-se
assim do princípio da prevenção. Este último traduz-se no aforismo popular de
que “mais vale prevenir do que remediar”; ou seja, em vez de se contabilizar os
danos e tentar repará-los deve tentar evitar-se a ocorrência dos mesmos, antes
que eles aconteçam (até porque a reparação destes danos é frequentemente
difícil e muito onerosa). O fim da prevenção é evitar condutas cujo efeito
lesivo já se sabe que irá inevitavelmente ocorrer. Portanto, a precaução tem um
conteúdo muito mais amplo do que a prevenção, na medida em que vai para além da
prevenção, cobrindo a mera possibilidade (isto é, independentemente de não
haver provas científicas irrefutáveis quanto à existência de um nexo de
causalidade entre uma acção e os efeitos danosos para o Ambiente).
O Sr.Prof. Vasco Pereira da Silva tem um
entendimento particular quanto ao princípio da precaução. Segundo o professor
não se devem distinguir os princípios da precaução e da prevenção, deve, em vez
disso, fazer-se a construção de uma noção ampla de prevenção. E para justificar
a sua posição o professor apresenta argumentos de três ordens.
O primeiro está relacionado com a
natureza linguística. Visto que, os conceitos de prevenção e precaução são
muito semelhantes não faz sentido diferenciá-los e introduzir confusões
linguísticas. Este não é, todavia, um argumento decisivo.
O segundo argumento que o professor
sugere tem a ver com o conteúdo material dos princípios em causa. Os critérios
de distinção, por um lado, e os resultados a que conduzem ambos os princípios
não são inequívocos. Quanto à inversão do ónus da prova (quem pretenda
desenvolver uma actividade potencialmente perigosa tem de provar que daí não
resultará qualquer lesão para o ambiente), que alegadamente é corolário do
princípio da precaução, pode ser antes vista como uma garantia da atitude de
prevenção entendida em sentido amplo.
O último está relacionado com a técnica
jurídica. A CRP não dá acolhimento ao princípio da precaução, já o princípio da
prevenção é elevado à categoria de princípio constitucional; assim, segundo o
professor, a adopção de uma noção ampla de prevenção parece ser a via mais
adequada para assegurar a melhor tutela do Ambiente.
A Drª Carla Amado Gomes também põe em
causa a operacionalidade da ideia de precaução, defendendo uma posição similar
à do Prof. Vasco Pereira da Silva.
Para a autora as dificuldades operativas
deste princípio estão relacionadas com factores de várias ordens,
designadamente: de ordem Política (pois a adopção da ideia da precaução implica
a diminuição da soberania dos Estados e a limitação da disposição dos seus
recursos naturais, na ausência da certeza científica); Económica (porque da
aplicação do princípio da precaução podem advir consequências bastante
negativas para o desenvolvimento económico, principalmente no âmbito de
sectores como o industrial, o pecuário e o agrícola); Jurídica (visto que, não
havendo alicerces científicos credíveis é muito difícil para juiz tomar
decisões e, para além disso, acresce a dificuldade da aceitabilidade da prova,
pois o dano ambiental não é absolutamente comprovável); Tecnológica (devido à
proibição da introdução de novas técnicas e produtos quando haja a incerteza
sofre os efeitos daí resultantes); e até mesmo Ecológica. Como refere Carla
Amado Gomes: “ a ideia de precaução não só pode encontrar resistências ao nível
dos factores sociais e económicos, como pode acarretar leituras unidirecionais
da própria realidade ambiental”
Posto isto, parece que não se pode
confirmar a emergência de um novo princípio de Direito do Ambiente.
È certo que muitos autores discordaram
desta última afirmação; muitos são os autores que consideram a precaução como
um princípio autónomo do Direito do Ambiente. E o principal argumento para
sustentar esta tese (mas que não parece suficiente, nem decisivo) está relacionado
com a expressão legislativa que a precaução assume, nomeadamente no artigo
174º/2 do Tratado da União Europeia ( “a política da comunidade (…) basear-se-á
nos princípios da precaução e da acção preventiva”).
Em conclusão: parece que afinal falar
num princípio da precaução não faz grande sentido. A precaução não se coaduna
com a actual sociedade em que vivemos (a sociedade de risco, como é definida
por alguns autores) onde a incerteza e a imprevisibilidade são algo
iminentemente presente e decorrem do enorme dinamismo do conhecimento
científico, que desde a Revolução Industrial se tem verificado maior. O “risco
zero” não existe, não se pode evitar o risco e, portanto, há que aprender a
conviver com ele.
O princípio da precaução é demasiado radical
e pode trazer consequências muito negativas como a paralisia e até mesmo a
regressão do nível de vida atingido.
É necessário proteger o ambiente e
preservar os recursos naturais, em nome das gerações presentes e futuras mas
não a todo o custo nem de uma forma eco-fundamentalista. É necessário
harmonizar outros interesses, e fazer uso do princípio da proporcionalidade. O
princípio da prevenção é suficiente para a defesa desses valores ambientais,
desde que entendido em termos amplos. Isto quer dizer que a acção preventiva
tem de ser reforçada. Tem de existir uma antecipação de danos minimamente
previsíveis, que comprometam a qualidade dos bens ambientais.
Bibliografia:
GOMES, Carla Amado, «Textos Dispersos de Direito do Ambiente- I Vol. », AAFDL, 1ª
reimpressão, 2014;
SILVA,
Vasco Pereira da, «Verde Cor de Direito:
Lições de Direito do Ambiente », Almedina, 2ª reimpressão, 2005
Rute Nobre
Nº 21039
Visto.
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