domingo, 18 de maio de 2014

Da Existência (OU NÃO) do Princípio da Precaução


Da Existência (OU NÃO) do Princípio da Precaução

 

Pode dizer-se que o princípio da precaução é o mais controverso de todos os princípios no âmbito do Direito do Ambiente. Enquanto, para alguns autores, estamos, efetivamente, diante de um princípio autónomo do Direito do Ambiente, outros autores negam a existência do mesmo colocando sérias reservas quanto à sua operatividade.

Para se perceber o porquê desta controvérsia é necessário esclarecer o quê que se tem entendido sobre o conteúdo material deste princípio.

Ora bem, o princípio da precaução é o que leva a protecção do ambiente mais longe; pode falar-se de uma espécie de princípio “in dúbio pró ambiente”, isto quer dizer que, numa situação de dúvida sobre a perigosidade de uma certa actividade para o Ambiente, decide-se sempre a favor do Ambiente e contra o potencial poluidor. A precaução tem a sua máxima aplicação em caso de dúvida, mesmo não havendo qualquer base de certeza científica.

O princípio da precaução distingue-se assim do princípio da prevenção. Este último traduz-se no aforismo popular de que “mais vale prevenir do que remediar”; ou seja, em vez de se contabilizar os danos e tentar repará-los deve tentar evitar-se a ocorrência dos mesmos, antes que eles aconteçam (até porque a reparação destes danos é frequentemente difícil e muito onerosa). O fim da prevenção é evitar condutas cujo efeito lesivo já se sabe que irá inevitavelmente ocorrer. Portanto, a precaução tem um conteúdo muito mais amplo do que a prevenção, na medida em que vai para além da prevenção, cobrindo a mera possibilidade (isto é, independentemente de não haver provas científicas irrefutáveis quanto à existência de um nexo de causalidade entre uma acção e os efeitos danosos para o Ambiente).

O Sr.Prof. Vasco Pereira da Silva tem um entendimento particular quanto ao princípio da precaução. Segundo o professor não se devem distinguir os princípios da precaução e da prevenção, deve, em vez disso, fazer-se a construção de uma noção ampla de prevenção. E para justificar a sua posição o professor apresenta argumentos de três ordens.

O primeiro está relacionado com a natureza linguística. Visto que, os conceitos de prevenção e precaução são muito semelhantes não faz sentido diferenciá-los e introduzir confusões linguísticas. Este não é, todavia, um argumento decisivo.

O segundo argumento que o professor sugere tem a ver com o conteúdo material dos princípios em causa. Os critérios de distinção, por um lado, e os resultados a que conduzem ambos os princípios não são inequívocos. Quanto à inversão do ónus da prova (quem pretenda desenvolver uma actividade potencialmente perigosa tem de provar que daí não resultará qualquer lesão para o ambiente), que alegadamente é corolário do princípio da precaução, pode ser antes vista como uma garantia da atitude de prevenção entendida em sentido amplo.

O último está relacionado com a técnica jurídica. A CRP não dá acolhimento ao princípio da precaução, já o princípio da prevenção é elevado à categoria de princípio constitucional; assim, segundo o professor, a adopção de uma noção ampla de prevenção parece ser a via mais adequada para assegurar a melhor tutela do Ambiente.

A Drª Carla Amado Gomes também põe em causa a operacionalidade da ideia de precaução, defendendo uma posição similar à do Prof. Vasco Pereira da Silva.

Para a autora as dificuldades operativas deste princípio estão relacionadas com factores de várias ordens, designadamente: de ordem Política (pois a adopção da ideia da precaução implica a diminuição da soberania dos Estados e a limitação da disposição dos seus recursos naturais, na ausência da certeza científica); Económica (porque da aplicação do princípio da precaução podem advir consequências bastante negativas para o desenvolvimento económico, principalmente no âmbito de sectores como o industrial, o pecuário e o agrícola); Jurídica (visto que, não havendo alicerces científicos credíveis é muito difícil para juiz tomar decisões e, para além disso, acresce a dificuldade da aceitabilidade da prova, pois o dano ambiental não é absolutamente comprovável); Tecnológica (devido à proibição da introdução de novas técnicas e produtos quando haja a incerteza sofre os efeitos daí resultantes); e até mesmo Ecológica. Como refere Carla Amado Gomes: “ a ideia de precaução não só pode encontrar resistências ao nível dos factores sociais e económicos, como pode acarretar leituras unidirecionais da própria realidade ambiental”

Posto isto, parece que não se pode confirmar a emergência de um novo princípio de Direito do Ambiente.

È certo que muitos autores discordaram desta última afirmação; muitos são os autores que consideram a precaução como um princípio autónomo do Direito do Ambiente. E o principal argumento para sustentar esta tese (mas que não parece suficiente, nem decisivo) está relacionado com a expressão legislativa que a precaução assume, nomeadamente no artigo 174º/2 do Tratado da União Europeia ( “a política da comunidade (…) basear-se-á nos princípios da precaução e da acção preventiva”).

Em conclusão: parece que afinal falar num princípio da precaução não faz grande sentido. A precaução não se coaduna com a actual sociedade em que vivemos (a sociedade de risco, como é definida por alguns autores) onde a incerteza e a imprevisibilidade são algo iminentemente presente e decorrem do enorme dinamismo do conhecimento científico, que desde a Revolução Industrial se tem verificado maior. O “risco zero” não existe, não se pode evitar o risco e, portanto, há que aprender a conviver com ele.

O princípio da precaução é demasiado radical e pode trazer consequências muito negativas como a paralisia e até mesmo a regressão do nível de vida atingido.

É necessário proteger o ambiente e preservar os recursos naturais, em nome das gerações presentes e futuras mas não a todo o custo nem de uma forma eco-fundamentalista. É necessário harmonizar outros interesses, e fazer uso do princípio da proporcionalidade. O princípio da prevenção é suficiente para a defesa desses valores ambientais, desde que entendido em termos amplos. Isto quer dizer que a acção preventiva tem de ser reforçada. Tem de existir uma antecipação de danos minimamente previsíveis, que comprometam a qualidade dos bens ambientais.

 

 

 

Bibliografia:

 

 GOMES, Carla Amado, «Textos Dispersos de Direito do Ambiente- I Vol. », AAFDL, 1ª reimpressão, 2014;

 

SILVA, Vasco Pereira da, «Verde Cor de Direito: Lições de Direito do Ambiente », Almedina, 2ª reimpressão,  2005

 

 

 

 

 

Rute Nobre

 

Nº 21039

 

 

 

 

 

 

 

 

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