segunda-feira, 19 de maio de 2014

O LICENCIAMENTO AMBIENTAL NO BRASIL: DESAFIOS NA GESTÃO DE RISCOS AMBIENTAIS

OMAR MARX WEILLER ALBUQUERQUE – ERASMUS -

Sumário: 1. Introdução; 2. Desenvolvimento sustentável e sociedade de risco; 3. Sobre o procedimento do licenciamento ambiental brasileiro; 4. Breves considerações sobre a Lei Complementar 140/2011; 5. Conclusão; 6. Referências.

INTRODUÇÃO

O meio ambiente adquiriu, com a constituição cidadã de 1988, um papel até então desconhecido na política brasileira. Em razão da efervescência no cenário internacional das discussões em busca de uma saída para a crise ambiental, o bem ambiental assumiu um papel de protagonismo no cenário de desenvolvimento social, econômico e político no país.
A gestão ambiental brasileira é atualmente normatizada pela Política Nacional de Meio Ambiente (Lei n. 9.6938/1981 – PNMA).
Deste modo, o objetivo do presente trabalho é demonstrar as principais ferramentas de controle e promoção a um meio ambiente ecologicamente equilibrado na legislação brasileira

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E SOCIEDADE DE RISCO
A partir da segunda metade do século XX, as questões ambientais passaram a ocupar um grande espaço na pauta de debate internacional. Diversas foram as conferências realizadas visando debater a sociedade de riscos. Riscos estes que aumentaram devido o crescente processo de industrialização. A questão da geração de riscos tornou-se mais complexa, na medida em que se reconheceu que a industrialização não poderia ocorrer dissociada de um desenvolvimento capaz de aglutinar tanto os aspectos econômicos quanto ambientais.
Em meio a este debate, surge o conceito de desenvolvimento sustentável, que possui suas diretrizes traçadas no Relatório Brundtland divulgado em 1987 pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, segundo o qual é sustentável o “desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente, sem comprometer a capacidade das gerações vindouras satisfazerem as suas próprias necessidades”.
A sustentabilidade, deste modo, implica no aperfeiçoamento e na utilização de instrumentos que atendam aos requisitos da complexidade social e que se mantenham em constante aperfeiçoamento para serem efetivamente úteis à preservação do meio ambiente. A sociedade moderna encontra na existência dos riscos um pressuposto de interpretação e aplicação dos preceitos do ordenamento jurídico.
Os instrumentos de gerenciamento de riscos, no caso de um estado democrático como o brasileiro, compõem a base da gestão ambiental pública. O cenário de crise ambiental atual requer que ferramentas como a Avaliação de Impacto e o consequente Licenciamento Ambiental sejam utilizadas de forma agressiva, demonstrando realmente que servem ao desenvolvimento sustentável e não somente ao capital.
A gestão ambiental brasileira está posta pela Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981 –PNMA), plenamente recepcionada pelo Texto Constitucional de 1988, que determina princípios, instrumentos, objetivos, políticas publicas ambientais, regras de competência, consolidando ainda o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA) e o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA).
Essa política surgiu como consequência dos mais diversos debates internacionais e, como consequência, fortaleceu diversas ferramentas de proteção, dentre elas, o licenciamento ambiental. Assim, consolidou-se no Brasil, um sistema normativo que tem na lógica da preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida o seu escopo, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana.
O Brasil deve atender a necessidade de ser um Estado atuante e garantidor desses direitos, em que o gerenciamento de riscos ambientais seja uma de suas metas de atuação. O aperfeiçoamento encontra-se no rol das obrigações estatais, uma vez que a própria Constituição Federal delineia seu papel enquanto promotor e incentivador do desenvolvimento científico, da pesquisa e da educação tecnológicas, voltados ao bem público e ao progresso das ciências, e, preponderantemente, à solução dos problemas da sociedade brasileira e ao desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional, indo ao encontro do objetivo da própria PNMA ao visar “ao desenvolvimento de pesquisas e de tecnologias nacionais orientadas para o uso racional de recursos ambientais”.
Ademais, “novas vulnerabilidades requerem políticas públicas inovadoras para enfrentar os riscos e as desigualdades sem deixar de dominar as forças dinâmicas dos mercados para benefício de todos” (PNUD, 2010, p.1). Para que os países em desenvolvimento envolvam-se num processo viável, social, ambiental e economicamente, é fundamental que a disponibilidade de tecnologias profundas e consentâneas com as demandas internas sejam exploradas (SACHS)
O Supremo Tribunal Federal, em diversos julgados, respeitando o Texto Constitucional e suas características pioneiras no que tange à proteção do bem ambiental, tem reconhecido o caráter fundamental do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, tendo essa postura sido adotada em votos como o do relator Ministro Celso de Melo:
O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado – típico direito de terceira geração – constitui  prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletindo dentro do processo de afirmação dos direitos humanos, a expressão significativa de um poder atribuído não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas num sentido verdadeiramente mais abrangente, a própria coletividade social. [...] Os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade.

Nesse sentido, todo estudo voltado ao aperfeiçoamento dos instrumentos de gestão ambiental, volta-se à concretização do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, inovação advinda com a Constituição Federal de 1988.

SOBRE O PROCEDIMENTO DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL BRASILEIRO.
O licenciamento ambiental é uma obrigação legal prévia à instalação de qualquer empreendimento ou atividade potencialmente poluidora ou que degrade o meio ambiente, e possui como uma de suas mais expressivas características a participação social na tomada de decisão, que se dá através de audiências públicas. Por meio dele, a Administração Pública deve desempenhar o controle ambiental sobre determinadas atividades humanas e, assim, restringir o exercício de direitos individuais, como o de propriedade e a livre iniciativa. No âmbito da avaliação dos pedidos de licença, encontra-se o momento administrativo mais favorável para aplicar as escolhas constitucionais de proteção ambiental e defesa da vida para as futuras gerações.
As principais diretrizes para a execução do licenciamento ambiental estão expressas na Lei 6.938/81 e nas Resoluções CONAMA nº 001/86 e nº 237/97. Além dessas, recentemente foi publicado a Lei Complementar nº 140/2011, que discorre sobre a competência estadual e federal para o licenciamento, e sobre a qual discorreremos em breve.
A ferramenta do licenciamento encontra-se no rol dos instrumentos básicos da gestão ambiental pública brasileira (art. 9º, IV, PNMA). É “o procedimento administrativo destinado a licenciar atividades ou empreendimentos utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental” (art. 2º, I, da Lei Complementar n.140/2011).
Assim dispõe a PNMA
Art. 10. A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidoras ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental dependerão de prévio licenciamento ambiental (redação dada pela LC. n 140/2011)

Ao órgão ambiental cabe estabelecer quais serão as exigências ambientais específicas da atividade ou do empreendimento, podendo substituir o EIA/RIMA (Estudo de impacto ambiental/relatório de impacto ambiental) por estudo mais pertinentes e adequados quando não houve significativa ameaça de degradação do meio ambiente (art. 3º, parágrafo único, Resolução do CONAMA n.237/1997).
A natureza, as características e as peculiaridades da atividade ou empreendimento vinculam as exigências do órgão, devendo este proceder à compatibilização do processo de licenciamento com as etapas de planejamento, implantação e operação (art. 9º, Resolução do CONAMA n.237/1997). Ademais, o anexo I da Resolução supracitada traz o rol de atividades sujeitas ao licenciamento ambiental.
Majoritariamente, a jurisprudência brasileira definiu que a competência para a emissão de licenças ambientais caberia ao ente federativo que fosse diretamente atingido pelos impactos ambientais da atividade ou empreendimento. Com as modificações trazidas pela Lei Complementar n. 140/2011, os empreendimentos e atividades devem ser licenciados em um único nível de competência - exceto quando houver incapacidade técnica - quando dar-se-á atuação supletiva (arts. 7º e 15), em consonância com a competência comum aludida no caput do art. 23 da Constituição Federal. Essa lei modificou a cumulatividade no licenciamento ambiental que prevalecia no Brasil até então, segundo o qual poderia haver a superposição de competência licenciatória por parte de mais de um ente federativo.
A Resolução 237/1997 estabelece as etapas básicas do procedimento.
Inicia-se através da definição por parte do órgão ambiental, ouvido o empreendedor, dos documentos, projetos e estudos ambientais necessários ao início do licenciamento. Após reuni-los, o empreendedor dá entrada ao processo de licenciamento. Para elaborar o estudo ambiental, o profissional ou a equipe deve se pautar pelo Termo de Referência, documento emitido pelo órgão ambiental ou, em algumas hipóteses, pelo empreendedor – antes da implantação da atividade – a partir de informações previamente fornecidas pelo empreendedor, contendo as diretrizes, o conteúdo e a abrangência para a realização do EIA.
O licenciamento ambiental aplicado atualmente no Brasil começa com o Estudo Prévio de Impacto Ambiental, que viabiliza todo o processo e que, em casos mais simples, pode ser um estudo realizado por um só técnico, seguido da licença prévia, que fixa a localização e as condicionantes para as próximas fases, da licença de instalação, com a qual inicia a construção, e da licença de operação, que, finalmente, permite o funcionamento do estabelecimento.

Breves considerações sobre a Lei Complementar 140/2011
A Lei Complementar 140/2011 foi aprovada após vinte e três anos da promulgação da constituição e trouxe, nos termos de seu art. 1º, normas de cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora, regulamentando, portanto, os incisos III, VI e VII do art. 23 da Constituição de 1998. Além disso, trouxe algumas alterações à Lei 6.938/1981 (Política Nacional do Meio Ambiente).
Aprovada no contexto político do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC, do Governo Federal, a intenção da LC 140/2011 é simplificar e conferir celeridade aos procedimentos de licenciamento ambiental.
Essa lei teve como objetivo enfrentar um dos principais celeumas concernentes à matéria, visto que, antes da promulgação da LC 140/2011, a interpretação equivocada levava os órgãos ambientais a exigirem múltiplas licenças dos empreendedores, deixando-os em situação de insegurança jurídica. Não raro uma obra licenciada por um órgão poderia ser embargada por outro, que entendesse como sua a atribuição para o licenciamento.
Conforme observa Paulo Affonso Leme Machado, esta legislação não tem por finalidade transformar competências comuns em competências privativas ou especializadas. Segundo o autor, “a competência comum é aglutinadora e inclusiva, somando os intervenientes e não diminuindo ou tornando privativa a participação. A competência comum não é excludente”.
Portanto, a atuação dos entes federativos continua sendo conjunta. Para que isto se concretize, a referida Lei Complementar previu, em seu art. 4º como instrumentos possíveis de cooperação: a) os consórcios nos termos da legislação que os regulamenta (Lei 11.107/2005); b) os convênios, acordos de cooperação técnica e outros instrumentos similares com órgãos de  entidades do Poder Público; c) as Comissões Nacionais, Estaduais e do Distrito Federal, criadas com o objetivo de fomentar a gestão ambiental compartilhada e descentralizada entre os entes federativos que as compõem e organizadas por regimento interno; d) os fundos públicos e privados e outros instrumentos econômicos; e) a delegação de atribuições de um ente federativo a outro, nestes casos, respeitados os requisitos estipulados no art. 5º, ou seja, que o ente destinatário da delegação haja instituído conselho próprio de meio ambiente e que “disponha de órgão ambiental capacitado a executar as ações administrativas a serem delegadas”.

CONCLUSÃO
A sociedade de risco, tão amplamente discutida, trouxe ao Estado brasileiro desafios quanto sua real proteção. O gerenciamento de risco ambiental impõem-se, nesse sentido, como uma necessidade à criação de instrumentos revestidos de eficácia, da mesma forma que delega a atores sua efetivação.
As questões aqui levantadas requerem não só previsão legal e institucional, mas, sobretudo, empenho individual e coletivo.  A participação concreta da sociedade civil e de grupos de interesse é uma tendência insuperável na busca pela concretização do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Os preceitos fundantes de tal sociedade de riscos acarretam ainda o direcionamento da solidariedade na busca de soluções aos principais problemas ambientais.
Portanto, conforme afirma Canotilho, a solução deve se pautar pela ação conjunta, vez que a própria sustentabilidade não conhece limites geográficos.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 02 set. 1981. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6938.htm>.
_____Lei complementar n. 140, de 8 de dezembro de 2011. Fixa normas, nos termos dos incisos III, VI e VII do caput e do parágrafo único do art. 23 da Constituição Federal, para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora; e altera a Lei no 6.938, de 31 de agosto de 1981. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 09 dez. 2011. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/Lcp140.htm.
KRELL, Andreas J. Problemas no licenciamento ambiental no Sistema Nacional do Meio Ambiente. Revista de direitos difusos: licenciamento ambiental.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estado constitucional ecológico e democracia sustentada. Revista do Centro de Estudos de Direito do Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente – CEDOUA. n. 2. Ano IV. 2001. Disponível em: <http://ucdigdspace.fccn.pt/jspui/bitstream/10316.2/5732/1/revcedoua8%20art.%201%20JJGC.pdf>
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2007.



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