Análise ao regime Jurídico da Rede Natura
2000
A Rede Natura 2000 incide sobre uma rede de
zonas de protecção da natureza onde abrange o espaço da União Europeia, sendo
criada ao abrigo da Directiva 92/43/CEE, ou designada igualmente por Directiva
“Habitats” em 21 de Maio de 1992 e a Directiva “Aves” ” 79/409/CEE, do Conselho
de 2 de Abril de 1979.
Estas duas Directivas embora autónomas,
incidem sobre o mesmo fim, ou seja, a tutela da biodiversidade, apesar de terem
soluções jurídicas não totalmente coincidentes, o que pode levar a uma incoerência
do instituto.
A finalidade desta rede é garantir que as
espécies e habitats mais importantes, vulneráveis e ameaçados a nível europeu
sejam protegidas e perpetuadas ao longo das próximas décadas.
A criação da Rede Natura 2000 serviu como
objecção e forma de solucionar a crescente fragmentação de habitats e
consequente declínio de muitas espécies, dando como exemplos as plantas
endémicas ou determinado tipo de aves que ocorreram até 1992, tendo como
factores principais para este tipo de ocorrências o desenvolvimento das redes
urbanas, o aumento das taxas de turismo, a intensificação da agricultura,
desenvolvimento tecnológico e industrial ou as ascendentes necessidades
energéticas originando a sobre-exploração dos recursos naturais. Desta forma a
Rede Natura 2000 tem como papel fulcral a protecção da biodiversidade da União
Europeia, solução adoptada pelo Conselho Europeu de Gotemburgo em Junho de 2001
onde se estabeleceu quanto à matéria da gestão mais responsável dos recursos
naturais “que o declínio da biodiversidade deve ser sustido, procurando
alcançar este objectivo até 2010, conforme previsto no 6.º Programa de Acção em
Matéria de Ambiente”, o que não seria de todo alcançado segundo estudos
divulgados pela Agência Europeia do Ambiente em 2009.
Anteriormente
à convenção realizada em Gotemburgo, foram realizadas algumas convenções que se
debruçaram na problemática da protecção jus-internacional da diversidade
biológica, ainda que os temas fossem abordados de forma ligeira e até mesmo lacunar,
sendo as mais importantes: a convenção de Ramsar, em 1971, abordando sobre o
tema das zonas húmidas de importância internacional, a convenção em Washignton,
realizada em 1973, convenção sobre as zonas comercio internacional de espécies
da fauna e da flora ameaçadas de extinção ou a Cimeira da Terra, assinada em
1992 no Rio de Janeiro tendo como convenção a diversidade biológica.
A Rede Natura 2000 é a maior rede ecológica
do mundo e é constituída por zonas especiais de conservação,
incluindo também zonas de protecção especial instauradas por
força da Directiva “Aves” 79/409/CEE, do Conselho de 2 de Abril de 1979.
Estão previstas nesta Directiva 92/43/CEE
os tipos de habitats e espécies cuja conservação exige a designação de zonas
especiais de conservação, nomeadamente nos seu anexos I e II, sendo alguns até
designados como prioritários pois estão em perigo de extinção, e no anexo IV a
indicação das espécies animais e vegetais que necessitam de protecção
especificamente rigorosa.
Relativamente ao modus operandi da Rede
Natura 2000, a Directiva “Habitats” define-nos três fases de implementação
quando à designação das zonas
especiais de conservação, sendo um processo mais complexo conforme determina o
seu artigo 4º:
- Primeiramente a
apresentação das propostas feitas por cada Estado Membro referente aos sítios a
incluir na Rede Natura 2000, com vista à criação de um conjunto de listas
globalmente apresentadas.
Embora não esteja prevista para esta fase na
Directiva nem pela RJR2000, a antecedência de consultas públicas para inclusão
sítios na lista nacional de cada Estado- Membro, tal consulta pública é efectuada
no nosso ordenamento jurídico.
- Posteriormente, com
base nessas apresentações e conformidade com cada Estado-Membro, tendo por base
os
critérios constantes do anexo III, é posteriormente aprovada pela
Comissão uma única lista de sítios de importância comunitária para cada uma das nove regiões biogeográficas da
EU, a que se refere a alínea c), subalínea iii),
do artigo 1º e do conjunto do território a que se refere o nº 1 do artigo 2º,
sendo elas “a região alpina, a região atlântica, a região do Mar Negro, a
região boreal, a região continental, a região macaronésica, a região
mediterrânica, a região panónica e a região estépica”.
Estas
propostas são analisadas em seminários científicos cuja organização compete à
Comissão, tendo como apoio a Agência Europeia do Ambiente e a presença dos
Estados- Membros e respectivos peritos em representação dos interessados,
nomeadamente as ONG´s ambientais, e a partir do
momento em que um sítio de importância comunitária tenha sido reconhecido, o
Estado-membro em causa designará esse sítio como zona especial de conservação,
o mais célere possível e num prazo de seis anos estabelecer
as prioridades em função da importância dos sítios para manutenção ou restabelecimento
do estado de conservação favorável de um tipo ou mais de habitats naturais a
que se refere o anexo I ou de uma ou mais espécies a que se refere o anexo II e
para a coerência da rede Natura 2000.
-
Por último é estabelecido um sistema de gestão para os sítios designados que é
da inteira responsabilidade dos Estados- Membros.
Em relação a Portugal, embora não sendo um
dos territórios mais ricos e com maior pluralidade nem matéria de
biodiversidade, ainda assim é detentor de um interessante reportório de vida
selvagem, integrando uma grande percentagem do nosso continente e ilhas num dos
34 hotspots mundiais da
biodiversidade. Por este motivo, tem o legislador uma tarefa acrescida na
defesa da natureza e do ambiente, e igualmente na preservação dos recursos
naturais, segundo o artigo 9º alínea e) da Constituição da República
Portuguesa, ou criar e desenvolver reservas e parques naturais e de recreio, e
proceder à classificação e preservação de valores culturais que tenham
interesse histórico ou artístico, nos termos do artigo 66 nº2, da Constituição
da República Portuguesa.
Já no âmbito da nossa lei ordinária, o
Decreto-lei n.º 11/87, de 7 de Abril, também denominada Lei de Bases, transpôs
nos seus artigos 28º e 29º a composição de uma estratégia a nível nacional para
a conservação da natureza e respectiva implementação de uma rede contínua de
áreas protegidas que englobem áreas terrestes, águas interiores e marítimas e
outras ocorrências naturais distintas, que devam ser sujeitas a classificações,
à respectiva preservação e conservação, por conterem valores estéticos, dada a
sua raridade, importância cientifica, cultural e social, ou que contribuam para
o equilíbrio biológico e estabilidade ecológica das paisagens.
Para
que o nosso legislador sistematize todas as matérias relativas à salvaguarda da
biodiversidade, foi criada a Rede Fundamental de Conservação da Natureza (RFCN),
que nos termos do artigo 5º do Decreto-lei 142/2008, de 24 de Julho, integra o
Sistema Nacional de Áreas Classificadas (SNAC), subintegrando esta a Rede
Nacional de Áreas Protegidas (RNAP) e a Rede Natura 2000 (RN2000).
Quando ao regime jurídico da rede natura
2000, debruça-se essencialmente na selecção e classificação dos territórios,
que futuramente integrar-se-ão na respectiva rede, que após classificação dos
territórios, quer marítimos, quer terrestes, pertenceram a essa rede europeia
agregando espaços naturais aptos a salvaguardar a biodiversidade.
O processo de classificação ao abrigo da
Directiva Aves é muito diferente daquela que se encontra estabelecido na
Directiva Habitats. Na primeira, confiou-se quase exclusivamente aos
Estados-Membros a tarefa de zonamento (Zonas de protecção especial), e no
segundo foi formulado um processo com diferentes fases na tarefa de zonamento (Zonas
especiais de conservação), contendo maiores directrizes e intervenções dos
organismos comunitários, levando desta perspectiva à verificação de uma falta
de unificação do regime jurídico da Rede Natura 2000.
Por iniciativa da Comissão Europeia e
perante decisão do Conselho, pode ser integrado um ou mais tipos de habitats à
Lista Nacional de Sítios (SNI) e ser reconhecido como Sítio de Importância
Comunitária (SIC), conforme o previsto no Anexo B- III da RJRN2000 caso um
Estado-Membro não queira incluir ou atrase o processo de inclusão quanto à
nomeação da respectiva zona que mereça ser tutelada. No entanto tal decisão do
Conselho terá que ser tomada por unanimidade, ou seja, acabando por se sujeitar
à vontade do desse Estado-Membro faltoso, que tende a fazer prevalecer os
interesses de determinados grupos económicos ou mesmo os interesses da
população local da zona visada.
Faz-se agora forma sumária dois pontos que são
controvertidos e que incidem quando à Classificação dos Sítios da Rede Natura
2000:
É de posição maioritária quer na
jurisprudência, mediante acórdãos do TJUE, quer a nível doutrinário a
prevalência da aplicação do princípio da intangibilidade pela proibição de
reversibilidade das classificações dos sítios, às situações em que os Estados
Membros já tenham procedido à classificação num determinada zona, por via de
gozarem de alguma margem de apreciação quanto às suas escolha dos territórios
que mereçam se classificados como zonas de protecção especial, não podendo
retornar com a sua decisão, sendo que a integração na Rede Natura 2000 de um
dado espaço é tido como a título definitivo.
Assim,
há irreversibilidade das classificações dos sítios da Rede Natura 2000, quando
um Estado-Membro já tenha procedido à referida classificação não pode
desclassifica-lo ou mesmo proceder à diminuição da área já classificada.
A outra questão relaciona-se com o âmbito
espacial da protecção assegurada pela Rede Natural 2000, na medida em que se
pode extrair quer da Directiva Aves ou da Directiva Habitats que não existe uma
denominada “Zona Tampão” tal como defendem alguns autores, o que significa que
o estatuto jurídico ZPEs e o ZECs se circunscrevem no seu essencial à sua
extensão territorial, apesar das espécies não ficarem confinadas a essa área de
protecção, podendo sofrerem agressões fora dessas limítrofes. No entanto não
significa que o regime de protecção dos sítios integrados na Rede Natura 2000,
não possa produzir efeitos fora dos limites geográficos estabelecidos, pois não
são áreas vedadas ao exterior, conforme se pode extrair do artigo 3, n.º2
alínea b) da Directiva Aves ou até da criação de corredores ecológicos
previstos no artigo 7º- C do RJRN 2000.
Finalizando
a temática falta referir que muitas das dificuldades que surgiram com a
incrementação da Rede Natura 2000 relacionam-se com as dificuldades a nível de
gestão dos sítios, nomeadamente com o financiamento dos custos das medidas de
conservação que têm que ser aplicadas. Assim o artigo 8º da Directiva Habitats
estipula um co-financiamento comunitário com recurso a instrumentos
comunitários existentes, que tem vindo a ser cada vez mais utilizados a sítios
da Rede Natura 2000, nomeadamente ao Fundo Europeu de Desenvolvimento
Regional.
Bibliografia
http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX:31992L0043
ANTUNES, Tiago - “Pelos Caminhos Jurídicos do Ambiente”,
AAFDL, Lisboa 2014
Antunes, Tiago- Separata “Singularidades de um regime
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diferenças da análise de incidência ambiental”, Coimbra Editora 2010
ARAGÃO,
Maria Alexandra – “Instituição Concreta e Protecção Efectiva da Rede Natura
2000 – Alguns Problemas”, Revista do CEDOUA, Coimbra 2002
http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/qid=1398787187025&uri=CELEX:52005IP0078
Catarina Almeida n.º 17924
Visto.
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