domingo, 18 de maio de 2014

Critérios ambientais na contratação pública: em especial na fase de adjudicação

1.      Preocupações ambientais na Contratação Pública (em geral)
Nos primeiros tempos da Europa comunitária (CECA) as previsões em matéria ambiental eram quase inexistentes. Mesmo depois, já com a Comunidade Económica Europeia (CEE), o Tratado fundacional dessa comunidade (TCEE) não previa sequer nenhuma competência em matéria ambiental, nem sequer uma competência limitada ou sectorial. Se a matéria ambiental não era competência das comunidades, muito menos haveria no sentimento político dos vários fundadores uma preocupação ambiental no âmbito da contratação pública.

Só em 27 de Novembro de 1996, dentro de uma política ambiental em formação, foi adoptado pela Comissão o Livro Verde da Contratação Pública: “A contratação pública na União Europeia: pistas de reflexão para o futuro”, onde vieram a público pela primeira vez, no seio das comunidades, preocupações ambientais, no sentido de impor limites e condições aos contratos públicos.

Mais tarde, já em 2001, surgiu a “Comunicação Interpretativa da Comissão sobre o direito comunitário aplicável aos contratos públicos e as possibilidades de integrar considerações ambientais nos contratos públicos” (COM (2001)), esta muito mais específica e densificada no que concerne às preocupações ambientais na hora de a Administração Pública contratar.

Estes documentos comunitários surgiram porque as administrações públicas de toda a União Europeia têm um papel relevante, tanto no fomento e incremento de um mercado de produtos que tenha critérios adicionais de preocupação ambiental, como no fomento nos particulares das mesmas preocupações. Tendo em conta que o volume dos contratos públicos no conjunto da União Europeia era em 2001 de 14% do PIB global e 16% em 2010 (Draft reporto on new developements in public procurement – Parlamento Europeu 5 de Fevereiro 2010), pode e deve a administração marcar o passo do mercado e introduzir maiores preocupações ambientais.

Na comunicação interpretativa a comissão veio identificar quatro momentos em que devem ser tidos em conta critério ambientais:

1)      Na definição do objecto do contrato;
2)      Na selecção dos candidatos;
3)      Na adjudicação do contrato;
4)      Na execução do contrato.

O livro verde, comunicação interpretativa da comissão e jurisprudência posterior continham parâmetros que se transformariam em requisitos impostos a todos aqueles que desejassem contratar com a administração, exigindo-lhes uma maior preocupação ambiental. Estes requisitos foram acolhidos nas directivas da contratação pública: a Directiva 2004/17/CE e a Directiva 2004/18/CE emitidas pelo Conselho e pelo Parlamento Europeu.

Neste momento existem já novas directivas da contratação pública que entraram em vigor no dia 14 de Março de 2014 (2014/23/CE; 2014/24/CE; 2014/25/CE), e as quais analisaremos na secção posterior relativa à fase da adjudicação.


2.      Da adjudicação em especial


2.1   Na comunicação interpretativa da comissão (COM (2001))

A comissão veio dizer que existiam duas opções possíveis para adjudicar: o preço mais baixo ou a proposta economicamente mais vantajosa, embora só nesta última se pudessem tem em conta preocupações e critérios ambientais, uma vez que naquela para a administração só relevaria o preço.  
Relativamente ao critério da “proposta economicamente mais vantajosa” a comissão vem dizer que “Em primeiro lugar, o princípio da não-discriminação terá de ser respeitado, em segundo lugar, os critérios aplicados terão de criar uma vantagem económica para as entidades adjudicantes”, ou seja, “Os elementos ambientais podem servir para identificar a proposta economicamente mais vantajosa, nos casos em que estes elementos impliquem uma vantagem económica para a entidade adquirente, atribuível ao produto ou serviço objecto do contrato.”
Nesta comunicação a comissão, basicamente, vem dizer, como muito bem analisa DIOGO DUARTE DE CAMPOS, “para que determinado critério possa ser tido em consideração na avaliação de uma proposta tem, em primeiro lugar, criar uma vantagem económica para a entidade adjudicante e, em segundo lugar, estar relacionada com o objecto do contrato.”. Sendo assim, é conclusão da comissão que, para existir vantagem económica é necessário que os critérios ambientais sejam quantificáveis.
É portanto necessário que o critério ecológico tenha um carácter económico, o que faz com que, na maior parte das situações em que seria necessário que a administração tivesse em conta critérios ambientais não os possa ter devido a esta limitação. 
Para suavizar esta sua posição um tanto ou quanto economicista, em certo ponto radical, a comissão veio admitir a possibilidade de ter em conta todos os custos em que se incorre durante todo o ciclo de vida de um produto (que recaiam sobre a entidade adjudicante), não se centrando na vantagem económica no momento da sua aquisição.
Embora importante, não nos parece que esta suavização seja suficiente, não nos parece que apenas se possa ter em conta os custos do ciclo de vida que recaiam apenas sobre a administração, porque podem esses custos (a nosso ver não necessariamente económicos) recair sobre a comunidade, comunidade essa que as entidades adjudicantes (no caso de serem autoridades públicas) estão obrigadas a proteger contra danos de qualquer espécie, inclusive ambientais.


2.2   No Acórdão Concordia Bus


Este acórdão surgiu de um litígio entre Concordia Bus Oy Ab contra o Helsingin kaupungin (cidade de Helsínquia) e a HKL-Bussiliikenne. Remonta ao ano de 1997 quando foi adjudicada a gestão da rede de autocarros da cidade de Helsínquia à HKL, com base em bonificações atribuídas aos concorrentes que apresentassem emissões de óxido de azoto inferiores a 4g/kWh ou inferiores a 2g/kWh e, por outro, um nível sonoro inferior a 77 dB. Estaríamos assim numa situação em que critérios ambientais seriam factores de majoração da classificação final de cada concorrente.
No seguimento da adjudicação a Concordia veio interpor recurso da decisão para o Kilpailuneuvosto. Este organismo estatal finlandês veio a colocar ao TJUE três questões prejudiciais relativamente à interpretação de vários artigos das Directivas 93/38/CE e da Directiva 92/50/CE.
O Tribunal veio validar a introdução de critérios ambientais na identificação da oferta economicamente mais vantajosa, até então não reconhecidos expressamente nas directivas relativas à contratação pública. A parte mais importante da discussão (para o estudo que nos propomos a fazer) versava sobre a interpretação do artigo 36º nº1 da Directiva 92/50/CE, relativo aos critérios de adjudicação do contrato e a determinação de se a enumeração presente no artigo tinha ou não caracter taxativo e se os novos critérios incluídos deveriam ter, ou não, um carácter económico.
Na resolução do litígio o TJUE veio admitir, em primeiro lugar, a introdução de critérios não enumerados no artigo 36º, mas com limitações, ou seja, só poderiam ser introduzidos critérios ambientais que respeitassem o objecto do contrato e que não fossem contrários ao princípio da não discriminação e que respeitassem todas as normas de procedimento e publicidade contidas nas directivas.
Outra das questões interpretativas suscitada ao tribunal foi se a inclusão de critérios ambientais deveria ter uma tradução económica que se reflectisse directamente em benefícios para a entidade adjudicante, ou se apenas deveria existir uma vantagem económica indirecta para a administração. Pareceu ser esta última a posição do TJUE.
Parece, como muito bem nos elucida DIOGO DUARTE DE CAMPOS que o TJUE veio “limitar a introdução de políticas ambientais na contracção pública apenas à sua conformidade com o objecto do contrato em causa, independentemente de essas políticas serem susceptíveis de avaliação económica”
Parece-nos que será esta a interpretação mais correcta e a melhor, tendo em conta que com a introdução de critérios ecológicos na contratação pública a administração deverá ter em mente, na hora de contratar, a sustentabilidade e também as melhores práticas ambientais, já que é na grande maioria dos países (não se diz todos para não haver falta de precisão) da União Europeia responsável pela manutenção de certos padrões e valores ambientais que não pode descurar, muito menos nas relações com particulares que podem ter grande influência na vida futura da comunidade.


2.3 Nas Directivas de 2004


“As directrizes da Comunicação Interpretativa, densificadas pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, viriam a ganhar forma vinculante na directiva 2004/18/CE” (CARLA AMADO GOMES). Directiva esta que foi transposta para o ordenamento jurídico português e que consta actualmente do Código dos Contratos Públicos (doravante CCP) e mais concretamente quanto à matéria da adjudicação nos artigos 73º e 74º do CCP.
A questão da adjudicação era regulada pelo artigo 53º da directiva, e dizia que poderia ser feita de acordo com o preço mais baixo ou a proposta economicamente mais vantajosa, e quanto a esta última dizia: “Quando a adjudicação for feita à proposta economicamente mais vantajosa do ponto de vista da entidade adjudicante, diversos critérios ligados ao objecto do contrato público em questão, como sejam a qualidade, preço, valor técnico, características estéticas e funcionais, características ambientais, (…).
Só seria assim possível ter em conta critérios ambientais na adjudicação quando, a entidade adjudicante escolhesse a proposta economicamente mais vantajosa e quando estes critérios se encontrem relacionados com o objecto do contrato em causa. Parece assim que, veio a directiva adoptar a posição defendida pelo TJUE no que aos factores enunciados concerne. Já quanto à questão da avaliação económica, a única expressão onde parece que a directiva toma posição nesta matéria é quando diz que “do ponto de vista da entidade adjudicante” e não a mais vantajosa para a entidade adjudicante, que como muito bem nos elucida DIOGO DUARTE DE CAMPOS, “estas formulações são substancialmente diversas. Efectivamente, não é, manifestamente, impossível que uma determinada proposta seja, do ponto de vista da entidade adjudicante, a economicamente mais vantajosa, embora não directamente para ela.” Mas aqui surge outro problema, isto é, não é respeitada na totalidade a posição defendida pelo TJUE, visto que este defendeu, no Concordia Bus, que não tem de ser necessariamente susceptível de avaliação económica. Já a directiva vem dizer que pode não trazer uma vantagem económica directamente para a entidade adjudicante.
Não nos parece por isso que seja defensável que esta directiva vem seguir a posição do TJUE. Enquanto numa parte se pode dizer que as soluções coincidem, numa outra (avaliação económica) parece que a solução da directiva coincide mais com a resolução contida na Comunicação Interpretativa do que com a posição defendida pelo Tribunal.


2.4 Directivas 2014


Para além das inovações que trazem ao nível dos procedimentos que podem ser adoptados pela administração na escolha do contratante, também nestas directivas surgem inovações relativamente aos critérios para a adjudicação dos contratos públicos.
O artigo 67º da Directiva 2014/24/CE vem utilizar como único critério para a adjudicação o da “proposta economicamente mais vantajosa do ponto de vista da entidade adjudicante”. Deve também, de acordo com a directiva, utilizar-se uma abordagem de custo-eficácia, como os custos do ciclo de vida, vindo mesmo a especificar como estes se calculam no artigo 68º. Também se dá a opção, no nº 2 do artigo 67º, de a entidade adjudicante incluir na sua avaliação a melhor relação qualidade/preço, onde podem ser tidos em conta critérios ambientais.
Mesmo que a administração não tenha em conta aspectos qualitativos, os aspectos ambientais serão tidos em conta no cálculo dos custos do ciclo de vida, uma vez que o artigo 68º no seu nº1, alínea a), inciso iv), manda ter em conta os custos de fim de vida e dá o exemplo da reciclagem. Também refere neste cálculo as externalidades ambientais, com a condição da possibilidade de determinação do seu valor monetário.
Parece que esta directiva veio avançar alguns passos na matéria que neste trabalho se desenvolve, obrigando a administração a ter sempre em conta, nem que seja em termos minimalistas, critérios ambientais quando decide contratar. Parece que existe efectivamente um avanço, mas certamente não aquele que seria desejável nesta matéria.


  . Conclusão


Como foi atrás referenciado têm existido avanços nesta matéria, principalmente desde o início deste novo século, embora na nossa opinião ainda muito falta fazer.
Parece que não é de bastar que a entidade adjudicante tenha a possibilidade de ter em conta critérios ambientais na decisão de adjudicação, ou mesmo que tenha efectivamente de os ter em conta, embora em termos mínimos, como acontece na directiva de 2014.
Será de exigir das instâncias europeias, e das nacionais (porque não?), que passe a existir uma obrigatoriedade da existência de critérios ambientais na adjudicação de um contrato público. Chegaremos mesmo a pensar, se não poderão esses critérios ecológicos ser “conditio sine qua non”, para que determinada empresa possa contratar com as entidades públicas.
Parece ser esta última hipótese, a melhor de todas as que até hoje foram anunciadas e efectivadas. Não nos podemos esquecer que qualquer administração, logo, entidade adjudicante, tem competências e atribuições para além da contratação pública, entre elas atribuições a nível ambiental e de sustentabilidade. Não podemos permitir que as entidades adjudicantes esqueçam as suas atribuições e competências ao nível do ambiente quando decidem contratar com particulares. Mais, acresce o facto já referido na primeira parte deste trabalho, de que ao estar em relações com particulares pode influenciar os seus comportamentos. Existem empresas dedicas quase que exclusivamente a contratar com a administração, não será esta uma forma de fazer com que esses particulares passem a adoptar práticas amigas do ambiente?

Bibliografia


CAMPOS, Diogo Duarte de – A admissibilidade de políticas secundárias na Contratação pública: A consideração de factores ambientais e sociais, in Estudos de Direito Público, Coimbra Editora, 2011;

ESTORNINHO, Maria João – Green Public Procurement – Por uma contratação PúblicaSustentável, 2012;

GOMES, Carla Amado – Introdução ao Direito do Ambiente, AAFDL, 2014;

VIANA, Cláudia – Os princípios comunitários na Contratação Pública, Coimbra Editora, 2007;

SILVA, Jairdilson da Paz – Contratación Pública y preocupación ambiental – Perspectiva de derecho comparado entre la Unión Europea y Brasil, Trabajo de fin de máster, Universidad Internacional de Andalucía, 2010;

DE GATTA, Dionisio Sanchez Fernandez – La politica ambiental comunitária: especial referencia a los programas de acción. – Separata de la Revista de Instituciones Europeas, Madrid, 1985;

 Joel Moriano
Aluno n.º: 20693
  



Sem comentários:

Enviar um comentário