1.
Preocupações
ambientais na Contratação Pública (em geral)
Nos
primeiros tempos da Europa comunitária (CECA) as previsões em matéria ambiental
eram quase inexistentes. Mesmo depois, já com a Comunidade Económica Europeia
(CEE), o Tratado fundacional dessa comunidade (TCEE) não previa sequer nenhuma
competência em matéria ambiental, nem sequer uma competência limitada ou
sectorial. Se a matéria ambiental não era competência das comunidades, muito
menos haveria no sentimento político dos vários fundadores uma preocupação
ambiental no âmbito da contratação pública.
Só
em 27 de Novembro de 1996, dentro de uma política ambiental em formação, foi
adoptado pela Comissão o Livro Verde da Contratação Pública: “A contratação pública na União Europeia:
pistas de reflexão para o futuro”, onde vieram a público pela primeira vez,
no seio das comunidades, preocupações ambientais, no sentido de impor limites e
condições aos contratos públicos.
Mais
tarde, já em 2001, surgiu a “Comunicação
Interpretativa da Comissão sobre o direito comunitário aplicável aos contratos
públicos e as possibilidades de integrar considerações ambientais nos contratos
públicos” (COM (2001)), esta muito mais específica e densificada no que
concerne às preocupações ambientais na hora de a Administração Pública
contratar.
Estes
documentos comunitários surgiram porque as administrações públicas de toda a
União Europeia têm um papel relevante, tanto no fomento e incremento de um
mercado de produtos que tenha critérios adicionais de preocupação ambiental,
como no fomento nos particulares das mesmas preocupações. Tendo em conta que o
volume dos contratos públicos no conjunto da União Europeia era em 2001 de 14%
do PIB global e 16% em 2010 (Draft reporto
on new developements in public procurement – Parlamento Europeu 5 de Fevereiro
2010), pode e deve a administração marcar o passo do mercado e introduzir
maiores preocupações ambientais.
Na
comunicação interpretativa a comissão veio identificar quatro momentos em que
devem ser tidos em conta critério ambientais:
1) Na
definição do objecto do contrato;
2) Na
selecção dos candidatos;
3) Na
adjudicação do contrato;
4) Na
execução do contrato.
O
livro verde, comunicação interpretativa da comissão e jurisprudência posterior
continham parâmetros que se transformariam em requisitos impostos a todos
aqueles que desejassem contratar com a administração, exigindo-lhes uma maior
preocupação ambiental. Estes requisitos foram acolhidos nas directivas da
contratação pública: a Directiva 2004/17/CE e a Directiva 2004/18/CE emitidas
pelo Conselho e pelo Parlamento Europeu.
Neste
momento existem já novas directivas da contratação pública que entraram em
vigor no dia 14 de Março de 2014 (2014/23/CE; 2014/24/CE; 2014/25/CE), e as
quais analisaremos na secção posterior relativa à fase da adjudicação.
2. Da adjudicação em especial
2.1 Na comunicação interpretativa da comissão
(COM (2001))
A
comissão veio dizer que existiam duas opções possíveis para adjudicar: o preço
mais baixo ou a proposta economicamente mais vantajosa, embora só nesta última
se pudessem tem em conta preocupações e critérios ambientais, uma vez que
naquela para a administração só relevaria o preço.
Relativamente
ao critério da “proposta economicamente mais vantajosa” a comissão vem dizer
que “Em primeiro lugar, o princípio da não-discriminação terá de ser
respeitado, em segundo lugar, os critérios aplicados terão de criar uma
vantagem económica para as entidades adjudicantes”, ou seja, “Os elementos
ambientais podem servir para identificar a proposta economicamente mais vantajosa,
nos casos em que estes elementos impliquem uma vantagem económica para a entidade
adquirente, atribuível ao produto ou serviço objecto do contrato.”
Nesta
comunicação a comissão, basicamente, vem dizer, como muito bem analisa DIOGO
DUARTE DE CAMPOS, “para que determinado critério possa ser tido em consideração
na avaliação de uma proposta tem, em primeiro lugar, criar uma vantagem
económica para a entidade adjudicante e, em segundo lugar, estar relacionada
com o objecto do contrato.”. Sendo assim, é conclusão da comissão que, para
existir vantagem económica é necessário que os critérios ambientais sejam quantificáveis.
É
portanto necessário que o critério ecológico tenha um carácter económico, o que
faz com que, na maior parte das situações em que seria necessário que a
administração tivesse em conta critérios ambientais não os possa ter devido a
esta limitação.
Para
suavizar esta sua posição um tanto ou quanto economicista, em certo ponto
radical, a comissão veio admitir a possibilidade de ter em conta todos os
custos em que se incorre durante todo o ciclo de vida de um produto (que
recaiam sobre a entidade adjudicante), não se centrando na vantagem económica
no momento da sua aquisição.
Embora
importante, não nos parece que esta suavização seja suficiente, não nos parece
que apenas se possa ter em conta os custos do ciclo de vida que recaiam apenas
sobre a administração, porque podem esses custos (a nosso ver não
necessariamente económicos) recair sobre a comunidade, comunidade essa que as
entidades adjudicantes (no caso de serem autoridades públicas) estão obrigadas
a proteger contra danos de qualquer espécie, inclusive ambientais.
2.2 No Acórdão Concordia Bus
Este
acórdão surgiu de um litígio entre Concordia
Bus Oy Ab contra o Helsingin
kaupungin (cidade de Helsínquia) e a HKL-Bussiliikenne.
Remonta ao ano de 1997 quando foi adjudicada a gestão da rede de autocarros
da cidade de Helsínquia à HKL, com base em bonificações atribuídas aos
concorrentes que apresentassem emissões de óxido de azoto inferiores a 4g/kWh ou
inferiores a 2g/kWh e, por outro, um nível sonoro inferior a 77 dB. Estaríamos
assim numa situação em que critérios ambientais seriam factores de majoração da
classificação final de cada concorrente.
No
seguimento da adjudicação a Concordia veio interpor recurso da decisão para o Kilpailuneuvosto. Este organismo estatal
finlandês veio a colocar ao TJUE três questões prejudiciais relativamente à
interpretação de vários artigos das Directivas 93/38/CE e da Directiva
92/50/CE.
O
Tribunal veio validar a introdução de critérios ambientais na identificação da
oferta economicamente mais vantajosa, até então não reconhecidos expressamente
nas directivas relativas à contratação pública. A parte mais importante da
discussão (para o estudo que nos propomos a fazer) versava sobre a
interpretação do artigo 36º nº1 da Directiva 92/50/CE, relativo aos critérios
de adjudicação do contrato e a determinação de se a enumeração presente no
artigo tinha ou não caracter taxativo e se os novos critérios incluídos
deveriam ter, ou não, um carácter económico.
Na
resolução do litígio o TJUE veio admitir, em primeiro lugar, a introdução de
critérios não enumerados no artigo 36º, mas com limitações, ou seja, só
poderiam ser introduzidos critérios ambientais que respeitassem o objecto do
contrato e que não fossem contrários ao princípio da não discriminação e que
respeitassem todas as normas de procedimento e publicidade contidas nas
directivas.
Outra
das questões interpretativas suscitada ao tribunal foi se a inclusão de
critérios ambientais deveria ter uma tradução económica que se reflectisse
directamente em benefícios para a entidade adjudicante, ou se apenas deveria
existir uma vantagem económica indirecta para a administração. Pareceu ser esta
última a posição do TJUE.
Parece,
como muito bem nos elucida DIOGO DUARTE DE CAMPOS que o TJUE veio “limitar a
introdução de políticas ambientais na contracção pública apenas à sua
conformidade com o objecto do contrato em causa, independentemente de essas
políticas serem susceptíveis de avaliação económica”
Parece-nos
que será esta a interpretação mais correcta e a melhor, tendo em conta que com
a introdução de critérios ecológicos na contratação pública a administração
deverá ter em mente, na hora de contratar, a sustentabilidade e também as
melhores práticas ambientais, já que é na grande maioria dos países (não se diz
todos para não haver falta de precisão) da União Europeia responsável pela
manutenção de certos padrões e valores ambientais que não pode descurar, muito
menos nas relações com particulares que podem ter grande influência na vida
futura da comunidade.
2.3 Nas Directivas de
2004
“As
directrizes da Comunicação Interpretativa, densificadas pela jurisprudência do
Tribunal de Justiça, viriam a ganhar forma vinculante na directiva 2004/18/CE”
(CARLA AMADO GOMES). Directiva esta que foi transposta para o ordenamento
jurídico português e que consta actualmente do Código dos Contratos Públicos
(doravante CCP) e mais concretamente quanto à matéria da adjudicação nos
artigos 73º e 74º do CCP.
A
questão da adjudicação era regulada pelo artigo 53º da directiva, e dizia que
poderia ser feita de acordo com o preço mais baixo ou a proposta economicamente
mais vantajosa, e quanto a esta última dizia: “Quando a adjudicação for feita à
proposta economicamente mais vantajosa do ponto de vista da entidade
adjudicante, diversos critérios ligados ao objecto do contrato público em
questão, como sejam a qualidade, preço, valor técnico, características
estéticas e funcionais, características ambientais, (…)”.
Só seria assim possível ter em conta critérios
ambientais na adjudicação quando, a entidade adjudicante escolhesse a proposta
economicamente mais vantajosa e quando estes critérios se encontrem
relacionados com o objecto do contrato em causa. Parece assim que, veio a
directiva adoptar a posição defendida pelo TJUE no que aos factores enunciados
concerne. Já quanto à questão da avaliação económica, a única expressão onde
parece que a directiva toma posição nesta matéria é quando diz que “do ponto de vista da entidade adjudicante”
e não a mais vantajosa para a entidade adjudicante, que como muito bem nos
elucida DIOGO DUARTE DE CAMPOS, “estas formulações são substancialmente
diversas. Efectivamente, não é, manifestamente, impossível que uma determinada
proposta seja, do ponto de vista da entidade adjudicante, a economicamente mais
vantajosa, embora não directamente para ela.” Mas aqui surge outro problema,
isto é, não é respeitada na totalidade a posição defendida pelo TJUE, visto que
este defendeu, no Concordia Bus, que não tem de ser necessariamente susceptível
de avaliação económica. Já a directiva vem dizer que pode não trazer uma
vantagem económica directamente para a entidade adjudicante.
Não nos parece por isso que seja defensável que
esta directiva vem seguir a posição do TJUE. Enquanto numa parte se pode dizer
que as soluções coincidem, numa outra (avaliação económica) parece que a
solução da directiva coincide mais com a resolução contida na Comunicação
Interpretativa do que com a posição defendida pelo Tribunal.
2.4 Directivas 2014
Para além das inovações que trazem ao nível dos
procedimentos que podem ser adoptados pela administração na escolha do
contratante, também nestas directivas surgem inovações relativamente aos
critérios para a adjudicação dos contratos públicos.
O artigo 67º da Directiva 2014/24/CE vem
utilizar como único critério para a adjudicação o da “proposta economicamente
mais vantajosa do ponto de vista da entidade adjudicante”. Deve também, de
acordo com a directiva, utilizar-se uma abordagem de custo-eficácia, como os
custos do ciclo de vida, vindo mesmo a especificar como estes se calculam no
artigo 68º. Também se dá a opção, no nº 2 do artigo 67º, de a entidade
adjudicante incluir na sua avaliação a melhor relação qualidade/preço, onde
podem ser tidos em conta critérios ambientais.
Mesmo que a administração não tenha em conta
aspectos qualitativos, os aspectos ambientais serão tidos em conta no cálculo
dos custos do ciclo de vida, uma vez que o artigo 68º no seu nº1, alínea a),
inciso iv), manda ter em conta os custos de fim de vida e dá o exemplo da
reciclagem. Também refere neste cálculo as externalidades ambientais, com a
condição da possibilidade de determinação do seu valor monetário.
Parece que esta directiva veio avançar alguns
passos na matéria que neste trabalho se desenvolve, obrigando a administração a
ter sempre em conta, nem que seja em termos minimalistas, critérios ambientais
quando decide contratar. Parece que existe efectivamente um avanço, mas
certamente não aquele que seria desejável nesta matéria.
. Conclusão
Como foi atrás referenciado têm existido
avanços nesta matéria, principalmente desde o início deste novo século, embora
na nossa opinião ainda muito falta fazer.
Parece que não é de bastar que a entidade
adjudicante tenha a possibilidade de ter em conta critérios ambientais na
decisão de adjudicação, ou mesmo que tenha efectivamente de os ter em conta,
embora em termos mínimos, como acontece na directiva de 2014.
Será de exigir das instâncias europeias, e das
nacionais (porque não?), que passe a existir uma obrigatoriedade da existência
de critérios ambientais na adjudicação de um contrato público. Chegaremos mesmo
a pensar, se não poderão esses critérios ecológicos ser “conditio sine qua non”, para que determinada empresa possa
contratar com as entidades públicas.
Parece ser esta última hipótese, a melhor de
todas as que até hoje foram anunciadas e efectivadas. Não nos podemos esquecer
que qualquer administração, logo, entidade adjudicante, tem competências e
atribuições para além da contratação pública, entre elas atribuições a nível
ambiental e de sustentabilidade. Não podemos permitir que as entidades
adjudicantes esqueçam as suas atribuições e competências ao nível do ambiente
quando decidem contratar com particulares. Mais, acresce o facto já referido na
primeira parte deste trabalho, de que ao estar em relações com particulares
pode influenciar os seus comportamentos. Existem empresas dedicas quase que
exclusivamente a contratar com a administração, não será esta uma forma de
fazer com que esses particulares passem a adoptar práticas amigas do ambiente?
Bibliografia
CAMPOS, Diogo Duarte de – A
admissibilidade de políticas secundárias na Contratação pública: A consideração
de factores ambientais e sociais, in Estudos de Direito Público, Coimbra
Editora, 2011;
ESTORNINHO,
Maria João – Green Public
Procurement – Por uma contratação PúblicaSustentável, 2012;
GOMES,
Carla Amado – Introdução ao Direito
do Ambiente, AAFDL, 2014;
VIANA,
Cláudia – Os princípios
comunitários na Contratação Pública, Coimbra Editora, 2007;
SILVA,
Jairdilson da Paz – Contratación Pública y preocupación ambiental – Perspectiva
de derecho comparado entre la Unión Europea y Brasil, Trabajo de fin de máster,
Universidad Internacional de Andalucía, 2010;
DE GATTA,
Dionisio Sanchez Fernandez – La politica ambiental comunitária: especial
referencia a los programas de acción. – Separata de la Revista de Instituciones
Europeas, Madrid, 1985;
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