Neste primeiro
post de Direito do Ambiente iremos incidir, a partir de uma notícia de jornal, no
tema da responsabilidade ambiental e a respectiva exclusão de culpa.
Notícia:
Inundações
costeiras poderão afetar 5,5 milhões de pessoas
Relatório do Painel da ONU para as Alterações Climáticas conclui
que os custos diretos no sul da Europa poderão atingir 17 mil milhões de euros
por ano.
Risco acrescido de incêndios e megaincêndios florestais, juntamente com ventos fortes durante períodos quentes e secos; queda do valor das florestas e aumento das doenças, fungos e incidência do escaravelho da madeira; inundações costeiras que poderão afetar entre centenas de milhares e 5,5 milhões de pessoas, custando 17 mil milhões de euros por ano; diminuição do turismo de verão no Mediterrâneo e do turismo de inverno nas montanhas, devido à subida das temperaturas; e queda da produtividade agrícola e aumento de doenças e fungos.
Risco acrescido de incêndios e megaincêndios florestais, juntamente com ventos fortes durante períodos quentes e secos; queda do valor das florestas e aumento das doenças, fungos e incidência do escaravelho da madeira; inundações costeiras que poderão afetar entre centenas de milhares e 5,5 milhões de pessoas, custando 17 mil milhões de euros por ano; diminuição do turismo de verão no Mediterrâneo e do turismo de inverno nas montanhas, devido à subida das temperaturas; e queda da produtividade agrícola e aumento de doenças e fungos.
Estas vão ser as principais consequências
das mudanças no clima do sul da Europa, segundo o 5.º relatório do Painel
Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC) da ONU, divulgado esta
segunda-feira em Yokohama, no Japão. O relatório anteriores fora publicado há sete
anos.
A primeira parte do documento, sobre os
impactos físicos das alterações climáticas - aumento das temperaturas,
condições meteorológicas extremas e subida do nível do mar, com diferentes
cenários de emissões de carbono para a atmosfera - já tinha sido divulgada em
setembro de 2013, em Estocolmo, na Suécia.
Esta é a segunda parte, que incide sobre a
forma como os impactos físicos se relacionam com a exposição e a
vulnerabilidade das populações, gerando vários riscos para a sociedade.
Biodiversidade e indústria pesqueira
ameaçadas
Na Europa em geral, o relatório alerta
para outras consequências, como o impacto negativo nas pescas e indústrias do
mar, do aumento da acidificação e da temperatura dos oceanos e as ameaças à
biodiversidade.
Na biodiversidade, o destaque vai para as
consequências da deslocação de 550 quilómetros para norte
dos habitats das aves nidificantes até ao final do século, as
alterações no tempo de migração de primavera e na época de reprodução das aves
e a constatação de que 9% dos mamíferos estão em risco de extinção e até 78%
podem ser seriamente ameaçados no futuro próximo.
A segunda parte do relatório teve a
contribuição de 500 especialistas de 115 países e afirma que as alterações
climáticas se fazem já sentir em todos os continentes e oceanos.
Situações irreversíveis nos bancos de
coral e no Ártico
O documento sublinha que algumas regiões
do mundo chegaram a uma situação limite e que outras já a ultrapassaram.
"Tanto o aquecimento das águas nos recifes de coral como os ecossistemas
do Ártico estão já a passar por situações irreversíveis", afirma o
relatório.
Por outro lado, a produtividade agrícola
poderá cair 2% por década até ao final do século, ameaçando a segurança
alimentar em várias regiões do mundo, e algumas espécies de peixes tropicais
poderão mesmo desaparecer.
As regiões mais vulneráveis estão
localizadas nos países em desenvolvimento, em particular os do sul e sudeste da
Ásia, e as comunidades rurais serão as mais afetadas.
Metas da União Europeia são insuficientes
Num comunicado sobre as previsões do
relatório do IPCC, a Quercus defende que a União Europeia "deve montar um
pacote climático e energético o mais forte possível para o período pós-2020,
incluindo metas obrigatórias para as emissões de gases de efeito de estufa, as
energias renováveis e a poupança de energia".
A ambição climática europeia "não
mudou nos últimos cinco anos", critica a organização ambientalista,
"e a sua proposta de 40% de redução das emissões em 2030 não é a garantia
de que vamos ficar abaixo de um aquecimento global de dois graus Celsius".
A verdade é que o último Conselho Europeu
de 20 e 21 de março, onde se esperava a aprovação da política para o clima e a
energia para os próximos 15 anos, adiou todas as decisões para outubro, atrasando
o processo de negociação internacional promovido pela ONU com o objetivo de
alcançar um acordo climático global na Cimeira de Paris, em dezembro de 2015.
O tema da responsabilidade
ambiental tem vindo a ganhar grande destaque nos últimos anos, em especial
devido às alterações climáticas que se tem vindo a verificar. O Decreto-Lei n.º
147/2008, de 29 de Julho que estabelece o regime jurídico da responsabilidade
por danos ambientais (RJRDA), veio transpor a Directiva n.º 2004/35/CE no qual
a União Europeia consagrou o regime da responsabilidade ambiental. O regime jurídico
da responsabilidade por danos ambientais consagra, para além da
responsabilidade ambiental administrativa, o regime da responsabilidade civil,
ao contrário do que foi consagrado pelo diploma europeu.
Relativamente à
notícia apresentada, coloca-se a questão da responsabilidade por danos
ambientais porque com as alterações climáticas acontecem danos ao meio
ambiente. O artigo 11.º, n.º1, alínea d) do RJRDA define o dano como uma “alteração adversa mensurável de um recurso
natural ou a deterioração mensurável do serviço de um recurso natural que
ocorram directa ou indirectamente”. Este regime acaba por, no artigo 11.º,
n.º1, alínea e), subdividir os danos ambientais em três grupos: danos causados
às espécies e habitats naturais protegidos; danos causados à água; e danos
causados ao solo. Consideramos que os danos ambientais consistem em lesões quer
directa quer indirectamente ao meio ambiente, podendo afectar tanto o interesse
da sociedade como os interesses individuais. Portanto dividem-se entre danos
ambientais individuais e danos ambientais colectivos: os primeiros atingem a
esfera jurídica da pessoa individual, para além de atingirem o meio ambiente;
os segundos dizem respeito aos danos causados ao próprio ambiente, não
envolvendo interesses individuais. É possível haver uma cumulação de danos
individuais e danos colectivos numa situação concreta. No RJRDA encontra-se
estabelecido no Capítulo II, relativo à responsabilidade civil, os danos que
ofendem direitos ou interesses alheios, ou seja, direitos ou interesses
individuais. Em relação aos outros danos, estes encontram-se no Capítulo III.
A notícia fala de
situações irreversíveis nos recifes de coral e nos ecossistemas do Árctico,
pelo que pensamos existir um dano ambiental causado às espécies e habitats
naturais protegidos, nos termos do artigo 11.º, n.º1, alínea e), subalínea i)
do regime. Para além deste dano, poderá existir um dano à água porque o seu
estado ecológico foi afectado com o aquecimento global, o que provocou um aquecimento
das águas e um impacto negativo nas pescas e indústrias do mar.
Através do princípio
do poluidor-pagador a responsabilidade apresenta a função repressiva, na qual
quem contamina deverá pagar pelos danos, ou seja, quem, em qualquer momento da produção,
transporte, uso ou disposição final, contaminar, paga pelo que contaminou.
Quando a reparação
natural já não é possível, deve-se tentar uma compensação ecológica, que
consiste na substituição por equivalente num outro lugar. No caso, a única
forma de existir uma reparação natural seria através da diminuição das
alterações climáticas. Daí que a responsabilidade apresente também uma função
preventiva, na qual procura-se através de uma atitude pedagógica
responsabilizar os poluidores. Em Portugal, existem inúmeras campanhas e
eventos que promovem a consciencialização do problema das alterações climáticas
no meio ambiente. Porém, as alterações climáticas continuam a provocar sérios
danos ambientais no nosso país, como se pode verificar com a diminuição do
areal nas praias costeiras de Portugal e com a subsequente subida do mar.
Caso existissem
empresas nas mesmas zonas que foram afectadas pela alteração climática, poderia
existir a dúvida de saber se o dano foi provocado pelas empresas ou pela
alteração climática. Determinante, neste caso, é o nexo de causalidade, que determina
uma relação de causa e efeito entre os factos e os danos que são considerados
sua consequência. No RJRDA o nexo de causalidade encontra-se previsto no artigo
5.º, no qual se estabelece que, para apreciar a prova do nexo de causalidade, existe
um critério de verosimilhança e de probabilidade. No Brasil tem existido uma grande discussão doutrinária relativa a este tema. Na doutrina brasileira existem
duas teorias relativas ao risco no nexo de causalidade: teoria do risco
integral e a teoria do risco criado. Na teoria do risco integral a
responsabilidade dependeria da simples existência de uma actividade que pudesse
provocar os danos ocorridos. Enquanto que, na teoria do risco criado, poderão
existir excludentes de responsabilidade. Para nós, na responsabilidade
ambiental é possível existir excludentes de responsabilidade, tais como o caso
fortuito e a força maior. Não nos parece fazer sentido que alguém seja
responsabilizado por danos dos quais não tem culpa, portanto consideramos a
teoria do risco integral como sendo demasiado punitiva. Contudo, já não haverá
excludente da responsabilidade da actividade, se esta concorreu, de qualquer
forma, para o dano que ocorreu.
Tanto o caso fortuito
como a força maior são acontecimentos imprevisíveis e externos a qualquer
actividade de risco, daí que excluem a culpa dessa actividade nos danos que
ocorreram. No caso fortuito os danos são provocados pela natureza, como as
enchentes e o maremoto, sendo que não haveria a menor possibilidade de previsão
da ocorrência destes factos e consecutivos danos. Na força maior os actos são
praticados pelo ser humano mas também não são previstos, tal como as revoluções
ou os actos terroristas. Então, caso existisse
uma empresa, ter-se-ia que provar que esta não produziu os danos causados e que
estes foram provocados pela natureza, sendo portanto casos fortuitos.
Embora as alterações
climáticas sejam consequência de actos praticados pelo ser humano, este não
conseguiu prever a ocorrência dos danos todos que têm vindo a acontecer. Mesmo com
a existência de relatórios e estudos, é bastante difícil determinar a
quantidade de danos que irão ocorrer no futuro. Para além disso, os danos
acabam por ser praticados pela natureza e não pelo indivíduo. Imagine-se o caso
do desalojamento de dezenas de pessoas das suas casas na zona costeira aquando
da subida dos mares e das consequentes inundações das suas habitações. Nesta
situação houve um caso fortuito que não foi previsto e ocasionou severos danos.
A nosso ver, estas pessoas deveriam ser realojadas, mas não haveria culpa do
Estado pelo que não haveria lugar à indemnização. Haveria nesta situação um
problema de urbanismo: só existiu uma inundação porque as casas estavam
demasiado perto do mar. Poderia existir culpa do Estado se existisse uma
autorização a permitir a construção e, além disso, se o Estado aquando a
construção saberia que haveria um sério risco de inundação. Fora este caso, não
concordamos com a indemnização porque não nos parece plausível que o Estado se
encontre obrigado a indemnizar por situações que não poderia prever. Contudo,
nos casos em que, embora haja inundações, seja possível continuar a habitar a
casa, o Estado poderá disponibilizar uma verba que ajude as pessoas na
reconstrução. Para além disso, o Estado terá que disponibilizar dinheiro para
criar protecções que evitem novas inundações. Também relativamente
aos incêndios, embora a sua grande maioria seja provocada pelo Homem, o Estado
tem que disponibilizar dinheiro para o combate e prevenção dos mesmos.
Em suma, percebemos
que, mesmo quando poderia existir responsabilidade ambiental, há caso de
exclusão da culpa que permitem que não exista esta responsabilidade. As alterações
climáticas continuam a aumentar e a legislação ambiental deverá continuar a
acompanhar o desenvolvimento e os problemas que têm vindo a aparecer. Estas alterações
provocam graves danos a todos os níveis (biodiversidade, água e ar), pelo que
os indivíduos e o Estado devem unir esforços para o combate dos danos. É imprescindível a consciencialização dos danos. Pensamos que, este ano em Portugal, infelizmente devido, em especial, às inundações, às derrocadas e às mudanças bruscas de temperatura (que foram os danos que mais se fizeram "sentir"), houve um aumento da consciencialização e das atitudes proteccionistas por parte dos portugueses. Porém, não poderão ser só os portugueses a actuar, a União Europeia deve criar metas relativas à diminuição das alterações climáticas a atingir pelos países europeus.
Bibliografia utilizada:
- CARVALHO, Délton Winter De, Dano Ambiental Futuro – A Responsabilização
Civil pelo Risco Ambiental, 2ª Edição, Livraria do Advogado Editora, Porto
Alegre, 2013
- PILATI, Luciana Cardoso e DANTAS, Marcelo Buzaglo, com a coordenação de José Rubens Morato Leite, Direito Ambiental Simplificado,
Editora Saraiva, 2011
- ALBERGARIA, Bruno, Direito Ambiental e a Responsabilidade Civil
das Empresas, Editora Fórum, Belo Horizonte, 2005
- ANTUNES, Tiago, Da natureza jurídica da responsabilidade
ambiental, in Cadernos O Direito,
N.º 6, Almedina, 2011
Ana Raquel Modesto Damião - n.º 20653
Visto.
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