“A inteligência é a habilidade das espécies para viver
em harmonia com o meio
ambiente”
Paul Watson
Desde os anos 70, a preocupação de
preservar o ambiente e de criar políticas de tutela do ambiente tem estado na
origem de diversas iniciativas comunitárias. Exemplo disso foi a criação do Protocolo
de Quioto, um instrumento jus-internacional de combate ao efeito de estufa que,
através das instituições comunitárias, levou a cabo um Programa Europeu para as Alterações Climáticas (ECCP). Este aprovou
um conjunto de instrumentos jurídicos que visam a diminuição das emissões de Gases de Efeito de Estufa (GEE). O
Comércio Europeu de Licenças de Emissão
(CELE) - criado pela Directiva n.º 2003/87/CE de 13 de Outubro e, entretanto, transposta para a ordem jurídica interna pelo Decreto-Lei
n.º 233/2004, de 14 de Dezembro, alterada pelo Decreto-Lei n.º 154/2009, 6 de Julho
que, também, foi alterada pelo Decreto-Lei
n.º 38/2013 de 15 de Março - constitui o primeiro instrumento de
mercado intracomunitário de regulação das emissões de GEE, com o propósito de
as reduzir, assegurando o cumprimento eficaz dos objectivos da União Europeia.
Em 2009, no âmbito do Pacote
Clima-Energia, foi publicada a Directiva 2009/29/CE que altera a directiva
mencionada supra e apresenta o quadro legal do CELE para o período pós-2013 –
ficou conhecida por «Nova Directiva CELE».
Esta prevê reduções das emissões de GEE para que os níveis cientificamente
necessários para evitar alterações climáticas sejam atingidos. Assim que a
Comunidade aprove um acordo internacional sobre as alterações climáticas,
aplicar-se-á o compromisso de redução de emissões acima dos 20%.
O CELE
encontra-se estruturado por sucessivas
fases temporais: a primeira fase decorreu entre 2005 e 2007, e visava
essencialmente a experimentação e aprendizagem (“learning by doing”); a segunda fase decorreu entre 2008 e 2012,
período de cumprimento do Protocolo de Quioto; a terceira fase respeita ao ano
de 2013 e decorre até 2020. Para cada uma das duas primeiras fases foi aprovado
um Plano Nacional de Atribuição de Licenças de Emissão (PNALE), estabelecendo a
quantidade total de licenças de emissão a atribuir, pelo Estado Português e o
respectivo método de atribuição. Na última fase (2013-2020) deixa de haver PNALEs, por parte de cada Estado-Membro,
sendo a quantidade total de licenças de emissão que compõem o mercado (“cap”) e as respectivas regras de
distribuição estabelecidas, de forma
centralizada e uniforme para todo o espaço europeu. Na primeira fase, pelo
menos, 95% das licenças de emissão tinham de ser gratuitamente atribuídas; na
segunda fase, a atribuição gratuita devia abranger, pelo menos, 90% das
licenças de emissão; na terceira fase prevê-se uma diminuição progressiva da
quantidade de licenças de emissão atribuídas a título gratuito e um
correspondente aumento do recurso ao leilão, nos termos do artigo 11.º/4 do
CELE.
Com efeito,
estamos perante um instrumento flexível
de fomento na medida em que, ao associar um preço à emissão de gases
poluentes, cria um estímulo ou um incentivo económico à redução da poluição, ou
seja, prevê-se um custo de oportunidade para a poluição - consagração no princípio do poluidor-pagador[1].
Este princípio tem acolhimento constitucional, defendendo o Professor Vasco
Pereira da Silva que se trata de um
corolário necessário da norma do artigo 66.º/2 h) da CRP, uma vez que impõe
ao Estado a tarefa de «assegurar que a política
fiscal compatibilize desenvolvimento com o ambiente e qualidade de vida».
Daqui decorre a consideração de que os sujeitos económicos, que são
beneficiários de uma determinada actividade poluente, devem igualmente ser
responsáveis, pela via fiscal[2],
pela compensação dos prejuízos que resultam para a comunidade, podendo
considerar que tal compensação financeira não se deve, apenas, reportar aos
prejuízos, mas também (actualmente ampliado) aos custos da reconstituição natural
das lesões ambientais e às medidas de prevenção que se revelam necessárias para
atenuar comportamentos de risco para o meio ambiente. Para o Professor Vasco
Pereira da Silva, tendo em conta que está em causa um princípio constitucional
em matéria de ambiente, estamos perante um princípio autónomo que vincula
directamente a Administração pois cria critérios autónomos de decisão que, se
desrespeitados, geram a invalidade das decisões administrativas: o princípio do
poluidor-pagador tem uma especificidade sancionatório-preventiva que não se
esgota na consideração da adequação ou equilíbrio das políticas adoptadas, não
podendo valer, apenas, como forma de concretização, ao nível ambiental, dos
princípios gerais da actividade administrativa.
2. Regime Jurídico do Comércio Europeu de Licenças de Emissão
O CELE é um
regime obrigatório ou vinculativo de protecção do ambiente, conferindo aos
operadores económicos flexibilidade
para que sejam eles próprios a auto-regularem as suas emissões poluentes:
se emitem menos, é-lhes dada a oportunidade de vender parte das suas licenças
de emissão; se emitirem mais, têm de adquirir as necessárias licenças de
emissão e de suportar os inerentes encargos. Este regime é produto de um duplo objectivo: um objectivo ambiental – que estipula um
limite máximo de poluição a emitir, a nível global - e, simultaneamente, um objectivo
económico – que atribui, por um lado, aos agentes económicos, levar a cabo
negociações no intuito de maximizar os respectivos proveitos, e por outro lado,
atenuar os custos do combate à poluição. O que se pretende, com o Comércio Europeu de Licenças de Emissão
é alcançar o objectivo ambiental de redução das emissões poluentes mas com o
menor prejuízo possível. Deste modo,
podemos qualificá-lo como o sistema de
“cap and trade”, na medida em que se define o volume total das emissões que
compõem o mercado (“cap”), sendo que esta
quantidade total de emissões será
repartida em unidades (uma tonelada
de CO2) para, posteriormente, ser
livremente transaccionada no mercado (“trade”).
Isto leva a que os sectores ou as indústrias cujos esforços de redução de
emissões de GEE sejam mais penalizadores do ponto de vista económico possam
atenuar essa dificuldade com a alocação de emissões de outros que consigam
fazê-lo sem investimento. Estes ganham porque não utilizariam as emissões que
lhes são atribuídas e aqueles podem manter sensivelmente o mesmo nível de
poluição (ou reduzi-lo de forma comportável, pelo menos) sem serem demasiado
penalizados economicamente. Na prática este sistema traduz-se na flexibilidade que os operadores têm
para poluir em maior ou menor quantidade, em função da respectiva licença ou da
alienação das licenças em excesso, respectivamente.
As implicações
que o CELE comporta surgem em torno da eficiência
económica – um mercado que condiciona a actividade poluente por via da
associação de um preço ao acto de poluir (mão invisível de mercado) - dos
operadores (no contexto da aquisição de licenças de emissão: a oferta e a
procura) e do controlo da poluição. Uma
licença de emissão (artigo 2.º/j) do CELE) é um acto autorizativo que permite a
emissão de uma tonelada de dióxido de carbono (CO2) que apenas vale
para um determinado período. As licenças de emissão circulam livremente no
espaço comunitário e são reconhecidas por todos os Estados-Membros, nos termos
do artigo 19.º/3. O CELE afigura-se um regime flexível, por vários factores de nos cumpre enunciar, nomeadamente
por atribuir aos particulares autonomia para decidirem entre si os seus
próprios níveis de poluição. No entanto, para cada tonelada de poluição
emitida tem que corresponder a respectiva licença de emissão – a qual tem
um determinado preço de mercado (princípio
de poluidor-pagador).
O mercado,
apesar de juridicamente permitir a troca de qualquer emissão de GEE (Anexo I),
de momento serve quase exclusivamente para o CO2 – daí que seja
referido como “Mercado de Carbono”.
Nos termos do artigo 3º/1 nem todas as emissões de GEE estão cobertas pelo
mercado de carbono – apenas as provenientes de determinados sectores económicos[3]
constantes no Anexo II (que representam sensivelmente metade das emissões de
GEE). As instalações emissoras de GEE que façam parte dos sectores económicos
abrangidos pelo Anexo II devem possuir um título
de emissão de gases de efeito de estufa (TEGEE), que nos termos do artigo
6º/1, é como que um passe de entrada no
mercado de carbono. A contrario sensu,
o TEGEE (artigo 2º/u)) funciona materialmente como uma “verdadeira licença”,
porque é através dele que se permite a emissão de gases abrangidos pelo Anexo
I, tratando-se de um acto autorizativo – ao passo que a licença ambiental
funciona apenas como um “voucher” (de acordo com o Professor Tiago Antunes). O
título de emissão de gases de efeito de estufa é emitido pela APA (artigo
6º/1). O pedido de TEGEE é apresentado pelo operador junto da entidade
competente pelo respectivo processo de licenciamento da actividade e remetido à
APA (7.º/2 e 3 do CELE). A decisão emitida pela entidade em causa, sobre o
pedido ou actualização de TGEE, é dada no prazo de 30 dias uteis a contar da
data de recepção do mesmo, nos termos do artigo 7.º/4 e, no caso de não existir
uma decisão expressa, considera-se tacitamente deferida a pretensão do operador
(7.º/6). Com efeito, durante o referido período de apreciação, as instalações
existentes, bem como as que não se encontrem em situação de inactividade, podem
continuar a funcionar (7.º/5). Cumpre salientar uma particularidade: nos casos
das instalações referidas supra que estejam também abrangidas pelo regime da Prevenção
e Controlo Integrados da Poluição (PCIP), o TEGEE tem que vir anexado à
licença de emissão, nos termos do artigo 24º do Regime das Emissões Industriais
(REI) aprovado pelo Decreto-Lei nº 127/2013 de 30 de Agosto.
A emissão do TEGEE, pela APA, - nos termos do artigo 8.º/1 do CELE - vincula os operadores das instalações
poluentes a um complexo de posições
jurídicas activas e passivas. Podem começar a emitir GEE para a
atmosfera (art.8º/1) e recebem da APA um determinado número de licenças
de emissão anualmente (art.12º/1). Por outro lado, estão sujeitos a monitorizações
contínuas, verificações e comunicações dos níveis de GEE por si emitidos
(art.8º/5 c) e e)) e ficam obrigados a devolver à APA o número de licenças de
emissão que corresponda às suas emissões no ano civil anterior (art.8º/5 d)).
Para além disso, esta emissão é feita mediante prova das capacidades de monotorização do operador, como um compromisso
assumido por este. O TEGEE pode incidir sobre uma parte ou a totalidade da
instalação, uma ou mais instalações no mesmo local exploradas pelo mesmo
operador (8.º/2). Na sequência disto, no caso de haver uma modificação da
natureza ou do funcionamento da instalação, os operadores incorrem no dever de
comunicar/ informar a entidade competente pelo processo de licenciamento da
actividade, nos termos do artigo 9.º do CELE.
2.1. Licenças de Emissão
Cabe, agora,
proceder à análise do conteúdo das licenças de emissão. Nos termos do
artigo 10.º do CELE, todas as instalações que tenham solicitado a atribuição de licenças de emissão
constam da lista nacional de instalações. Todavia, a atribuição em causa impõe regras.
Em primeiro lugar, a atribuição de licenças de emissão gratuitas tem por base
as medidas de execução harmonizadas que prevêem parâmetros de referência – benchmarks – a nível comunitário sobre Regras
Harmonizadas para a Atribuição de Licenças de Emissão Gratuitas, conforme
portaria dos membros do Governo responsáveis pela área da economia e do
ambiente, nos termos do artigo 11.º. Para cada sector (Anexo II do
CELE), foram avaliadas e incorporadas potenciais medidas de redução
economicamente eficientes, tendo por base, sempre que disponíveis, os
valores de emissão associados às Melhores
Tecnologias Disponíveis aplicáveis para cada rubrica referente à
Prevenção e Controlo Integrado da Poluição (PCIP), de acordo com o “BREF”
respectivo, ou na sua ausência, comparando com as melhores eficiências das
instalações já em operação. Os benchmarks
são validados pelos respectivos sectores e ajustados às situações específicas
de cada sector/instalação. Em segundo lugar, a APA concede às instalações
abrangidas, a partir de 1 de Fevereiro, uma parte da quantidade total de
licenças de emissão previstas para o período de oito anos com início a 1 de
Janeiro de 2013, de acordo com as regras constantes da portaria referida supra (artigo 12.º do CELE). Ainda no
que concerne à concessão de licenças de emissão, urge referir que esta pode ser
cancelada, nos termos do artigo 13.º/1,2 e 3 ou até suspensa (artigo 13.º/5 e
7). Contudo, se se tratar de licenças de emissão que não sejam concedidas, ao
abrigo dos artigos 12.º/7 e 13.º/9, ficam sujeitas a venda em leilão de
iniciativa comunitária. No caso de incumprimento destas disposições (12.º e
13.º), o operador da instalação deve proceder à restituição das licenças de
emissão gratuitas indevidamente recebidas, nos termos do artigo 14.º do CELE.
Em terceiro lugar, destacamos a importância para a questão das reservas, que vem
prevista no artigo 15.º e destina-se aos operadores que se considerem como «novo operador» (2.º/l)) e aos que em
cuja instalação ocorra uma extensão significativa da capacidade (2.º/f)).
Resulta directamente da Directiva n.º2003/87/CE, que as licenças serão
reservadas para os operadores numa base first come first serve. A atribuição
de licenças, definida com base na aplicação de Melhores Tecnologias Disponíveis, será concretizada após a entrada
efectiva em operação da instalação. A qualquer instalação que cesse a sua
actividade, será automaticamente cancelada a atribuição de licenças dos anos
subsequentes, excepto se houver uma transferência de actividade para uma nova
instalação. Essas licenças reverterão para a reserva de novas instalações. Na
eventualidade de se esgotar a reserva, as necessidades adicionais de licenças
deverão ser supridas pelos operadores com recurso ao mercado e, se as licenças
não forem todas utilizadas realizar-se-á um leilão. Em quarto lugar, o artigo
17.º prevê que, a partir de 1 de Janeiro de 2013, as licenças de emissão que
não tenham sido atribuídas a título gratuito fiquem sujeitas a venda em leilão.
Mais uma vez podemos verificar que o regime em apreço se afigura flexível, na medida em que, a partir do momento em que as licenças de
emissão são atribuídas ou leiloadas e se encontram no mercado, a sua
transmissão entre particulares é livre. Para além disso, decorre
expressamente do presente regime – artigo 19.º/1 - que todo e qualquer sujeito pode adquirir licenças de emissão e negociá-las,
mesmo que não seja detentor de um TEGEE nem um operador de uma instalação
emissora de GEE. As licenças de emissão: podem ser transferidas, nos termos
do n.º2 do artigo 19.º; devem ser devolvidas, pelo operador à APA, tantas
licenças de emissão quantas as toneladas de CO2 que tenham sido emitidas no ano civil
anterior, excepto nos casos em que as emissões tenham sido comprovadamente
objecto de captura e transporte para armazenamento permanente numa instalação validamente
autorizada nos termos do n.º4, 5 e 6; podem ser anuladas, a qualquer
momento, a pedido do seu titular (n.º7); quanto à validade (20.º), as licenças
emitidas a partir de 1 de Janeiro de 2013 são válidas durante períodos
sucessivos de oito anos com inicio nesta data, sendo que após quatro meses desta,
as licenças de emissão caducadas que não tenham sido devolvidas e anuladas, são
anuladas, pela APA, e substituídas por licenças válidas no novo
período, ou seja, a partir da segunda fase (2008-2012) as licenças de emissão não utilizadas passaram a poder ser “transportadas”
para a fase subsequente – “banking” - nos termo do artigo
20.º/2; tudo isto consta de um registo de dados normalizado protegido,
que controla todas as vicissitudes (21.º).
2.2. Monitorização, Comunicação e Verificação de Informações
Seguidamente,
destacamos o papel da monitorização, da comunicação e da verificação de
informações relativas a emissões. Como já foi referido supra, os operadores
das instalações incorrem do dever de comunicar e monitorizar as respectivas
emissões de acordo com as orientações de cada actividade (artigos 8.º e 22.º),
sendo que a metodologia que lhes está subjacente é definida no respectivo plano
de monitorização nos termos do Regulamento (UE) n.º 601/2012, da Comissão, de
21 de Junho de 2012. Para além destes deveres a que está adstrito,
acrescenta-se um outro: proceder à elaboração de um relatório que contenha as informações relativas às emissões da
instalação ocorridas no ano civil anterior, enviando-o à APA, até 31 de Março.
Este é verificado por verificadores acreditados, segundo os critérios previstos
no Regulamento (UE) n.º600/2012, da Comissão de 21 de Junho de 2012. A partir
de 31 de Março, a APA impede a possibilidade de ocorrência de transferência de
licenças de emissão, por parte do operador da instalação cujo relatório de
emissão não tenha sido entregue ou não tenha sido considerado satisfatório pelo
verificador, até que o mesmo seja considerado satisfatório e entregue a APA. No
caso de não ocorrer até 30 de Abril a entrega do relatório de uma instalação ou
este não tiver sido considerado satisfatório pelo verificador, a APA procede à
estimativa das emissões da respectiva instalação, que corresponde às emissões
verificadas no ano do incumprimento e notifica o operador respectivo, nos termos
do artigo 25.º (artigo 23.º/1,3,5,7). No âmbito da fiscalização e do regime
sancionatório, o operador que não devolva, até 30 de Abril de cada ano civil,
as licenças de emissão correspondentes às emissões verificadas no ano anterior,
fica sujeito ao pagamento de uma penalização pelas emissões excedentárias, de
100 euros cada tonelada de dióxido de carbono equivalente emitida pela
instalação relativamente à qual não devolveu licenças, sendo que o pagamento
não dispensa o operador da obrigação de devolver uma quantidade de licenças de
emissão equivalente às emissões excedentárias por ocasião da devolução das
licenças de emissão relativas ao ano civil subsequente, nos termos do artigo
25.º do CELE.
3. Implicações resultantes do Comércio Europeu de Licenças de Emissão
Expostas as especificidades do
regime do mercado de carbono, cumpre enunciar algumas implicações detectadas ao
longo da sua análise. Primeiramente, é possível observar a criação de hot
spots ambientais[4],
injustiças na distribuição de emissões poluentes com consequências para a
qualidade ambiental. Para além disso, no mercado de emissões poluentes,
releva perceber se a aquisição de uma
quota no mercado confere ao seu respectivo titular um verdadeiro direito a poluir. O direito a poluir não
pode ser visto como direito fundamental, até porque se retira do próprio texto
constitucional que a poluição é negativamente valorada. O Professor Tiago
Antunes refere que o direito a poluir advém do exercício de um direito de
livre iniciativa económica privada que protege a liberdade de empresa e
liberdade de indústria (artigo 61.° da CRP). No âmbito do comércio de emissões
poluentes – consequência necessária do desenvolvimento económico - o exercício
da liberdade de indústria apenas está sujeito ao ónus de detenção de um
determinado número de quotas de poluição equivalentes ao total de gases
poluentes emitidos, até porque poluir, tem um preço (principio do
poluidor-pagador). A livre transacção de quotas é praticamente ditada pelos ditames
da iniciativa económica, o que implica que a Administração deixa de ter controlo
nesta matéria e corre-se o risco de concentração geográfica de poluição em
certas zonas, desconsiderando as suas características ecológicas. Uma outra
questão juridicamente pertinente prende-se com o facto de que só é possível
levar a cabo a defesa do ambiente considerando que se trata de um dever
fundamental que impende sobre todos os cidadãos, nos termos do artigo 66.º/1 da
CRP.
Conclusão
O Comércio Europeu de Licenças de
Emissão afigura-se um dos mais eficazes e inovadores instrumentos
jurídico-comunitários em sede do ambiente. Trata-se de um instrumento eficaz na
medida em que define um tecto global máximo de licenças de emissão de gases com
efeito de estufa, para as instalações abrangidas por este regime. É um regime
inovador por assentar numa lógica de mercado, na livre transacção das
licenças de emissão entre agentes económicos. Não só é eficaz e inovador, como
também flexível por permitir que os particulares auto-regulem os seus níveis de
poluição, bem como por prever que todo e qualquer sujeito pode adquirir
licenças de emissão, negociá-las ou até acumulá-las (banking). Com efeito, considera-se que estamos perante um sistema
de “cap and trade” porque através da
fixação de um limite às emissões de gases de efeito de estufa, os operadores
têm flexibilidade para poluírem em maior ou menor quantidade (em função da
respectiva licença ou da alienação das licenças em excesso, respectivamente).
Não obstante, o mercado de carbono visa reduzir as emissões poluentes da forma
menos onerosa possível. Isto implica que se trata de um mercado economicamente eficiente que se rege por assegurar uma distribuição
óptima da poluição em termos económicos. Pode, ainda assim, contribuir para uma desconsideração
dos custos sociais com base nas políticas de mercado. Mas, mesmo que as
alterações dos mercados acabem por criar novos problemas não previstos no
início, será sempre possível introduzir novas alterações que solucionem estes
problemas e assim ter um processo de evolução linear que permita um equilíbrio
cada vez melhor entre os vários valores em causa. Em suma, o mercado de carbono
é um mercado flexível e economicamente eficiente que visa atingir um resultado
ecologicamente equilibrado e, ao mesmo tempo, com a melhor relação custo-eficiência (mão invisível de mercado).
Bibliografia:
- ANTUNES,
Tiago - “Pelos Caminhos Jurídicos do
Ambiente”, AAFDL, Lisboa 2014
- ANTUNES,
Tiago – “O Comércio de Emissões Poluentes
à luz da Constituição da República Portuguesa”, Lisboa, 2006
- ANTUNES, Tiago – “Agilizar ou Mercantilizar? O recurso a instrumentos de mercado pela
Administração Publica – implicações e consequências”, in Estudos Jurídicos
e Económicos em Homenagem ao Professor Doutor António de Sousa Franco, III, Lisboa,
2006
-PEREIRA DA SILVA, Vasco; “Verde Cor de Direito, Lições
de Direito do Ambiente”, Coimbra, 2002
- ARAGÃO,
Maria Alexandra; «O princípio do poluidor-pagador», in Studi Iuridica – Boletim da Faculdade de Direito da Universidade
de Coimbra; Coimbra Editora, Coimbra, 1997
Joana Leal de Oliveira
Geraldo Dias, n.º19654
[1] Nasceu no quadro da OCDE e adquiriu, posteriormente,
consagração comunitária, através do Acto Único Europeu e previsto no artigo
174.º/2 do TFUE.
[2] Este princípio dispõe dos mais diversos instrumentos
financeiros, como impostos, taxas, políticas de preços, benefícios fiscais.
[3] Sectores da energia, dos metais ferrosos, do cimento,
do vidro, da cerâmica, da pasta de papel, etc.
[4] Isto é, locais onde se concentram ou acumulam grandes
quantidades de emissões poluentes. Tem implicações ao nível da justiça
ambiental, já que as comunidades onde os níveis de poluentes tóxicos são mais
elevados.
Visto.
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