O princípio da
precaução no Direito do Ambiente surge numa lógica de desenvolvimento e
aprofundamento do princípio da prevenção, apresentando-se ambos como meio de
tutela indispensável no modelo das sociedades actuais. Como é sabido, as
sociedades actuais, que na sua vasta maioria são industrializadas, representam
uma ameaça crescente para o meio-ambiente, pela escassez e afectação dos
recursos naturais - ao menos no contexto europeu-, realidade que dá origem a
uma orientação política que atribui cada vez mais relevância à questão
ambiental, nomeadamente através de mecanismos de prevenção do impacte
ambiental.
Em termos gerais, o
princípio da prevenção, no modo como é consagrado no nosso ordenamento, visa o
controlo e diminuição dos danos já produzidos –num plano imediato-, e o
afastamento de danos futuros, numa perspectiva mais mediata. Os objectivos
acabados de referir são alcançados, de acordo com o princípio em causa, através
da implementação de medidas por parte do Estado-Administração, e da imposição
de condutas aos administrados, conforme dispõe o art. 66º da Constituição (em
diante, CRP), e do art.3º/c) da Lei 19/2014, de 14 de Abril, que define as
Bases da política de Ambiente (em diante, LBA).
Feito o enquadramento
geral do princípio da precaução na lógica preventiva, importa esclarecer que, a
nível doutrinário, embora a precaução seja reconhecida como uma evolução da
prevenção, alguns autores não aceitam a possibilidade das duas realidades
realidades constituírem princípios autónomos. Desde logo, o Senhor Professor
Vasco Pereira da Silva, no seu entendimento anterior recusava totalmente a
diferenciação, considerando tratar-se de sinónimos e rejeitando qualquer
utilidade prática da distinção.
Entre os argumentos
tradicionalmente referidos para a autonomização, os autores que a defendem,
apontam desde logo para uma diferenciação com base no conceito de “perigos” e
“riscos, associando o primeiro (a que corresponderia a prevenção) a causas
naturais, e o segundo a causas humanas (que seriam o objecto da precaução).
O Professor Vasco
Pereira da Silva critica esta bipartição, por considerar- em nossa opinião
acertadamente-, que os dois tipos de causas são indissociáveis, na medida em
que muitas das causas naturais têm na sua génese condutas humanas, ou o inverso
(concurso de causas).
Outro dos critérios
comummente utilizado é o de associar o âmbito de actuação da prevenção a
certezas, nomeadamente à aptidão de determinada actividade ou actuação à
produção de danos ambientais, actuando a precaução face a incertezas, ou seja,
face a potenciais consequências ainda desconhecidas pela ciência, que se
traduzem no brocardo “in dubio pro ambiente”. Neste ponto argumenta o autor,
com a inexistência de certezas irrefutáveis, considerando existir sempre a
necessidade de proceder a um juízo de probabilidade -quer estejamos no campo da
prevenção ou da precaução-, para que todas as medidas sejam dotadas de
razoabilidade.
Actualmente, o
entendimento do Professor Vasco Pereira da Silva evoluiu significativamente no
sentido de reconhecer alguma autonomia ao princípio da precaução, desde que se
salvaguarde a interligação com a prevenção, por forma a garantir um equilíbrio
entre a protecção do ambiente e o desenvolvimento económico-social (que poderá
ser posto em causa com um entendimento extremista da precaução), aproximando-se
um pouco mais da ideia moderada de prevenção e precaução patente na
jurisprudência internacional.
A precaução caracteriza-se, pela possibilidade
de adopção de medidas- mesmo nos casos em que não existam quaiquer provas
científicas conclusivas -, quando se levantem suspeitas de riscos de produção
de danos ambientais relativos a certas actividades ou técnicas, ou face a danos
ambientais já verificados mas cuja causa se desconheça, ou quando não seja
ainda possível estabelecer o nexo causal entre o desenvolvimento de uma
actividade e a verificação de danos, mas, deve esclarecer-se também, que esta
configuração do princípio é demasiado redutora.
Na realidade, este
princípio concretiza-se não apenas pela imposição de actuações concretas mas,
também, pela introdução de uma inversão do ónus da prova, remetendo para os
sujeitos que pretendam exercer determinada actividade, a demonstração da
inexistência ou razoabilidade dos riscos que a mesma implique, dependendo da
gravidade e irreversibilidade dos efeitos ambientais adversos que a actividade
em causa possa provocar.
No que concerne ao grau
de prova anteriormente referido, que se traduz na expressão “in dubio pro ambiente”, convém reforçar
que a sua aplicação importa consequências radicais ao nível da iniciativa
económica, na medida em que veda por completo o exercício da actividade em
causa, ainda que não se verifique qualquer indício concreto a nível científico,
da possibilidade da mesma vir a produzir danos ambientais significativos, mas
pelo simples facto de subsistirem dúvidas significativas quanto à não produção
desses mesmos danos. Por outras palavras, existindo dúvidas quanto aos efeitos
da actividade, deve o operador interessado no seu exercício, demonstrar que os
mesmos não se irão verificar, ao menos com uma intensidade significativa, o
que, por consistir numa prova negativa (probatio
diabólica), pode suscitar dúvidas quanto à proporcionalidade desta exigência
e da restrição em que a mesma se traduz à liberdade de iniciativa económica. Assim,
mesmo nos casos em que os argumentos a favor e contra um projecto se mostrarem
equilibrados, dar-se-á prevalência aos argumentos a favor do ambiente, em
detrimento do projecto (prioridade da prognose negativa).
O princípio da
precaução apresenta ainda um papel de grande importância na implementação das
melhores tecnologias disponíveis (MTD’s), ao pretender fixar limites de
emissões de substâncias poluentes tão reduzidos quanto possível, e introduzindo
normas de qualidade ambiental dotadas de maior exigência e rigidez, de forma a
garantir a manutenção de sistemas ecológicos dotados de uma margem de segurança
maior, que responda por riscos ainda não identificados. A utilização das MTD’s
é fundamental para um conhecimento mais rigoroso da realidade ambiental, e para
o seu controlo e monitorização, facilitando também a tarefa dos agentes
económicos no cumprimento das metas ambientais que lhes são exigidas, embora,
se reconheça o esforço financeiro que a implementação destas tecnologias
representa.
A esta manifestação do
princípio, subjaz a ideia de que todos os impactes ambientais,
independentemente da sua escala, são negativos para a preservação dos recursos
naturais, devendo actuar-se no sentido de reduzir todo e qualquer efeito no
ambiente, dentro dos limites que se afigurem possíveis a nível económico e
tecnológico. Aqui, verifica-se a preocupação pelo respeito da proporcionalidade,
que caracteriza a teoria moderada do princípio da precaução, nos termos da
qual, o uso das MTD’s só será exigido nas hipóteses em que, na ponderação dos
custos e benefícios da poluição e da sua redução, a introdução destas técnicas
não represente um custo económico excessivo para o agente.
O princípio da
precaução apresenta ainda uma vertente directamente vocacionada para a
protecção de grupos e elementos da natureza que apresentem uma especial
sensibilidade, actuando mediante a criação de mecanismos de protecção
compensatórios, ou seja, através da criação de zonas de reserva natural ou da
imposição da regra de não exploração, visa compensar numa área proporcional à
que foi afectada, os impactes que se tenham verificado nesta segunda,
nomeadamente pela protecção de espécies em extinção.
Outra importante
dimensão do princípio da precaução, consiste na exigência por ele imposta da
realização prévia a qualquer decisão, de estudos de avaliação de impacte
ambiental, cujo rigor contribui muito significativamente para a superação das
dúvidas científicas, que constituem o sei ponto de partida. Em regra, estes
estudos realizam-se por grupos científicos criados para o efeito, que por sua
vez procederão à consulta e divulgação ao público das conclusões obtidas pela
sua elaboração. Pela nossa parte, consideramos ser este um contributo de grande
valor, na medida em que gera um equilíbrio entre a prova exigida aos agentes
económicos que pretendam desenvolver uma actividade cujas consequências são
ainda desconhecidas, e a Administração que através desta concretização estará
igualmente vinculada a desenvolver um papel activo no processo. Este processo
pretende-se dinâmico, na medida em que nada impede uma contradição no futuro
dos resultados já conhecidos, pois, ao estarmos no âmbito do conhecimento
científico, a sua evolução pressupõe mutações nas concepções tidas até então
como certas.
Em suma, nesta
exposição pretendemos transmitir a nossa concordância com uma ideia moderada do
princípio da precaução, por considerarmos ser este o entendimento que permite
alcançar efeitos práticos mais alargados e efectivos. Consideramos que por se
tratar de um juízo de prognose tem necessariamente de ser estabelecida a sua
relação com o princípio da prevenção mas, pelo facto de este dispor de
mecanismos mais taxativos- entre os quais se destaca a proibição de actuação
perante o desconhecimento dos efeitos a que a mesma pode conduzir-, merece ser
autonomizado, desde que tal não implique a sua redução a esta dimensão (como demonstramos,
o princípio precaução concretiza-se de formas muito variadas).
Consideramos igualmente
que, restringir o princípio à sua dimensão mais limitativa, representaria
não apenas uma violação grave do princípio da proporcionalidade e da iniciativa
económica, como poria gravemente em causa o desenvolvimento económico-social.
BIBLIOGRAFIA:
·
Da Silva,Vasco Pereira, “Verde Cor de Direito-Licões de Direito do
Ambiente”, Almedina 2003;
·
Martins, Ana Gouveia e Freitas, “O Princípio da Precaução no Direito ao
Ambiente”, AAFDL 2002;
·
Garcia, Maria da Glória, “O lugar do Direito na Protecção do Ambiente”,
Almedina 2007
Maria
Madalena Neves Felício
Nº
20682, subturma5
Visto.
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