sexta-feira, 16 de maio de 2014

O Princípio da Precaução no Direito do Ambiente


O princípio da precaução no Direito do Ambiente surge numa lógica de desenvolvimento e aprofundamento do princípio da prevenção, apresentando-se ambos como meio de tutela indispensável no modelo das sociedades actuais. Como é sabido, as sociedades actuais, que na sua vasta maioria são industrializadas, representam uma ameaça crescente para o meio-ambiente, pela escassez e afectação dos recursos naturais - ao menos no contexto europeu-, realidade que dá origem a uma orientação política que atribui cada vez mais relevância à questão ambiental, nomeadamente através de mecanismos de prevenção do impacte ambiental.

Em termos gerais, o princípio da prevenção, no modo como é consagrado no nosso ordenamento, visa o controlo e diminuição dos danos já produzidos –num plano imediato-, e o afastamento de danos futuros, numa perspectiva mais mediata. Os objectivos acabados de referir são alcançados, de acordo com o princípio em causa, através da implementação de medidas por parte do Estado-Administração, e da imposição de condutas aos administrados, conforme dispõe o art. 66º da Constituição (em diante, CRP), e do art.3º/c) da Lei 19/2014, de 14 de Abril, que define as Bases da política de Ambiente (em diante, LBA).

Feito o enquadramento geral do princípio da precaução na lógica preventiva, importa esclarecer que, a nível doutrinário, embora a precaução seja reconhecida como uma evolução da prevenção, alguns autores não aceitam a possibilidade das duas realidades realidades constituírem princípios autónomos. Desde logo, o Senhor Professor Vasco Pereira da Silva, no seu entendimento anterior recusava totalmente a diferenciação, considerando tratar-se de sinónimos e rejeitando qualquer utilidade prática da distinção.

Entre os argumentos tradicionalmente referidos para a autonomização, os autores que a defendem, apontam desde logo para uma diferenciação com base no conceito de “perigos” e “riscos, associando o primeiro (a que corresponderia a prevenção) a causas naturais, e o segundo a causas humanas (que seriam o objecto da precaução).

O Professor Vasco Pereira da Silva critica esta bipartição, por considerar- em nossa opinião acertadamente-, que os dois tipos de causas são indissociáveis, na medida em que muitas das causas naturais têm na sua génese condutas humanas, ou o inverso (concurso de causas).

Outro dos critérios comummente utilizado é o de associar o âmbito de actuação da prevenção a certezas, nomeadamente à aptidão de determinada actividade ou actuação à produção de danos ambientais, actuando a precaução face a incertezas, ou seja, face a potenciais consequências ainda desconhecidas pela ciência, que se traduzem no brocardo “in dubio pro ambiente”. Neste ponto argumenta o autor, com a inexistência de certezas irrefutáveis, considerando existir sempre a necessidade de proceder a um juízo de probabilidade -quer estejamos no campo da prevenção ou da precaução-, para que todas as medidas sejam dotadas de razoabilidade.

Actualmente, o entendimento do Professor Vasco Pereira da Silva evoluiu significativamente no sentido de reconhecer alguma autonomia ao princípio da precaução, desde que se salvaguarde a interligação com a prevenção, por forma a garantir um equilíbrio entre a protecção do ambiente e o desenvolvimento económico-social (que poderá ser posto em causa com um entendimento extremista da precaução), aproximando-se um pouco mais da ideia moderada de prevenção e precaução patente na jurisprudência internacional.

 A precaução caracteriza-se, pela possibilidade de adopção de medidas- mesmo nos casos em que não existam quaiquer provas científicas conclusivas -, quando se levantem suspeitas de riscos de produção de danos ambientais relativos a certas actividades ou técnicas, ou face a danos ambientais já verificados mas cuja causa se desconheça, ou quando não seja ainda possível estabelecer o nexo causal entre o desenvolvimento de uma actividade e a verificação de danos, mas, deve esclarecer-se também, que esta configuração do princípio é demasiado redutora.

Na realidade, este princípio concretiza-se não apenas pela imposição de actuações concretas mas, também, pela introdução de uma inversão do ónus da prova, remetendo para os sujeitos que pretendam exercer determinada actividade, a demonstração da inexistência ou razoabilidade dos riscos que a mesma implique, dependendo da gravidade e irreversibilidade dos efeitos ambientais adversos que a actividade em causa possa provocar.

No que concerne ao grau de prova anteriormente referido, que se traduz na expressão “in dubio pro ambiente”, convém reforçar que a sua aplicação importa consequências radicais ao nível da iniciativa económica, na medida em que veda por completo o exercício da actividade em causa, ainda que não se verifique qualquer indício concreto a nível científico, da possibilidade da mesma vir a produzir danos ambientais significativos, mas pelo simples facto de subsistirem dúvidas significativas quanto à não produção desses mesmos danos. Por outras palavras, existindo dúvidas quanto aos efeitos da actividade, deve o operador interessado no seu exercício, demonstrar que os mesmos não se irão verificar, ao menos com uma intensidade significativa, o que, por consistir numa prova negativa (probatio diabólica), pode suscitar dúvidas quanto à proporcionalidade desta exigência e da restrição em que a mesma se traduz à liberdade de iniciativa económica. Assim, mesmo nos casos em que os argumentos a favor e contra um projecto se mostrarem equilibrados, dar-se-á prevalência aos argumentos a favor do ambiente, em detrimento do projecto (prioridade da prognose negativa).

O princípio da precaução apresenta ainda um papel de grande importância na implementação das melhores tecnologias disponíveis (MTD’s), ao pretender fixar limites de emissões de substâncias poluentes tão reduzidos quanto possível, e introduzindo normas de qualidade ambiental dotadas de maior exigência e rigidez, de forma a garantir a manutenção de sistemas ecológicos dotados de uma margem de segurança maior, que responda por riscos ainda não identificados. A utilização das MTD’s é fundamental para um conhecimento mais rigoroso da realidade ambiental, e para o seu controlo e monitorização, facilitando também a tarefa dos agentes económicos no cumprimento das metas ambientais que lhes são exigidas, embora, se reconheça o esforço financeiro que a implementação destas tecnologias representa.

A esta manifestação do princípio, subjaz a ideia de que todos os impactes ambientais, independentemente da sua escala, são negativos para a preservação dos recursos naturais, devendo actuar-se no sentido de reduzir todo e qualquer efeito no ambiente, dentro dos limites que se afigurem possíveis a nível económico e tecnológico. Aqui, verifica-se a preocupação pelo respeito da proporcionalidade, que caracteriza a teoria moderada do princípio da precaução, nos termos da qual, o uso das MTD’s só será exigido nas hipóteses em que, na ponderação dos custos e benefícios da poluição e da sua redução, a introdução destas técnicas não represente um custo económico excessivo para o agente.

O princípio da precaução apresenta ainda uma vertente directamente vocacionada para a protecção de grupos e elementos da natureza que apresentem uma especial sensibilidade, actuando mediante a criação de mecanismos de protecção compensatórios, ou seja, através da criação de zonas de reserva natural ou da imposição da regra de não exploração, visa compensar numa área proporcional à que foi afectada, os impactes que se tenham verificado nesta segunda, nomeadamente pela protecção de espécies em extinção.

Outra importante dimensão do princípio da precaução, consiste na exigência por ele imposta da realização prévia a qualquer decisão, de estudos de avaliação de impacte ambiental, cujo rigor contribui muito significativamente para a superação das dúvidas científicas, que constituem o sei ponto de partida. Em regra, estes estudos realizam-se por grupos científicos criados para o efeito, que por sua vez procederão à consulta e divulgação ao público das conclusões obtidas pela sua elaboração. Pela nossa parte, consideramos ser este um contributo de grande valor, na medida em que gera um equilíbrio entre a prova exigida aos agentes económicos que pretendam desenvolver uma actividade cujas consequências são ainda desconhecidas, e a Administração que através desta concretização estará igualmente vinculada a desenvolver um papel activo no processo. Este processo pretende-se dinâmico, na medida em que nada impede uma contradição no futuro dos resultados já conhecidos, pois, ao estarmos no âmbito do conhecimento científico, a sua evolução pressupõe mutações nas concepções tidas até então como certas.

Em suma, nesta exposição pretendemos transmitir a nossa concordância com uma ideia moderada do princípio da precaução, por considerarmos ser este o entendimento que permite alcançar efeitos práticos mais alargados e efectivos. Consideramos que por se tratar de um juízo de prognose tem necessariamente de ser estabelecida a sua relação com o princípio da prevenção mas, pelo facto de este dispor de mecanismos mais taxativos- entre os quais se destaca a proibição de actuação perante o desconhecimento dos efeitos a que a mesma pode conduzir-, merece ser autonomizado, desde que tal não implique a sua redução a esta dimensão (como demonstramos, o princípio precaução concretiza-se de formas muito variadas).

Consideramos igualmente que, restringir o princípio à sua dimensão mais limitativa, representaria não apenas uma violação grave do princípio da proporcionalidade e da iniciativa económica, como poria gravemente em causa o desenvolvimento económico-social.

 

BIBLIOGRAFIA:

 

·         Da Silva,Vasco Pereira, “Verde Cor de Direito-Licões de Direito do Ambiente”, Almedina 2003;

·         Martins, Ana Gouveia e Freitas, “O Princípio da Precaução no Direito ao Ambiente”, AAFDL 2002;

·         Garcia, Maria da Glória, “O lugar do Direito na Protecção do Ambiente”, Almedina 2007

 

 

Maria Madalena Neves Felício

Nº 20682, subturma5

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