O princípio do poluidor-pagador: muito mais do que um
princípio...
O presente princípio, acolhido na nossa
Constituição pelo artigo 66º, nº 2, alínea h) é um dos princípios basilares
norteadores do direito do ambiente. A ideia elementar que lhe está subjacente é
a de que qualquer sujeito que pratique uma qualquer actividade poluente
retirando, na maior parte dos casos, um benefício dessa mesma prática, deverá
compensar financeiramente os prejuízos causados a toda a comunidade. Como
qualquer análise puramente teórica se tornará desligada da realidade e, nesse
sentido, desprovida de interesse prático, vejamos como se concretiza este
princípio em termos materiais.
Atentemos à Directiva
35/2004/CE de 21 de Abril, do Parlamento Europeu e do Conselho, posteriormente
transposta para o ordenamento jurídico português pelo DL 147/2008 de 29 de Julho – Regime Jurídico da Responsabilidade por
Danos Ambientais (doravante RJRDA). A Directiva assenta, precisamente, no
princípio do poluidor-pagador (PPP), concretizando-o através
da consagração da responsabilidade ambiental por danos ecológicos. É importante
deixar clara a distinção entre dano ecológico e dano ambiental,
sendo que o primeiro será todo o dano causado a um recurso natural que afecte o
meio-ambiente e perturbe o equilíbrio ecológico e o segundo já será um dano
individual na esfera jurídica de um determinado sujeito, designadamente por
deterioração de um espaço seu que constitua uma afectação do seu direito de
propriedade. Esta Directiva apenas consagra a responsabilização por danos
ecológicos, excluindo qualquer indemnização por danos pessoais. Apesar da
similitude do nosso DL este prevê, ao contrário da Directiva, a indemnização
por danos ambientais (pessoais).
A teleologia deste princípio, ou seja, os seus fins
são, sobretudo, três: prevenir lesões ambientais; repará-las, quando as haja; e
operar uma redistribuição dos custos que as medidas de protecção do ambiente
acarretam. Há, porém, quem critique o PPP, considerando que este
configura uma ‘compra do direito de
poluir’, como o faz Gilles Martin[1].
Isto porque, desta forma, o agente poluidor teria a liberdade de optar pela
solução que entendesse mais vantajosa para si: ou continuar a poluir,
suportando um custo económico que, face à possibilidade de manutenção dos
níveis de produção, poderia compensar-lhe mais; ou não o fazer, não o suportando
mas, eventualmente, acarretando tal decisão uma diminuição da sua produção.
Contudo, embora esta margem de liberdade seja, efectivamente, introduzida,
parece-me que a afirmação de Gilles Martin não olha para o PPP como um todo,
buscando a sua essência e teleologia, procurando antes concluir pela primeira
evidência indiciada pelo princípio. Parece-me mais que o PPP se destina a aplicar às
situações em que, após um momento inicial no qual se verifica uma frustração da
função preventiva ou inibitória, resta garantir uma efectiva reparação do dano,
imputando-se o mesmo ao agente poluidor.
A principal função do PPP, que será analisada
de seguida a propósito da Directiva e do DL 147/2008 é a função reparatória, na
medida em que só existe uma verdadeira aplicação daquele quando ocorre uma
lesão concreta ao ambiente, que desencadeia a responsabilização. Contudo, ainda
que indirectamente, não podemos esquecer que os custos que poluir implica
poderão constituir, muitas das vezes, um meio inibidor de condutas poluentes e,
nessa medida, concretizar-se a função preventiva do princípio.
A Directiva 35/2004/CE consagra materialmente o PPP através da previsão
da restauração natural: visa-se,
através desta, atingir-se uma situação o
mais próxima possível daquela que existia anteriormente à ocorrência do
dano. Esta mesma restauração natural pode concretizar-se de duas maneiras
distintas: ou através da restauração ecológica; ou mediante compensação
ecológica. A restauração ecológica
(ou recuperação in natura) visa a
recuperação do recurso natural concretamente afectado. O agente poluidor terá que
recuperar todas as funções desse mesmo recurso que a sua conduta destruiu.
Contudo, tal nem sempre se revela possível, designadamente quando a conduta
danosa extinga uma determinada espécie. Nestes casos, e em todos aqueles nos
quais qualquer tentativa de reconstituição do recurso afectado se revele
economicamente inviável ou manifestamente desproporcional, fará sentido
optar-se pela compensação ecológica.
Através desta procura-se, em alternativa à recuperação in natura, operar uma substituição do recurso afectado ou
perturbado por outro funcionalmente equivalente de modo a repor, dentro dos
possíveis, o equilíbrio ecológico perdido com a conduta danosa. Tal sucedeu,
entre outros, no ‘Caso das Cegonhas de
Coruche’ no qual o agente, na sequência da destruição de ninhos de
cegonhas, foi condenado a um ressarcimento mediante compensação ecológica:
financiar a criação de um habitat artificial que substituísse, dentro dos
possíveis, os ninhos derrubados.
Pode, ainda assim, verificar-se a impossibilidade
da concretização da restauração natural em sentido amplo (que abarca tanto a
restauração ecológica quanto a compensação ecológica). Nestas situações, existe
ainda uma terceira alternativa: a indemnização
pecuniária. Trata-se de mais uma concretização do PPP, mediante a qual se
procura determinar o valor económico do bem ambiental afectado, o qual
corresponderá à indemnização a pagar pelo agente responsabilizado. Esta
indemnização terá como destino um Fundo Ambiental próprio (no caso português, o
Fundo de Intervenção Ambiental), fundo esse cujos montantes recebidos serão
direccionados apenas e só para medidas de carácter ambiental. Haverá uma
primazia no sentido da aplicação do montante arrecadado no local concretamente
afectado. No entanto, caso tal não seja viável, pode o mesmo ser reposto noutra
área, desde que tal contribua para repor, efectivamente, o equilíbrio ecológico
perdido.
À luz do nosso ordenamento jurídico o DL 147/2008,
ao transpor a Directiva, possui um carácter, em muitos aspectos, idêntico ao
daquela. Consagra, no seu Anexo V, a restauração natural como concretização do PPP. Esta pode assumir
três facetas: reparação primária (equivalente à restauração ecológica);
reparação complementar (correspondente à compensação ecológica) e reparação
compensatória (indemnização pecuniária). Uma ressalva quanto ao conteúdo desta
última, ligeiramente diferente do da indemnização pecuniária da Directiva, na
medida em que o diploma caracteriza-a como a ‘acção destinada a compensar perdas transitórias de recursos naturais
(...) a partir da data de ocorrência dos danos até a reparação primária ter atingido plenamente os seus efeitos’.
Ora, verifica-se aqui uma espécie de articulação da reparação primária
(ecológica) com a reparação compensatória (indemnização pecuniária), como se
esta última apenas tivesse aplicação em complemento da primeira. Mas, tal como
já vimos, nem sempre será possível operar uma restauração natural, situação na
qual a reparação compensatória será a única alternativa viável, mesmo que
aplicada de modo isolado.
São muitos os autores que identificam o conteúdo
material do PPP com a responsabilidade civil.
Franco Giampietro[2]
afirma mesmo que ‘a responsabilidade
civil por danos ao ambiente é a mais fiel aplicação do princípio comunitário do
poluidor-pagador’. Tal afirmação pressupõe uma espécie de insindicabilidade
entre um e outro. Contudo, não me parece inteiramente correcto identificar o
conteúdo do PPP com o da responsabilidade
civil. Com efeito, é através da responsabilidade civil que o PPP se materializa,
ganhando uma efectiva aplicação: o agente que polui terá de indemnizar pelos
danos causados ao bem colectivo ambiente, na sequência da sua conduta. Mas,
ainda assim, não se devem confundir. Embora os dois ‘andem de mãos dadas’, cada um possui um conteúdo distinto e
autónomo.
A responsabilidade aqui em causa será uma responsabilidade
objectiva ou pelo risco: não interessa se o agente que poluiu procedeu ou
não com culpa, agiu ou não licitamente (autorizado pela autoridade competente).
Basta que tenha causado dano, dano esse apurado segundo um nexo de causalidade
que consagra a teoria da causalidade adequada, exigindo um critério de mera
probabilidade de aptidão do facto a produzir o dano verificado (artigo 5º do
RJRDA) para que se constitua um dever de indemnizar. Assim, haverá
responsabilidade objectiva caso a actividade em causa seja uma das elencadas no
Anexo III, por remissão do artigo 12º
do RJRDA.
Podemos, desta forma, afirmar que o princípio do
poluidor-pagador assume uma relevantíssima dimensão prática no sentido de uma
inibição de futuras condutas poluentes mas, principalmente, na implementação,
mediante o instituto da responsabilidade civil objectiva, de mecanismos
destinados à reparação efectiva dos danos causados ao ambiente. É esta vertente
pragmática do princípio – que lhe dá um conteúdo material efectivo – que faz
com que ele seja, como afirmamos no título, muito
mais do que um princípio.
Referências bibliográficas:
- AMADO GOMES, Carla; ‘A responsabilidade civil por dano ecológico - reflexões preliminares sobre o novo regime instituído pelo DL 147/2008, de
29 de Julho (in O que há de novo no Direito do
Ambiente?); AAFDL, 2009.
- NOBRE FERNANDES, Teresa; ‘O princípio do poluidor-pagador’; Faculdade de Direito da
Universidade de Lisboa, Junho de 2010.
- PEREIRA DA SILVA, Vasco; ‘Verde Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente’; Almedina,
2004.
- SOUSA ARAGÃO, Alexandra; ‘O princípio do poluidor-pagador: pedra angular da política comunitária
do ambiente’; Coimbra Editora, 1997.
Iida Ojanen Ferreira Alves, nº
20773
Visto.
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