sábado, 17 de maio de 2014


Responsabilidade Civil no Direito Ambiental – Princípio da Prevenção e o Princípio da Reparação do dano

 

O tema da responsabilidade civil no direito ambiental abarca grandes questões e traduz-se em vários aspetos, não sendo possível uma análise cuidada de toda esta matéria, o estudo em causa tem como objeto incidir no princípio da prevenção e no princípio da reparação do dano no seio da responsabilidade civil no direito ambiental.

Primeiramente importa explicitar em que consiste os princípios em causa, deste modo, o princípio da prevenção é sem dúvida um dos mais importantes no seio do direito ambiental, podemos encontra-lo no artigo 66º nº2 alínea a) da Constituição da Republica Portuguesa (adiante designada por CRP), bem como no artigo 3º alínea a) da Lei de Bases do Ambiente (adiante designada por LBA). É importante a antecipação dos efeitos lesivos pela ação humana, uma vez, que se trata de danos ambientais estamos perante situações frágeis, em que muitas vezes não é possível a regeneração. Este tem como objetivo procurar evitar lesões ao meio ambiente o que implica capacidade de antecipação de situações potencialmente perigosas, de origem natural ou humana. [i] Podemos dizer, que este princípio visa a adoção de medidas que tenham como objetivo evitar o risco, e não reagir perante o problema, já causado, podemos facilmente compreender através do proverbio popular “mais vale prevenir do que remediar”, no fundo é o que este principio visa, é preferível adotar medidas para evitar os riscos ambientais, do que nada fazer, e apenas quando, já existe os danos ambientais é que se vai tentar remediar a situação.

Por sua vez, no princípio da reparação podemos encontrar referência no artigo 52º nº3 alínea a) da CRP e no artigo 3º alínea h) da LBA terá como objetivo reconstituir a situação criada com a lesão . Este princípio, por sua vez, já não atua no anterior à lesão, surge depois da existência de um dano para “reparar”, ou seja, compensar esse mesmo dano. Mas, no plano de direito do ambiente, tal como, vamos ver mais à frente esta compensação consiste numa tentativa de repor a situação antes da existência do dano, não compensar com uma indeminização. O mais importante é tentar colocar o meio ambiente como estava anteriormente à lesão efetuada.

Estes dois princípios pertencem a um conjunto de princípios fundamentais presentes na Constituição, que visam reger o Direito do Ambiente, de maneira a atribuir ao mesmo um conjunto orientador de princípios que ajudam na elaboração deste regime jurídico, de forma  a tutelar o ambiente da melhor maneira possível.

Devemos entrar agora no regime da responsabilidade civil, estes dois princípios orientam o DL 147/2008 de 29 de julho. Antes de mais, importa referir que este DL foi elaborado segundo os objetivos da Diretiva 2004/35 do Parlamento Europeu e Conselho, de 21 de abril. Os dois princípios por nós tutelados podem encontrar-se na diretiva, é logo aqui deixado de forma clara que deve haver uma prevenção e reparação dos danos ambientais. Aproveitamos este ponto para falar do principio do poluidor pagador (PPP), uma vez, que não pode ser dissociado deste tema, e a diretiva define que os dois princípios anteriores devem ser concretizados através deste. O PPP consiste, em os sujeitos económicos que beneficiam de uma atividade mais poluente devem pagar, por esse mesmo facto, ou seja, devem ser reesposáveis por essa poluição suportando uma carga fiscal. Tendo em conta esta natureza, podemos perceber a sua relação com a matéria em estudo, visto que “(…) de todos os princípios ambientais que, como vimos anteriormente, têm ligação directa ou indirecta à responsabilidade ambiental, é o princípio do poluidor pagador (PPP) que é considerado como o princípio fundamental inspirador deste regime.”[ii]

A diretiva em causa traçou vários objetivos, relacionados com este tema, vai impor a possibilidade de medidas de prevenção e reparação, prevendo assim os princípios que temos vindo a tratar.

Por sua vez, o DL 147/2008 não se limitou a transpor a diretiva, não transpôs apenas as ideias nela constantes, atuou também apelando a um modo de responsabilidade civil mais clássico. Assim, o que podemos encontrar é um capitulo II que aborda danos ressarcíeis, é aliado a uma responsabilidade civil mais civilista. E depois o capitulo III, que aborda os danos alvo de prevenção e reparação. Para nós, o que nos vai interessar é este III capitulo, em que podemos encontrar de forma clara a transposição da diretiva.

Neste III capitulo não se trata de ressarcir um dano, mas sim de prevenir o dano. Aqui reparar é repor a situação como estava, não se prevê o pagamento de uma indeminização, como vimos anteriormente, o objetivo é tutelar a natureza, repor o seu estado inicial e caso não seja possível, tentar compensar noutro lugar.

Os danos que devem ser reparados nesta sede são os que se encontram presentes no artigo 11º do referido diploma. Podemos considerar que neste capitulo temos uma noção alargada de responsabilidade, porque verifica-se independentemente da verificação de um dano.

Tendo em conta o sentido de proteção do regime, vai adotar no seu anexo III um conjunto de atividades económicas, que pela sua natureza, estão mais ligada a danos ambientais, que verificadas, os seus operadores económicos devem independentemente de dolo ou culpa ser responsabilizados, como podemos ver pelo artigo 12º. Isto surge porque sendo o meio ambiente frágil, e estas atividades representarem uma maior possibilidade de o afetar, estão sujeitas ao princípio de proibição sob reserva de permissão, que é consagrado pela necessidade de concessão de autorizações necessárias para o efeito, o que contribui para a prevenção do dano.

Este ponto incide na matéria de determinação de medidas preventivas por parte da administração aos operadores, o qual pode ser retirado de vários diplomas legais, desde a proibição genérica de poluir presente na LBA, artigo 26º até aos poderes atribuídos à administração relativamente ao procedimento sancionatório do artigo 30º/2 do diploma em análise. Daqui podemos retirar, que esta ideia de prevenção já existe e que “não é no capitulo da prevenção que o RPRDE verdadeiramente inova, pois esta dimensão já se encontrava coberta pelos diplomas sectoriais e pelo regime sancionatório – ficando, no entanto reforçada”[iii].

Cabe agora vermos, então de que maneira é que é feito este reforço, importa referir o artigo 14º, daqui podemos retirar, entre outras, que quando o operador estiver presente a uma situação de ameaça eminente de danos deve adotar logo as medidas de prevenção necessárias e adequadas. Ainda, quando ocorrer um dano ambiental os operadores devem tomar medidas preventivas para possíveis novos danos, é exposto no mesmo artigo que a autoridade competente pode exigir que o operador forneça informações, exigir que adote medidas preventivas, dar-lhe instruções e executar subsidiariamente medidas de prevenção necessárias. Tudo isto nos indica, o modo como é feita a prevenção em matéria de responsabilidade civil ambiental.

Relativamente às medidas de reparação devemos ter em conta o artigo 15º, aqui é identificado o que o operador deve fazer na presença de danos ambientais, tem um prazo de 24h para informar a autoridade competente, deve adotar as medidas possíveis à reparação do dano, entre outras, que têm como função evitar a propagação do dano.

Daqui pode retirar-se que a intenção deste artigo é com as informações adquiridas compensar da melhor maneira possível o dano que tiver sido causado, podemos constatar que a execução dessa reparação deve ser levada a cabo pelo operador segundo instruções da entidade competente na matéria.

É de referir que estamos a tratar de danos ecológicos, ou seja, lesões do ambiente propriamente ditas, o que difere dos danos ambientais, que são danos provocadas ao Homem por via da lesão de componentes ambientais.

Tendo em conta que estamos a tratar de danos ecológicos a reparação pretendida é in natura, ou seja, o que se pretende é uma reabilitação do elemento natural danificado, como vimos anteriormente é este o sentido do principio em causa. No entanto, a compensação ecológica também está presente no regime, aqui o que se visa, é criar, expandir, de modo a aumentar a funcionalidade de outro lugar, para “compensar” o dano causado num outro.

Não podemos esquecer o anexo V que trata exatamente sobre danos ambientais, no seu ponto 1 menciona a reparação de danos causados à agua, às espécies e habitats naturais protegidos. Aqui podemos encontrar uma reparação primaria, complementar, compensatória e por fim temos perdas transitórias. Daqui percebemos que a reparação in natura é o que se pretende como primeira hipótese, há uma tentativa de reparar os danos pela reparação para restituir os recursos naturais ao seu estado inicial. E só quando esta não é possível, é que se vai buscar outras formas de reparação dos danos causados.

No mesmo anexo encontramos a reparação de danos causados ao solo, neste ponto pretende-se adotar as medidas necessárias para garantir que as contaminações sejam eliminadas, reparando o seu estado inicial, a situação afetada pelo dano o melhor possível.

Neste ponto V encontramos efetivamente uma novidade nesta matéria, metodológica, relacionada com a reparação do dano ecológico, só por si, não de dano ambiental.

Assim, podemos ver que este capitulo III determina deveres de informação, prevenção e reparação de danos ecológicos, que recaem sobre os operadores e autoridades competentes.

O artigo 16º por sua vez, indica-nos um procedimento de reparação, onde a iniciativa parte do lesante, assim o operador tem um prazo de 10 dias para submeter à autoridade competente uma proposta de medidas de reparação, estas medidas passam pelo um crivo para perceber se são suficientes ao pretendido.

No que diz respeito ao regime da responsabilidade civil por danos ecológicos seria também importante referir o âmbito de aplicação do regime de prevenção e reparação, contemplado no artigo 2º e dos artigos 33º e 35º , que preveem a prescrição e a aplicação do regime no tempo.

Podemos ver que os dois princípios em apresso são parte integrante do atual regime da responsabilidade civil, este representa uma responsabilidade civil um pouco afastada da “normal” responsabilidade, não tem os traços comuns. O que na minha opinião não podia deixar de ser, pois o direito do ambiente, também é ele próprio diferente. Logo a matéria que trata da responsabilidade dentro do seu regime, tinha de ter traços específicos. Adotando estes princípios é feito um trabalho muito mais eficaz do que se estivéssemos presentes a um regime característico de responsabilidade civil.

Uma vez que os danos causados ao ambiente, também têm as suas próprias caraterísticas, primeiro porque muitas das atividades económicas são propicias à criação de danos ambientais, como podemos ver pelas atividades elencadas no Anexo III do DL em estudo. Depois, porque estes danos são muitas vezes, gravíssimos, na medida em que podem ser completamente desastrosos para o meio ambiente.

Este regime de responsabilidade, que podemos dizer, de certa forma, atípico, uma vez, que a reparação não passa pela atribuição de indeminização, até porque esta não fazia sentido, como já referido os danos que estão aqui em causa são ecológicos, logo a atribuição de uma indeminização, iria trazer problemas referentes à sua distribuição, pois na realidade o lesado é o meio natural.

Por todas estas características, é por vezes questionado se estamos realmente presentes a um regime de responsabilidade civil, mas tendo em conta o que analisamos podemos dizer que sim, estas questões levantam-se a propósito da diretiva e do DL 147/2008, esta questão tem importância no seu capitulo III como pudemos constatar, pela própria natureza em que a responsabilidade é tratada, no entanto, assim evita-se muito mais o dano. Em matéria ambiental, não interessa compensar pela indeminização depois da lesão, o que realmente é relevante e útil será a tentativa de evitar ao máximo a ocorrência de danos. Caso, não seja possível então atua o principio da reparação, pois, nem sempre os danos são possíveis de evitar. Neste caso, o importante é repor a situação, permitindo que se afete o menos possível o ambiente.

Podemos assim, dizer que este regime visa primeiro de tudo, a satisfação ambiental, a nível de direito do ambiente, a existência deste capitulo III no ordenamento português e na Diretiva a nível europeu representa uma grande evolução. Não existe mais dúvidas hoje, que o ambiente representa um ramo do direito com uma grande importância e características próprias, em que todos ganhamos com o seu estudo e aprofundamento. Pois, “A terra é nos emprestada pelos nossos filhos” e o direito deve tentar contribuir ao máximo para a sua preservação, este regime de responsabilidade civil encontra-se no caminho certo para os problemas ambientais.

 


[i] Como refere o professor Vasco Pereira da Silva, no Manual Verde Cor de Direito pág. 66
[ii] Segundo a professora Alexandra Aragão, no artigo O PRINCÍPIO DO POLUIDOR PAGADOR COMO PRINCÍPIO NUCLEAR DA RESPONSABILIDADE AMBIENTAL NO DIREITO EUROPEU, Actas do Coloquio – A Responsqbilidade civil por dano ambiental, Novembro de 2009 Pág. 94
[iii] Como afirma a Professora Carla Amado Gomes, no artigo Responsabilidade Civil por Dano ecológico.      
 
 
 
Bibliografia
·         Verde Cor de Direito / Vasco Pereira da Silva
·         Introdução ao Direito do Ambiente / Carla Amado Gomes
·         Temas de Direito do Ambiente, Cadernos o Direito, nº6
Heloísa Oliveira, A Restauração natural no novo Regime Jurídico de Responsabilidade Civil por danos ambientais
Tiago Antunes, Da natureza Jurídica da responsabilidade ambiental
·         O que há de novo no Direito do Ambiente? Atas das jornadas de Direito do Ambiente
Carla Amado Gomes, Responsabilidade Civil por dano ecológico
 
 
 
Joana Rita Fonseca
Nº20640
 
 

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